Opinião|Vamos ficar sem água?


Há dados que não deixam dúvidas sobre a gravidade da situação que vivenciamos.

Por João Paulo R. Capobianco, Ricardo Young e Guilherme B. Checco

As manchetes dos últimos meses despertaram a memória da crise hídrica enfrentada nos anos de 2014 a 2016 e puseram em dúvida se há risco de a trágica situação se repetir. No geral, as autoridades públicas nos três níveis de governo e os executivos das empresas de saneamento têm se apressado em responder que não, garantindo que ainda estamos distantes do risco de desabastecimento. A sociedade, por outro lado, segue preocupada com a piora do quadro.

O governo federal, na liderança da agenda negacionista, vinha minimizando o problema até a luz vermelha do risco energético acender. A partir de então, passou a se preocupar exclusivamente com o potencial impacto que o volume aquém das chuvas na Bacia do Paraná pode acarretar na geração de energia em âmbito nacional. Nesse sentido, editou a Medida Provisória n.º 1.055, de 28 de junho de 2021, que centralizou o poder de decisão no ministro de Minas e Energia, desarticulando a participação do conjunto de atores públicos e privados na gestão dos usos múltiplos da água. Desta forma, afastou parte dos que poderiam auxiliar no enfrentamento do problema e, ao contrário do ocorrido no apagão de 2002, delegou a coordenação das ações a um órgão setorial, ao invés da Casa Civil, único ministério capaz de coordenar o conjunto do governo, como exige o momento.

As empresas de saneamento afirmam que hoje estão mais preparadas para enfrentar essa situação. A Sabesp, maior do setor no Brasil, por exemplo, anuncia que atualmente seus sistemas de abastecimento estão interligados e contam com novas fontes de água, importadas de outras bacias hidrográficas por meio de obras executadas após a última crise hídrica.

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Esses posicionamentos contrariam a realidade e o bom senso. A redução dos índices pluviométricos nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste não é de hoje. Desde 2015 o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já vinha identificando o problema, com os reservatórios das hidrelétricas recebendo um volume de água inferior à média histórica. Em maio de 2021, o recém-criado Sistema Nacional de Meteorologia (SNM) emitiu um alerta de emergência hídrica “associado à escassez de precipitação para a região hidrográfica da Bacia do Paraná”. As perspectivas climáticas analisadas nas modelagens do SNM indicaram uma tendência de menor volume de chuva para o período de 2021/2022. A nota de cinco meses atrás conclui recomendando que ações preventivas fossem adotadas para diminuir os impactos para a população.

Essas informações, que revelavam o risco de chegarmos a uma situação de desabastecimento e apagões, deveriam ter levado a ações de contingência. O que se verifica, no entanto, é que praticamente nada foi feito. As manifestações públicas das autoridades responsáveis continuam, via de regra, no sentido de minimizar o problema e de tentar passar para a sociedade a impressão de que tudo está sob controle. As consequências dessas atitudes ou omissões começam a aparecer.

Em São Paulo, o volume de água reservada nos sete sistemas de abastecimento da Região Metropolitana (RMSP) chegou ao final de setembro passado 20,8% abaixo do registrado em setembro de 2013, ano que antecedeu sua pior crise hídrica. É importante destacar que essa redução da água armazenada está ocorrendo mesmo com a entrada em operação do sistema São Lourenço e da transposição do Rio Paraíba do Sul, que passaram a despejar cerca de 13 metros cúbicos por segundo nos reservatórios da RMSP, a partir de 2018. As obras que solucionariam o problema da crise não estão apresentando os resultados esperados.

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O reservatório de Furnas, parte importante do subsistema Sudeste de abastecimento de energia elétrica, estava com apenas 13,72% de seu volume útil no início de outubro, de acordo com o ONS.

Há muitos outros dados que não deixam dúvidas sobre a gravidade da situação que vivenciamos e que vai piorar em razão da intensificação dos eventos climáticos extremos.

