Opinião|Venezuela e os caminhos para a transição


Oposição deve continuar investindo em processos e instrumentos democráticos, mesmo com descaso e violência de Maduro

Por Helder Ferreira do Vale

No dia 28 de julho, as eleições na Venezuela finalizaram com a autodeclaração de vitória do presidente Nicolás Maduro, no poder há 11 anos. Com a fraude eleitoral, Maduro limitou as esperanças da oposição venezuelana de um caminho pacífico do país à democracia.

O atual contexto de crise na Venezuela – contestação dos resultados eleitorais, protestos cívicos massivos e aumento da repressão – é uma repetição do passado. A atualidade na Venezuela é similar ao período de crise institucional vivido pelo país em 2018. Naquele ano, o presidente Maduro fraudou as eleições presidenciais e, como resposta, a oposição que controlava a Assembleia Nacional proclamou Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela.

A disputa entre Maduro e Guaidó pela legitimidade do poder esteve prestes a gerar uma escalada de violência política sem precedentes. Tal temor levou parte da oposição na Assembleia Nacional a votar pelo fim do governo interino de Guaidó e iniciar uma negociação com Maduro para garantir novas eleições presidenciais livres e justas. Essa proposta prevaleceu e culminou no Acordo de Barbados, em outubro de 2023.

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O acordo assinado entre oposição e Maduro, e mediado por vários países, incluindo o Brasil, previu a realização de eleições presidenciais em julho deste ano. Aliás, esse foi um dos poucos pontos acordados e não violados por Maduro. Os demais, sobretudo o fim da perseguição política às candidaturas opositoras e à participação de observadores internacionais independentes, foram ignorados.

O retorno da Venezuela a contextos prévios sugere a existência de um círculo vicioso, que nos leva a perguntar: como interrompê-lo? A história mais recente das transições políticas na América Latina propõe que a democratização na Venezuela pode seguir um modelo de transição top-down (ou pactuada). Nesse modelo, as elites políticas, geralmente, militares e oposição civil, entram em uma negociação para alcançar um pacto de governabilidade democrático.

Países como a Argentina, Brasil, Chile e Uruguai são considerados exemplos de democratização pactuada. Nesse processo, há inicialmente a devolução de liberdades cívicas e a tentativa de criar benefícios políticos para todas as partes envolvidas na negociação, inclusive para os membros da ditadura.

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A alternativa a esse modelo é a transição do tipo bottom-up, que se aplica a Portugal e países do Leste Europeu. Nesses países, protestos massivos tiveram um “efeito cascata”, levando ao colapso do regime. Porém, o que distancia a Venezuela do modelo bottom-up é a falta de um histórico de mobilização das massas por parte de uma oposição que optou por infrutíferos boicotes a várias eleições. Outra possibilidade de uma transição por via das massas poderia ocorrer com a adesão de parte dos militares, especialmente, os de baixa patente, aos protestos massivos – algo que no momento é improvável.

A atual situação da Venezuela se aproxima, com ressalvas, do modelo de transição top-down, devido a uma ampla negociação entre os distintos grupos para definir o papel de cada um na democracia. Porém, a Venezuela tem algumas particularidades – celebrações frequentes de eleições e a existência de um sistema multipartidário – que a impedem de seguir a exata trajetória de democratização do grupo sul-americano de países de transições pactuadas. Tais particularidades aproximam a Venezuela da transição ocorrida no México em 2001, que colocou fim a uma ditadura de seis décadas.

O regime mexicano foi considerado uma “ditadura perfeita” sob uma autocracia amparada pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI) e sindicatos, que capturou o Estado e reprimiu a população mantendo eleições supostamente livres. A gradual transição mexicana começou nos anos 1980 com um pacto entre o PRI e o opositor Partido de Ação Nacional (PAN). Ambos os partidos celebravam eleições nos Estados e municípios, nas quais o PRI sempre saiu vitorioso em razão de fraudes. A oposição gradualmente obteve mais votos nas sucessivas eleições, e conseguiu pôr fim ao regime autoritário no pleito de 2000 com a vitória do presidente Vicente Fox. A história da transição no México mostra que repetidas eleições geraram desgastes ao regime autoritário e levou o país a uma lenta democratização.

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Porém, a via mexicana não seria facilmente seguida pela Venezuela. Um dos entraves é a personalização do regime chavista em torno de um único líder, o que levaria a uma transição na Venezuela menos institucionalizada. Outro obstáculo para a democratização venezuelana é a grande disponibilidade de recursos financeiros do petróleo utilizada por Maduro para financiar suas alianças patrimonialistas.

Infelizmente, não há uma receita rápida e simples para democratizar a Venezuela. A oposição deve continuar investindo em processos e instrumentos democráticos, mesmo com o descaso e a violência de Maduro.

