Opinião|Uma solução definitiva para os precatórios


Qualquer pagamento de precatórios deveria ser contabilizado inteiramente na dívida pública. Chega de esconder o mastodonte debaixo do tapete

Por Felipe Salto e Fernando Facury Scaff

O debate sobre o novo arcabouço fiscal enseja um questionamento fundamental: como serão tratados os precatórios nesse modelo? Temos uma proposta: incluí-los na dívida pública. Tudo indica que se trata da forma financeiramente mais adequada para proteger as decisões do Poder Judiciário das tempestades que costumam varrer os cofres públicos.

As Emendas Constitucionais (ECs) 113 e 114 de 2021, derivadas da PEC dos Precatórios, criaram uma verdadeira confusão nesse regime de pagamento. As incertezas sobre quantos e quais débitos serão saldados e qual o tratamento para os precatórios não contemplados no orçamento anual precisam ser eliminadas.

A despesa com precatório deriva de decisão judicial. Trata-se de uma obrigação que se soma ao estoque de outras, a serem pagas no devido tempo. Não cabe questionamento: são decisões transitadas em julgado, isto é, a mais alta garantia de um compromisso judicial. A contabilidade pública não pode ser mais realista que o rei. Deve, na verdade, viabilizar o cumprimento tempestivo das decisões judiciais. As despesas com precatórios sempre foram consideradas primárias, para o Direito Financeiro e para a Economia do Setor Público. O problema está no art. 30, § 7.º, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que estabelece que apenas se tornam dívida se não pagos. Um erro.

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Despesa primária é aquela que não embute contrapartida, como o pagamento de salários e aposentadorias. Despesa financeira é aquela que embute contrapartida, como o pagamento do valor de um título público acrescido dos juros devidos ao detentor do papel na data do vencimento. A contrapartida é a baixa no estoque da dívida pública que fora contratada quando da emissão do título público pelo Tesouro.

Precatório nada mais é do que dívida pública, tanto o que deve ser pago no mesmo exercício como seu estoque não pago, semelhante aos títulos da dívida mobiliária negociados todos os dias pelo mercado. É um dever do Estado perante terceiros, com a diferença de que o prazo do título é dado pelo vencimento combinado em contrato, enquanto o do precatório é definido pela Constituição, fruto de decisão judicial.

Qualquer pagamento de precatórios deveria ser contabilizado inteiramente na dívida pública. Isso elevaria o indicador de dívida, num primeiro momento, e não se está a propor magia contábil alguma. Por outro lado, duas vantagens: 1) todos poderiam acompanhar com clareza o tamanho desse passivo; e 2) o pagamento de cada centavo ao respectivo precatorista passaria a ser uma despesa financeira. A primeira vantagem é mais óbvia. Passemos à segunda.

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Ingressando na categoria de despesa financeira – e não mais despesa primária –, as regras fiscais não seriam sensibilizadas quando da execução desses gastos. Claro que a dívida refletiria cada pagamento. Mas a retirada dos precatórios do rol de gastos primários, conferindo a eles o devido tratamento contábil e jurídico, daria liberdade ao governo para formular regras fiscais que abarcassem os gastos sob seu efetivo controle.

Antes das ECs 113 e 114, os precatórios federais eram integralmente pagos e afetavam o resultado primário (receitas menos despesas sem contar os juros da dívida), dificultando o cumprimento da meta anual e do teto de gastos instituído pela Emenda Constitucional 95/2016. Como aumentaram de tamanho, o governo federal anterior preferiu deixar de pagar um bom pedaço, alterando a Constituição, pelo receio de romper o famigerado teto de gastos. Uma manobra que levou à perda de credibilidade e a todas as consequências conhecidas para a economia e as contas públicas, além de gerar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7.047 e 7.064 no Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do ministro Luiz Fux.

As despesas com precatórios seguiram na conta primária e sob a regra de gastos, ma non troppo. A obrigação de pagar foi calculada pelo valor executado de 2016 corrigido pela inflação até 2021, criando-se um subteto de precatórios. Criou-se, assim, um limbo para uma parcela significativa dessas despesas, empurradas ano a ano feito bola de neve. Apenas se sabe que devem ser priorizadas no ano seguinte, mas e o que não for pago, mesmo após a priorização, em razão da limitação constitucional? Isso tem nome e sobrenome: dívida pública.

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Vamos, então, dar o tratamento adequado e mostrar à sociedade duas coisas: o tamanho dessa dívida, incorporando nos indicadores; e o efeito do pagamento aos precatoristas, no momento determinado pela Justiça, sobre as contas públicas. Chega de esconder esse mastodonte debaixo do tapete.

A apresentação do arcabouço fiscal é uma boa oportunidade para avançar nessa direção. A revisão do teto de gastos determinada pela EC 126/2022 abre caminho para tratarmos disso na própria lei complementar que conterá o novo arcabouço fiscal, ou mesmo alterando o § 7.º do art. 30 da LRF, a fim de que todos os precatórios passem a ser considerados como dívida, não só os inadimplidos.