Se os aprendizados da última crise hídrica tivessem sido aplicados desde então, seguramente estaríamos mais preparados para enfrentar a presente situação. Alternativas descentralizadas para o abastecimento e esgotamento sanitário e soluções baseadas na natureza para a gestão sustentável das águas pouco avançaram. O combate às perdas e a ampliação das práticas de reúso e aproveitamento de águas pluviais tampouco ganharam a escala necessária.

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Analisar o risco iminente de desabastecimento minimizando a gravidade da estiagem e o consequente acirramento dos conflitos pelo uso dos recursos hídricos levará ao agravamento da crise. Medidas urgentes, necessárias à mobilização da sociedade para implementar ações de adaptação e redução de consumo de água e energia, seguem ignoradas. Reconhecer o problema de forma transparente não se configura como alarmismo descabido, mas, sim, um primeiro passo para enfrentar o desafio de forma adequada.

* SÃO MEMBROS DO INSTITUTO DEMOCRACIA E SUSTENTABILIDADE (IDS)

As manchetes dos últimos meses despertaram a memória da crise hídrica enfrentada nos anos de 2014 a 2016 e puseram em dúvida se há risco de a trágica situação se repetir. No geral, as autoridades públicas nos três níveis de governo e os executivos das empresas de saneamento têm se apressado em responder que não, garantindo que ainda estamos distantes do risco de desabastecimento. A sociedade, por outro lado, segue preocupada com a piora do quadro.

O governo federal, na liderança da agenda negacionista, vinha minimizando o problema até a luz vermelha do risco energético acender. A partir de então, passou a se preocupar exclusivamente com o potencial impacto que o volume aquém das chuvas na Bacia do Paraná pode acarretar na geração de energia em âmbito nacional. Nesse sentido, editou a Medida Provisória n.º 1.055, de 28 de junho de 2021, que centralizou o poder de decisão no ministro de Minas e Energia, desarticulando a participação do conjunto de atores públicos e privados na gestão dos usos múltiplos da água. Desta forma, afastou parte dos que poderiam auxiliar no enfrentamento do problema e, ao contrário do ocorrido no apagão de 2002, delegou a coordenação das ações a um órgão setorial, ao invés da Casa Civil, único ministério capaz de coordenar o conjunto do governo, como exige o momento.

As empresas de saneamento afirmam que hoje estão mais preparadas para enfrentar essa situação. A Sabesp, maior do setor no Brasil, por exemplo, anuncia que atualmente seus sistemas de abastecimento estão interligados e contam com novas fontes de água, importadas de outras bacias hidrográficas por meio de obras executadas após a última crise hídrica.

Esses posicionamentos contrariam a realidade e o bom senso. A redução dos índices pluviométricos nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste não é de hoje. Desde 2015 o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já vinha identificando o problema, com os reservatórios das hidrelétricas recebendo um volume de água inferior à média histórica. Em maio de 2021, o recém-criado Sistema Nacional de Meteorologia (SNM) emitiu um alerta de emergência hídrica “associado à escassez de precipitação para a região hidrográfica da Bacia do Paraná”. As perspectivas climáticas analisadas nas modelagens do SNM indicaram uma tendência de menor volume de chuva para o período de 2021/2022. A nota de cinco meses atrás conclui recomendando que ações preventivas fossem adotadas para diminuir os impactos para a população.

Essas informações, que revelavam o risco de chegarmos a uma situação de desabastecimento e apagões, deveriam ter levado a ações de contingência. O que se verifica, no entanto, é que praticamente nada foi feito. As manifestações públicas das autoridades responsáveis continuam, via de regra, no sentido de minimizar o problema e de tentar passar para a sociedade a impressão de que tudo está sob controle. As consequências dessas atitudes ou omissões começam a aparecer.