*

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DOUTOR EM CIÊNCIAS POLÍTICAS PELO INSTITUTO UNIVERSITÁRIO EUROPEU (ITÁLIA), É PROFESSOR DE PÓS-GRADUAÇÃO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

No dia 28 de julho, as eleições na Venezuela finalizaram com a autodeclaração de vitória do presidente Nicolás Maduro, no poder há 11 anos. Com a fraude eleitoral, Maduro limitou as esperanças da oposição venezuelana de um caminho pacífico do país à democracia.

O atual contexto de crise na Venezuela – contestação dos resultados eleitorais, protestos cívicos massivos e aumento da repressão – é uma repetição do passado. A atualidade na Venezuela é similar ao período de crise institucional vivido pelo país em 2018. Naquele ano, o presidente Maduro fraudou as eleições presidenciais e, como resposta, a oposição que controlava a Assembleia Nacional proclamou Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela.

A disputa entre Maduro e Guaidó pela legitimidade do poder esteve prestes a gerar uma escalada de violência política sem precedentes. Tal temor levou parte da oposição na Assembleia Nacional a votar pelo fim do governo interino de Guaidó e iniciar uma negociação com Maduro para garantir novas eleições presidenciais livres e justas. Essa proposta prevaleceu e culminou no Acordo de Barbados, em outubro de 2023.

O acordo assinado entre oposição e Maduro, e mediado por vários países, incluindo o Brasil, previu a realização de eleições presidenciais em julho deste ano. Aliás, esse foi um dos poucos pontos acordados e não violados por Maduro. Os demais, sobretudo o fim da perseguição política às candidaturas opositoras e à participação de observadores internacionais independentes, foram ignorados.

O retorno da Venezuela a contextos prévios sugere a existência de um círculo vicioso, que nos leva a perguntar: como interrompê-lo? A história mais recente das transições políticas na América Latina propõe que a democratização na Venezuela pode seguir um modelo de transição top-down (ou pactuada). Nesse modelo, as elites políticas, geralmente, militares e oposição civil, entram em uma negociação para alcançar um pacto de governabilidade democrático.

Países como a Argentina, Brasil, Chile e Uruguai são considerados exemplos de democratização pactuada. Nesse processo, há inicialmente a devolução de liberdades cívicas e a tentativa de criar benefícios políticos para todas as partes envolvidas na negociação, inclusive para os membros da ditadura.

A alternativa a esse modelo é a transição do tipo bottom-up, que se aplica a Portugal e países do Leste Europeu. Nesses países, protestos massivos tiveram um “efeito cascata”, levando ao colapso do regime. Porém, o que distancia a Venezuela do modelo bottom-up é a falta de um histórico de mobilização das massas por parte de uma oposição que optou por infrutíferos boicotes a várias eleições. Outra possibilidade de uma transição por via das massas poderia ocorrer com a adesão de parte dos militares, especialmente, os de baixa patente, aos protestos massivos – algo que no momento é improvável.

A atual situação da Venezuela se aproxima, com ressalvas, do modelo de transição top-down, devido a uma ampla negociação entre os distintos grupos para definir o papel de cada um na democracia. Porém, a Venezuela tem algumas particularidades – celebrações frequentes de eleições e a existência de um sistema multipartidário – que a impedem de seguir a exata trajetória de democratização do grupo sul-americano de países de transições pactuadas. Tais particularidades aproximam a Venezuela da transição ocorrida no México em 2001, que colocou fim a uma ditadura de seis décadas.

O regime mexicano foi considerado uma “ditadura perfeita” sob uma autocracia amparada pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI) e sindicatos, que capturou o Estado e reprimiu a população mantendo eleições supostamente livres. A gradual transição mexicana começou nos anos 1980 com um pacto entre o PRI e o opositor Partido de Ação Nacional (PAN). Ambos os partidos celebravam eleições nos Estados e municípios, nas quais o PRI sempre saiu vitorioso em razão de fraudes. A oposição gradualmente obteve mais votos nas sucessivas eleições, e conseguiu pôr fim ao regime autoritário no pleito de 2000 com a vitória do presidente Vicente Fox. A história da transição no México mostra que repetidas eleições geraram desgastes ao regime autoritário e levou o país a uma lenta democratização.

Porém, a via mexicana não seria facilmente seguida pela Venezuela. Um dos entraves é a personalização do regime chavista em torno de um único líder, o que levaria a uma transição na Venezuela menos institucionalizada. Outro obstáculo para a democratização venezuelana é a grande disponibilidade de recursos financeiros do petróleo utilizada por Maduro para financiar suas alianças patrimonialistas.

Infelizmente, não há uma receita rápida e simples para democratizar a Venezuela. A oposição deve continuar investindo em processos e instrumentos democráticos, mesmo com o descaso e a violência de Maduro.

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DOUTOR EM CIÊNCIAS POLÍTICAS PELO INSTITUTO UNIVERSITÁRIO EUROPEU (ITÁLIA), É PROFESSOR DE PÓS-GRADUAÇÃO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

No dia 28 de julho, as eleições na Venezuela finalizaram com a autodeclaração de vitória do presidente Nicolás Maduro, no poder há 11 anos. Com a fraude eleitoral, Maduro limitou as esperanças da oposição venezuelana de um caminho pacífico do país à democracia.