*

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN RENA, PROFESSOR DO INSTITUTO BRASILEIRO DE ENSINO, DESENVOLVIMENTO E PESQUISA (IDP), EX-SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO; E ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR DE DIREITO FINANCEIRO DA USP

O debate sobre o novo arcabouço fiscal enseja um questionamento fundamental: como serão tratados os precatórios nesse modelo? Temos uma proposta: incluí-los na dívida pública. Tudo indica que se trata da forma financeiramente mais adequada para proteger as decisões do Poder Judiciário das tempestades que costumam varrer os cofres públicos.

As Emendas Constitucionais (ECs) 113 e 114 de 2021, derivadas da PEC dos Precatórios, criaram uma verdadeira confusão nesse regime de pagamento. As incertezas sobre quantos e quais débitos serão saldados e qual o tratamento para os precatórios não contemplados no orçamento anual precisam ser eliminadas.

A despesa com precatório deriva de decisão judicial. Trata-se de uma obrigação que se soma ao estoque de outras, a serem pagas no devido tempo. Não cabe questionamento: são decisões transitadas em julgado, isto é, a mais alta garantia de um compromisso judicial. A contabilidade pública não pode ser mais realista que o rei. Deve, na verdade, viabilizar o cumprimento tempestivo das decisões judiciais. As despesas com precatórios sempre foram consideradas primárias, para o Direito Financeiro e para a Economia do Setor Público. O problema está no art. 30, § 7.º, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que estabelece que apenas se tornam dívida se não pagos. Um erro.

Despesa primária é aquela que não embute contrapartida, como o pagamento de salários e aposentadorias. Despesa financeira é aquela que embute contrapartida, como o pagamento do valor de um título público acrescido dos juros devidos ao detentor do papel na data do vencimento. A contrapartida é a baixa no estoque da dívida pública que fora contratada quando da emissão do título público pelo Tesouro.

Precatório nada mais é do que dívida pública, tanto o que deve ser pago no mesmo exercício como seu estoque não pago, semelhante aos títulos da dívida mobiliária negociados todos os dias pelo mercado. É um dever do Estado perante terceiros, com a diferença de que o prazo do título é dado pelo vencimento combinado em contrato, enquanto o do precatório é definido pela Constituição, fruto de decisão judicial.

Qualquer pagamento de precatórios deveria ser contabilizado inteiramente na dívida pública. Isso elevaria o indicador de dívida, num primeiro momento, e não se está a propor magia contábil alguma. Por outro lado, duas vantagens: 1) todos poderiam acompanhar com clareza o tamanho desse passivo; e 2) o pagamento de cada centavo ao respectivo precatorista passaria a ser uma despesa financeira. A primeira vantagem é mais óbvia. Passemos à segunda.

Ingressando na categoria de despesa financeira – e não mais despesa primária –, as regras fiscais não seriam sensibilizadas quando da execução desses gastos. Claro que a dívida refletiria cada pagamento. Mas a retirada dos precatórios do rol de gastos primários, conferindo a eles o devido tratamento contábil e jurídico, daria liberdade ao governo para formular regras fiscais que abarcassem os gastos sob seu efetivo controle.

Antes das ECs 113 e 114, os precatórios federais eram integralmente pagos e afetavam o resultado primário (receitas menos despesas sem contar os juros da dívida), dificultando o cumprimento da meta anual e do teto de gastos instituído pela Emenda Constitucional 95/2016. Como aumentaram de tamanho, o governo federal anterior preferiu deixar de pagar um bom pedaço, alterando a Constituição, pelo receio de romper o famigerado teto de gastos. Uma manobra que levou à perda de credibilidade e a todas as consequências conhecidas para a economia e as contas públicas, além de gerar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7.047 e 7.064 no Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do ministro Luiz Fux.

As despesas com precatórios seguiram na conta primária e sob a regra de gastos, ma non troppo. A obrigação de pagar foi calculada pelo valor executado de 2016 corrigido pela inflação até 2021, criando-se um subteto de precatórios. Criou-se, assim, um limbo para uma parcela significativa dessas despesas, empurradas ano a ano feito bola de neve. Apenas se sabe que devem ser priorizadas no ano seguinte, mas e o que não for pago, mesmo após a priorização, em razão da limitação constitucional? Isso tem nome e sobrenome: dívida pública.

Vamos, então, dar o tratamento adequado e mostrar à sociedade duas coisas: o tamanho dessa dívida, incorporando nos indicadores; e o efeito do pagamento aos precatoristas, no momento determinado pela Justiça, sobre as contas públicas. Chega de esconder esse mastodonte debaixo do tapete.

A apresentação do arcabouço fiscal é uma boa oportunidade para avançar nessa direção. A revisão do teto de gastos determinada pela EC 126/2022 abre caminho para tratarmos disso na própria lei complementar que conterá o novo arcabouço fiscal, ou mesmo alterando o § 7.º do art. 30 da LRF, a fim de que todos os precatórios passem a ser considerados como dívida, não só os inadimplidos.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN RENA, PROFESSOR DO INSTITUTO BRASILEIRO DE ENSINO, DESENVOLVIMENTO E PESQUISA (IDP), EX-SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO; E ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR DE DIREITO FINANCEIRO DA USP

O debate sobre o novo arcabouço fiscal enseja um questionamento fundamental: como serão tratados os precatórios nesse modelo? Temos uma proposta: incluí-los na dívida pública. Tudo indica que se trata da forma financeiramente mais adequada para proteger as decisões do Poder Judiciário das tempestades que costumam varrer os cofres públicos.