Em São Paulo, o volume de água reservada nos sete sistemas de abastecimento da Região Metropolitana (RMSP) chegou ao final de setembro passado 20,8% abaixo do registrado em setembro de 2013, ano que antecedeu sua pior crise hídrica. É importante destacar que essa redução da água armazenada está ocorrendo mesmo com a entrada em operação do sistema São Lourenço e da transposição do Rio Paraíba do Sul, que passaram a despejar cerca de 13 metros cúbicos por segundo nos reservatórios da RMSP, a partir de 2018. As obras que solucionariam o problema da crise não estão apresentando os resultados esperados.

O reservatório de Furnas, parte importante do subsistema Sudeste de abastecimento de energia elétrica, estava com apenas 13,72% de seu volume útil no início de outubro, de acordo com o ONS.

Há muitos outros dados que não deixam dúvidas sobre a gravidade da situação que vivenciamos e que vai piorar em razão da intensificação dos eventos climáticos extremos.

Se os aprendizados da última crise hídrica tivessem sido aplicados desde então, seguramente estaríamos mais preparados para enfrentar a presente situação. Alternativas descentralizadas para o abastecimento e esgotamento sanitário e soluções baseadas na natureza para a gestão sustentável das águas pouco avançaram. O combate às perdas e a ampliação das práticas de reúso e aproveitamento de águas pluviais tampouco ganharam a escala necessária.

Analisar o risco iminente de desabastecimento minimizando a gravidade da estiagem e o consequente acirramento dos conflitos pelo uso dos recursos hídricos levará ao agravamento da crise. Medidas urgentes, necessárias à mobilização da sociedade para implementar ações de adaptação e redução de consumo de água e energia, seguem ignoradas. Reconhecer o problema de forma transparente não se configura como alarmismo descabido, mas, sim, um primeiro passo para enfrentar o desafio de forma adequada.

* SÃO MEMBROS DO INSTITUTO DEMOCRACIA E SUSTENTABILIDADE (IDS)

As manchetes dos últimos meses despertaram a memória da crise hídrica enfrentada nos anos de 2014 a 2016 e puseram em dúvida se há risco de a trágica situação se repetir. No geral, as autoridades públicas nos três níveis de governo e os executivos das empresas de saneamento têm se apressado em responder que não, garantindo que ainda estamos distantes do risco de desabastecimento. A sociedade, por outro lado, segue preocupada com a piora do quadro.

O governo federal, na liderança da agenda negacionista, vinha minimizando o problema até a luz vermelha do risco energético acender. A partir de então, passou a se preocupar exclusivamente com o potencial impacto que o volume aquém das chuvas na Bacia do Paraná pode acarretar na geração de energia em âmbito nacional. Nesse sentido, editou a Medida Provisória n.º 1.055, de 28 de junho de 2021, que centralizou o poder de decisão no ministro de Minas e Energia, desarticulando a participação do conjunto de atores públicos e privados na gestão dos usos múltiplos da água. Desta forma, afastou parte dos que poderiam auxiliar no enfrentamento do problema e, ao contrário do ocorrido no apagão de 2002, delegou a coordenação das ações a um órgão setorial, ao invés da Casa Civil, único ministério capaz de coordenar o conjunto do governo, como exige o momento.

As empresas de saneamento afirmam que hoje estão mais preparadas para enfrentar essa situação. A Sabesp, maior do setor no Brasil, por exemplo, anuncia que atualmente seus sistemas de abastecimento estão interligados e contam com novas fontes de água, importadas de outras bacias hidrográficas por meio de obras executadas após a última crise hídrica.

Esses posicionamentos contrariam a realidade e o bom senso. A redução dos índices pluviométricos nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste não é de hoje. Desde 2015 o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já vinha identificando o problema, com os reservatórios das hidrelétricas recebendo um volume de água inferior à média histórica. Em maio de 2021, o recém-criado Sistema Nacional de Meteorologia (SNM) emitiu um alerta de emergência hídrica “associado à escassez de precipitação para a região hidrográfica da Bacia do Paraná”. As perspectivas climáticas analisadas nas modelagens do SNM indicaram uma tendência de menor volume de chuva para o período de 2021/2022. A nota de cinco meses atrás conclui recomendando que ações preventivas fossem adotadas para diminuir os impactos para a população.

