Quando se afirma que o Brasil não pode adotar o parlamentarismo porque não tem partidos políticos, mas meras agremiações de interesses variados e pessoais, sem ideologias definidas, respondo que o Brasil não tem partidos políticos porque não adotou o parlamentarismo, em que poucos e sólidos partidos com nítidas conotações ideológicas conformam suas estruturas.
Muitos dos sistemas parlamentares adotam o voto em lista e distrital misto, pois seus políticos fazem primeiro carreira no partido e, em função de seu trabalho, afinidade ideológica e fidelidade à linha partidária, têm seu nome submetido nas listas apresentadas, quando não são líderes distritais reconhecidos.
O voto em lista é próprio dos sistemas parlamentares de governo, em que são poucos e com claríssima linha de atuação política os partidos e a fidelidade partidária é mera decorrência natural do sistema.
O presidencialismo brasileiro é um festival de interesses pessoais e de partidos, sem linhas ideológicas praticadas, pois sempre que há coligações tais linhas são pisoteadas em todos os Estados brasileiros, não poucas vezes ocorrendo a união numa coligação de esquerda e direita, em função, não da ideologia partidária, mas dos interesses imediatos naquele Estado ou município.
Por isso proliferam os partidos – são 35 e 58 em formação –, todos eles recebendo Fundo Partidário e negociando “segundos eleitorais” nas televisões e rádios, numa verdadeira banca de negócios que macula a nossa democracia.
Em reunião da Comissão de Reforma Política da OAB-SP, o ministro Nelson Jobim, um de seus membros, lembrou que há empresas especializadas em obter assinaturas de eleitores para criar partidos, alimentando os inúmeros pedidos de registro de novas agremiações no Tribunal Superior Eleitoral.
Ora, o voto em lista, num sistema presidencial de governo, como no Brasil, seria perpetuar os “donos” dos partidos, muitos deles sem jamais terem passado pelo teste eleitoral, mas que, por terem conseguido o registro de sua agremiação, terminariam encabeçando a respectiva lista.
Por outro lado, a renovação – e o Brasil, após a Operação Lava Jato, terá necessidade de renovar seus quadros políticos – das Casas Legislativas seria praticamente impossível, mesmo com o regime da votação distrital mista, pois todos os que não conseguissem eleger-se ou reeleger-se estariam assegurados no topo da lista. O argumento de que isso reduziria os custos de uma eleição me parece frágil, mormente num país onde as redes sociais e toda espécie de comunicação eletrônica ganharam proporções pouco conhecidas em outros países.
Alguns críticos afirmam que o voto em lista objetiva garantir o foro privilegiado aos que estão envolvidos na Lava Jato. Já tenho escrito que os tribunais em segunda instância ou superiores são compostos por magistrados de longa data atuando na judicatura e, portanto, com maior experiência, o que os torna mais qualificados para julgar políticos e servidores públicos ocupantes de cargos relevantes. Evita-se o risco de um magistrado recém-concursado, ainda sob influência de sua formação acadêmica – hoje e sempre com forte conotação ideológica –, tomar uma decisão precipitada e iníqua contra autoridade no exercício de alta função administrativa ou política, em prejuízo do País.
De qualquer forma, o que se discute não são as virtudes ou os defeitos do foro privilegiado, mas sim que o projeto objetivaria garantir, tanto para parcela considerável do Congresso como para outros políticos, o foro privilegiado. Sabendo-se da sobrecarga de trabalho que os tribunais superiores estão sendo obrigados a suportar por força do triste desventramento do nível de corrupção do País, tal fato representaria necessariamente longa duração do processo.
O voto em lista, que afasta o direito do cidadão de escolher o candidato que deseja, num sistema presidencial, não merece acolhida e o povo tem de se manifestar em oposição a ele. A sua adoção equivaleria a perpetuação nas Casas Legislativas, que necessitam de renovação parlamentar, confirmando os donos dos partidos, que nunca concorreram a eleição alguma. É como se um restaurante oferecesse cardápios dizendo que não caberia ao consumidor escolher seu prato, mas exclusivamente ao próprio maître.
Embora seja favorável a um parlamentarismo mitigado para o Brasil – com eleição direta do presidente, com funções de chefe de Estado e de direção das Forças Armadas e forças de segurança; primeiro-ministro indicado pelo Congresso, com funções de gestão e de governo; inclusão no sistema da possibilidade de dissolução do Congresso e nova consulta popular, se o Legislativo mostrasse instabilidade, algo a ser discutido futuramente –, no momento creio que a adoção de cláusula de barreira para criação de partidos, a eliminação de coligações partidárias e financiamentos público e privado de campanha, sob rígida fiscalização, voto distrital misto e proporcional, seriam medidas que já representariam um avanço considerável.
A Comissão de Reforma Política da OAB-SP, por unanimidade, entre seus 12 fundamentos para rejeição do voto em lista, lembrou que: “5 – O voto em lista fechada, segundo estudos apresentados pela Universidade de Yale (Jana Kunicova/Susan Rose-Ackerman), está associado aos mais altos níveis de corrupção. Não é, portanto, condizente com o Presidencialismo de coalizão existente no Brasil. 6 – No mundo, apenas 28 países adotam o sistema de lista fechada, dos quais uma minoria adota o sistema presidencialista. 8 – A lista fechada acaba por se converter em impessoalidade dos candidatos para o eleitor, que se hoje já tem dificuldade de se reconhecer representado no Congresso Nacional, não mais encontrará vínculos com os detentores de cargos eletivos.”
Neste contexto, tal tipo de voto deve ser repudiado.
* PRESIDENTE DA COMISSÃO DE REFORMA POLÍTICA DA OAB-SP