O atual contexto de crise na Venezuela – contestação dos resultados eleitorais, protestos cívicos massivos e aumento da repressão – é uma repetição do passado. A atualidade na Venezuela é similar ao período de crise institucional vivido pelo país em 2018. Naquele ano, o presidente Maduro fraudou as eleições presidenciais e, como resposta, a oposição que controlava a Assembleia Nacional proclamou Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela.

A disputa entre Maduro e Guaidó pela legitimidade do poder esteve prestes a gerar uma escalada de violência política sem precedentes. Tal temor levou parte da oposição na Assembleia Nacional a votar pelo fim do governo interino de Guaidó e iniciar uma negociação com Maduro para garantir novas eleições presidenciais livres e justas. Essa proposta prevaleceu e culminou no Acordo de Barbados, em outubro de 2023.

O acordo assinado entre oposição e Maduro, e mediado por vários países, incluindo o Brasil, previu a realização de eleições presidenciais em julho deste ano. Aliás, esse foi um dos poucos pontos acordados e não violados por Maduro. Os demais, sobretudo o fim da perseguição política às candidaturas opositoras e à participação de observadores internacionais independentes, foram ignorados.

O retorno da Venezuela a contextos prévios sugere a existência de um círculo vicioso, que nos leva a perguntar: como interrompê-lo? A história mais recente das transições políticas na América Latina propõe que a democratização na Venezuela pode seguir um modelo de transição top-down (ou pactuada). Nesse modelo, as elites políticas, geralmente, militares e oposição civil, entram em uma negociação para alcançar um pacto de governabilidade democrático.

Países como a Argentina, Brasil, Chile e Uruguai são considerados exemplos de democratização pactuada. Nesse processo, há inicialmente a devolução de liberdades cívicas e a tentativa de criar benefícios políticos para todas as partes envolvidas na negociação, inclusive para os membros da ditadura.

A alternativa a esse modelo é a transição do tipo bottom-up, que se aplica a Portugal e países do Leste Europeu. Nesses países, protestos massivos tiveram um “efeito cascata”, levando ao colapso do regime. Porém, o que distancia a Venezuela do modelo bottom-up é a falta de um histórico de mobilização das massas por parte de uma oposição que optou por infrutíferos boicotes a várias eleições. Outra possibilidade de uma transição por via das massas poderia ocorrer com a adesão de parte dos militares, especialmente, os de baixa patente, aos protestos massivos – algo que no momento é improvável.

A atual situação da Venezuela se aproxima, com ressalvas, do modelo de transição top-down, devido a uma ampla negociação entre os distintos grupos para definir o papel de cada um na democracia. Porém, a Venezuela tem algumas particularidades – celebrações frequentes de eleições e a existência de um sistema multipartidário – que a impedem de seguir a exata trajetória de democratização do grupo sul-americano de países de transições pactuadas. Tais particularidades aproximam a Venezuela da transição ocorrida no México em 2001, que colocou fim a uma ditadura de seis décadas.

O regime mexicano foi considerado uma “ditadura perfeita” sob uma autocracia amparada pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI) e sindicatos, que capturou o Estado e reprimiu a população mantendo eleições supostamente livres. A gradual transição mexicana começou nos anos 1980 com um pacto entre o PRI e o opositor Partido de Ação Nacional (PAN). Ambos os partidos celebravam eleições nos Estados e municípios, nas quais o PRI sempre saiu vitorioso em razão de fraudes. A oposição gradualmente obteve mais votos nas sucessivas eleições, e conseguiu pôr fim ao regime autoritário no pleito de 2000 com a vitória do presidente Vicente Fox. A história da transição no México mostra que repetidas eleições geraram desgastes ao regime autoritário e levou o país a uma lenta democratização.

Porém, a via mexicana não seria facilmente seguida pela Venezuela. Um dos entraves é a personalização do regime chavista em torno de um único líder, o que levaria a uma transição na Venezuela menos institucionalizada. Outro obstáculo para a democratização venezuelana é a grande disponibilidade de recursos financeiros do petróleo utilizada por Maduro para financiar suas alianças patrimonialistas.

Infelizmente, não há uma receita rápida e simples para democratizar a Venezuela. A oposição deve continuar investindo em processos e instrumentos democráticos, mesmo com o descaso e a violência de Maduro.

*

DOUTOR EM CIÊNCIAS POLÍTICAS PELO INSTITUTO UNIVERSITÁRIO EUROPEU (ITÁLIA), É PROFESSOR DE PÓS-GRADUAÇÃO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Opinião por Helder Ferreira do Vale

Doutor em Ciências Políticas pelo Instituto Universitário Europeu (Itália), é professor de pós-graduação de Relações Internacionais na Universidade Federal da Bahia

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