Essas informações, que revelavam o risco de chegarmos a uma situação de desabastecimento e apagões, deveriam ter levado a ações de contingência. O que se verifica, no entanto, é que praticamente nada foi feito. As manifestações públicas das autoridades responsáveis continuam, via de regra, no sentido de minimizar o problema e de tentar passar para a sociedade a impressão de que tudo está sob controle. As consequências dessas atitudes ou omissões começam a aparecer.

Em São Paulo, o volume de água reservada nos sete sistemas de abastecimento da Região Metropolitana (RMSP) chegou ao final de setembro passado 20,8% abaixo do registrado em setembro de 2013, ano que antecedeu sua pior crise hídrica. É importante destacar que essa redução da água armazenada está ocorrendo mesmo com a entrada em operação do sistema São Lourenço e da transposição do Rio Paraíba do Sul, que passaram a despejar cerca de 13 metros cúbicos por segundo nos reservatórios da RMSP, a partir de 2018. As obras que solucionariam o problema da crise não estão apresentando os resultados esperados.

O reservatório de Furnas, parte importante do subsistema Sudeste de abastecimento de energia elétrica, estava com apenas 13,72% de seu volume útil no início de outubro, de acordo com o ONS.

Há muitos outros dados que não deixam dúvidas sobre a gravidade da situação que vivenciamos e que vai piorar em razão da intensificação dos eventos climáticos extremos.

Se os aprendizados da última crise hídrica tivessem sido aplicados desde então, seguramente estaríamos mais preparados para enfrentar a presente situação. Alternativas descentralizadas para o abastecimento e esgotamento sanitário e soluções baseadas na natureza para a gestão sustentável das águas pouco avançaram. O combate às perdas e a ampliação das práticas de reúso e aproveitamento de águas pluviais tampouco ganharam a escala necessária.

Analisar o risco iminente de desabastecimento minimizando a gravidade da estiagem e o consequente acirramento dos conflitos pelo uso dos recursos hídricos levará ao agravamento da crise. Medidas urgentes, necessárias à mobilização da sociedade para implementar ações de adaptação e redução de consumo de água e energia, seguem ignoradas. Reconhecer o problema de forma transparente não se configura como alarmismo descabido, mas, sim, um primeiro passo para enfrentar o desafio de forma adequada.

* SÃO MEMBROS DO INSTITUTO DEMOCRACIA E SUSTENTABILIDADE (IDS)

As manchetes dos últimos meses despertaram a memória da crise hídrica enfrentada nos anos de 2014 a 2016 e puseram em dúvida se há risco de a trágica situação se repetir. No geral, as autoridades públicas nos três níveis de governo e os executivos das empresas de saneamento têm se apressado em responder que não, garantindo que ainda estamos distantes do risco de desabastecimento. A sociedade, por outro lado, segue preocupada com a piora do quadro.

O governo federal, na liderança da agenda negacionista, vinha minimizando o problema até a luz vermelha do risco energético acender. A partir de então, passou a se preocupar exclusivamente com o potencial impacto que o volume aquém das chuvas na Bacia do Paraná pode acarretar na geração de energia em âmbito nacional. Nesse sentido, editou a Medida Provisória n.º 1.055, de 28 de junho de 2021, que centralizou o poder de decisão no ministro de Minas e Energia, desarticulando a participação do conjunto de atores públicos e privados na gestão dos usos múltiplos da água. Desta forma, afastou parte dos que poderiam auxiliar no enfrentamento do problema e, ao contrário do ocorrido no apagão de 2002, delegou a coordenação das ações a um órgão setorial, ao invés da Casa Civil, único ministério capaz de coordenar o conjunto do governo, como exige o momento.