As Emendas Constitucionais (ECs) 113 e 114 de 2021, derivadas da PEC dos Precatórios, criaram uma verdadeira confusão nesse regime de pagamento. As incertezas sobre quantos e quais débitos serão saldados e qual o tratamento para os precatórios não contemplados no orçamento anual precisam ser eliminadas.

A despesa com precatório deriva de decisão judicial. Trata-se de uma obrigação que se soma ao estoque de outras, a serem pagas no devido tempo. Não cabe questionamento: são decisões transitadas em julgado, isto é, a mais alta garantia de um compromisso judicial. A contabilidade pública não pode ser mais realista que o rei. Deve, na verdade, viabilizar o cumprimento tempestivo das decisões judiciais. As despesas com precatórios sempre foram consideradas primárias, para o Direito Financeiro e para a Economia do Setor Público. O problema está no art. 30, § 7.º, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que estabelece que apenas se tornam dívida se não pagos. Um erro.

Despesa primária é aquela que não embute contrapartida, como o pagamento de salários e aposentadorias. Despesa financeira é aquela que embute contrapartida, como o pagamento do valor de um título público acrescido dos juros devidos ao detentor do papel na data do vencimento. A contrapartida é a baixa no estoque da dívida pública que fora contratada quando da emissão do título público pelo Tesouro.

Precatório nada mais é do que dívida pública, tanto o que deve ser pago no mesmo exercício como seu estoque não pago, semelhante aos títulos da dívida mobiliária negociados todos os dias pelo mercado. É um dever do Estado perante terceiros, com a diferença de que o prazo do título é dado pelo vencimento combinado em contrato, enquanto o do precatório é definido pela Constituição, fruto de decisão judicial.

Qualquer pagamento de precatórios deveria ser contabilizado inteiramente na dívida pública. Isso elevaria o indicador de dívida, num primeiro momento, e não se está a propor magia contábil alguma. Por outro lado, duas vantagens: 1) todos poderiam acompanhar com clareza o tamanho desse passivo; e 2) o pagamento de cada centavo ao respectivo precatorista passaria a ser uma despesa financeira. A primeira vantagem é mais óbvia. Passemos à segunda.

Ingressando na categoria de despesa financeira – e não mais despesa primária –, as regras fiscais não seriam sensibilizadas quando da execução desses gastos. Claro que a dívida refletiria cada pagamento. Mas a retirada dos precatórios do rol de gastos primários, conferindo a eles o devido tratamento contábil e jurídico, daria liberdade ao governo para formular regras fiscais que abarcassem os gastos sob seu efetivo controle.

Antes das ECs 113 e 114, os precatórios federais eram integralmente pagos e afetavam o resultado primário (receitas menos despesas sem contar os juros da dívida), dificultando o cumprimento da meta anual e do teto de gastos instituído pela Emenda Constitucional 95/2016. Como aumentaram de tamanho, o governo federal anterior preferiu deixar de pagar um bom pedaço, alterando a Constituição, pelo receio de romper o famigerado teto de gastos. Uma manobra que levou à perda de credibilidade e a todas as consequências conhecidas para a economia e as contas públicas, além de gerar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7.047 e 7.064 no Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do ministro Luiz Fux.

As despesas com precatórios seguiram na conta primária e sob a regra de gastos, ma non troppo. A obrigação de pagar foi calculada pelo valor executado de 2016 corrigido pela inflação até 2021, criando-se um subteto de precatórios. Criou-se, assim, um limbo para uma parcela significativa dessas despesas, empurradas ano a ano feito bola de neve. Apenas se sabe que devem ser priorizadas no ano seguinte, mas e o que não for pago, mesmo após a priorização, em razão da limitação constitucional? Isso tem nome e sobrenome: dívida pública.

Vamos, então, dar o tratamento adequado e mostrar à sociedade duas coisas: o tamanho dessa dívida, incorporando nos indicadores; e o efeito do pagamento aos precatoristas, no momento determinado pela Justiça, sobre as contas públicas. Chega de esconder esse mastodonte debaixo do tapete.

A apresentação do arcabouço fiscal é uma boa oportunidade para avançar nessa direção. A revisão do teto de gastos determinada pela EC 126/2022 abre caminho para tratarmos disso na própria lei complementar que conterá o novo arcabouço fiscal, ou mesmo alterando o § 7.º do art. 30 da LRF, a fim de que todos os precatórios passem a ser considerados como dívida, não só os inadimplidos.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN RENA, PROFESSOR DO INSTITUTO BRASILEIRO DE ENSINO, DESENVOLVIMENTO E PESQUISA (IDP), EX-SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO; E ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR DE DIREITO FINANCEIRO DA USP

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