As empresas de saneamento afirmam que hoje estão mais preparadas para enfrentar essa situação. A Sabesp, maior do setor no Brasil, por exemplo, anuncia que atualmente seus sistemas de abastecimento estão interligados e contam com novas fontes de água, importadas de outras bacias hidrográficas por meio de obras executadas após a última crise hídrica.

Esses posicionamentos contrariam a realidade e o bom senso. A redução dos índices pluviométricos nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste não é de hoje. Desde 2015 o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já vinha identificando o problema, com os reservatórios das hidrelétricas recebendo um volume de água inferior à média histórica. Em maio de 2021, o recém-criado Sistema Nacional de Meteorologia (SNM) emitiu um alerta de emergência hídrica “associado à escassez de precipitação para a região hidrográfica da Bacia do Paraná”. As perspectivas climáticas analisadas nas modelagens do SNM indicaram uma tendência de menor volume de chuva para o período de 2021/2022. A nota de cinco meses atrás conclui recomendando que ações preventivas fossem adotadas para diminuir os impactos para a população.

Essas informações, que revelavam o risco de chegarmos a uma situação de desabastecimento e apagões, deveriam ter levado a ações de contingência. O que se verifica, no entanto, é que praticamente nada foi feito. As manifestações públicas das autoridades responsáveis continuam, via de regra, no sentido de minimizar o problema e de tentar passar para a sociedade a impressão de que tudo está sob controle. As consequências dessas atitudes ou omissões começam a aparecer.

Em São Paulo, o volume de água reservada nos sete sistemas de abastecimento da Região Metropolitana (RMSP) chegou ao final de setembro passado 20,8% abaixo do registrado em setembro de 2013, ano que antecedeu sua pior crise hídrica. É importante destacar que essa redução da água armazenada está ocorrendo mesmo com a entrada em operação do sistema São Lourenço e da transposição do Rio Paraíba do Sul, que passaram a despejar cerca de 13 metros cúbicos por segundo nos reservatórios da RMSP, a partir de 2018. As obras que solucionariam o problema da crise não estão apresentando os resultados esperados.

O reservatório de Furnas, parte importante do subsistema Sudeste de abastecimento de energia elétrica, estava com apenas 13,72% de seu volume útil no início de outubro, de acordo com o ONS.

Há muitos outros dados que não deixam dúvidas sobre a gravidade da situação que vivenciamos e que vai piorar em razão da intensificação dos eventos climáticos extremos.

Se os aprendizados da última crise hídrica tivessem sido aplicados desde então, seguramente estaríamos mais preparados para enfrentar a presente situação. Alternativas descentralizadas para o abastecimento e esgotamento sanitário e soluções baseadas na natureza para a gestão sustentável das águas pouco avançaram. O combate às perdas e a ampliação das práticas de reúso e aproveitamento de águas pluviais tampouco ganharam a escala necessária.

Analisar o risco iminente de desabastecimento minimizando a gravidade da estiagem e o consequente acirramento dos conflitos pelo uso dos recursos hídricos levará ao agravamento da crise. Medidas urgentes, necessárias à mobilização da sociedade para implementar ações de adaptação e redução de consumo de água e energia, seguem ignoradas. Reconhecer o problema de forma transparente não se configura como alarmismo descabido, mas, sim, um primeiro passo para enfrentar o desafio de forma adequada.

* SÃO MEMBROS DO INSTITUTO DEMOCRACIA E SUSTENTABILIDADE (IDS)

As manchetes dos últimos meses despertaram a memória da crise hídrica enfrentada nos anos de 2014 a 2016 e puseram em dúvida se há risco de a trágica situação se repetir. No geral, as autoridades públicas nos três níveis de governo e os executivos das empresas de saneamento têm se apressado em responder que não, garantindo que ainda estamos distantes do risco de desabastecimento. A sociedade, por outro lado, segue preocupada com a piora do quadro.

O governo federal, na liderança da agenda negacionista, vinha minimizando o problema até a luz vermelha do risco energético acender. A partir de então, passou a se preocupar exclusivamente com o potencial impacto que o volume aquém das chuvas na Bacia do Paraná pode acarretar na geração de energia em âmbito nacional. Nesse sentido, editou a Medida Provisória n.º 1.055, de 28 de junho de 2021, que centralizou o poder de decisão no ministro de Minas e Energia, desarticulando a participação do conjunto de atores públicos e privados na gestão dos usos múltiplos da água. Desta forma, afastou parte dos que poderiam auxiliar no enfrentamento do problema e, ao contrário do ocorrido no apagão de 2002, delegou a coordenação das ações a um órgão setorial, ao invés da Casa Civil, único ministério capaz de coordenar o conjunto do governo, como exige o momento.

As empresas de saneamento afirmam que hoje estão mais preparadas para enfrentar essa situação. A Sabesp, maior do setor no Brasil, por exemplo, anuncia que atualmente seus sistemas de abastecimento estão interligados e contam com novas fontes de água, importadas de outras bacias hidrográficas por meio de obras executadas após a última crise hídrica.

Esses posicionamentos contrariam a realidade e o bom senso. A redução dos índices pluviométricos nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste não é de hoje. Desde 2015 o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já vinha identificando o problema, com os reservatórios das hidrelétricas recebendo um volume de água inferior à média histórica. Em maio de 2021, o recém-criado Sistema Nacional de Meteorologia (SNM) emitiu um alerta de emergência hídrica “associado à escassez de precipitação para a região hidrográfica da Bacia do Paraná”. As perspectivas climáticas analisadas nas modelagens do SNM indicaram uma tendência de menor volume de chuva para o período de 2021/2022. A nota de cinco meses atrás conclui recomendando que ações preventivas fossem adotadas para diminuir os impactos para a população.

Essas informações, que revelavam o risco de chegarmos a uma situação de desabastecimento e apagões, deveriam ter levado a ações de contingência. O que se verifica, no entanto, é que praticamente nada foi feito. As manifestações públicas das autoridades responsáveis continuam, via de regra, no sentido de minimizar o problema e de tentar passar para a sociedade a impressão de que tudo está sob controle. As consequências dessas atitudes ou omissões começam a aparecer.

Em São Paulo, o volume de água reservada nos sete sistemas de abastecimento da Região Metropolitana (RMSP) chegou ao final de setembro passado 20,8% abaixo do registrado em setembro de 2013, ano que antecedeu sua pior crise hídrica. É importante destacar que essa redução da água armazenada está ocorrendo mesmo com a entrada em operação do sistema São Lourenço e da transposição do Rio Paraíba do Sul, que passaram a despejar cerca de 13 metros cúbicos por segundo nos reservatórios da RMSP, a partir de 2018. As obras que solucionariam o problema da crise não estão apresentando os resultados esperados.

O reservatório de Furnas, parte importante do subsistema Sudeste de abastecimento de energia elétrica, estava com apenas 13,72% de seu volume útil no início de outubro, de acordo com o ONS.

Há muitos outros dados que não deixam dúvidas sobre a gravidade da situação que vivenciamos e que vai piorar em razão da intensificação dos eventos climáticos extremos.

Se os aprendizados da última crise hídrica tivessem sido aplicados desde então, seguramente estaríamos mais preparados para enfrentar a presente situação. Alternativas descentralizadas para o abastecimento e esgotamento sanitário e soluções baseadas na natureza para a gestão sustentável das águas pouco avançaram. O combate às perdas e a ampliação das práticas de reúso e aproveitamento de águas pluviais tampouco ganharam a escala necessária.

Analisar o risco iminente de desabastecimento minimizando a gravidade da estiagem e o consequente acirramento dos conflitos pelo uso dos recursos hídricos levará ao agravamento da crise. Medidas urgentes, necessárias à mobilização da sociedade para implementar ações de adaptação e redução de consumo de água e energia, seguem ignoradas. Reconhecer o problema de forma transparente não se configura como alarmismo descabido, mas, sim, um primeiro passo para enfrentar o desafio de forma adequada.

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