Opinião|Yom Kippur 1973: 50 anos depois


Hoje, sem justificativa razoável, Israel está prestes a um colapso que nem Egito e Síria conseguiram causar quando o atacaram no seu dia mais santo

Por João Koatz Miragaya
Atualização:

“Quando nos conceberam com amor / No inverno de 1973 / Queriam preencher com seus corpos / O que a guerra esvaziou”

Os versos acima pertencem à canção Inverno de 73, escrita por Shmuel Hasfari. Trata-se de um monólogo de jovens, nascidos no baby-boom após a Guerra de Yom Kippur (1973), que estariam se alistando no exército nos anos 1990. A canção foi apresentada pela primeira vez em 1994, por soldados integrantes da banda militar Educação Especial. O refrão dizia: “Vocês prometeram uma pomba / Um ramo de oliveira / Vocês prometeram a paz em casa / Vocês prometeram primaveras e flores / Vocês prometeram cumprir as promessas / Vocês prometeram uma pomba”.

É clara a relação queixosa e de decepção dos jovens soldados com seus progenitores, tão confiantes num futuro de paz, que lhes prometiam que não seria necessário alistar-se no exército. Pudera. A Guerra de Yom Kippur, possivelmente o evento mais traumático da história do Estado de Israel, que completa 50 anos hoje, foi sucedida por um surpreendente acordo de paz com o Egito, e a esperança por dias melhores. O otimismo imperava no fim da década de 1970, quando aquelas crianças cresciam num jovem país em pós-trauma e em negação.

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Sim, em negação. A paz com o Egito foi um evento sem precedentes, alterando a conjuntura do Oriente Médio dali em diante. No entanto, apenas três anos após os famosos acordos de Camp David, eclodiu outra guerra, igualmente traumática, em terras libanesas. E míseros quatro anos depois, a Primeira Intifada, contexto no qual os baby-boomers se alistavam nas forças armadas. A sonhada e prometida paz nunca veio, ainda que outros acordos fossem assinados com o passar dos anos.

Em 1967, o Estado de Israel alterou sua posição na geopolítica do Oriente Médio: saiu de um lugar de fragilidade e temor pelo seu extermínio para o de potência econômica e militar regional, que impunha medo e respeito a seus inimigos. A Guerra dos Seis Dias (1967), na qual o Estado judeu quadriplicou seu tamanho e aniquilou os exércitos de seus três inimigos em apenas seis dias, impulsionou seu crescimento como nunca antes visto. A galope, no entanto, somou-se um isolamento total, uma arrogância por ventura cruel com relação a seus vizinhos. Eram, agora, os líderes israelenses que recusavam negociar a paz com seus vizinhos, e não tinham nenhuma pressa – ou interesse – em resolver a questão palestina.

“General Rabin, estou entediado. O que podemos fazer para afastar a monotonia? – Talvez conquistar algum país árabe – respondeu. – E o que faríamos à tarde?” Essa era uma das anedotas do contexto pós-1967, que evidencia o pedestal no qual subiram os líderes sionistas. Quando, às vésperas da Guerra de Yom Kippur, a primeira-ministra Golda Meir e o ministro da Defesa Moshe Dayan foram informados sobre a intensa movimentação de tropas sírias e egípcias nas fronteiras, nenhum dos dois acreditou que os árabes se atreveriam a atacar Israel novamente. Segundo o filósofo e historiador israelense Micah Goodman, este foi o erro de compreensão da liderança israelense. Em suas mentes, Síria e Egito não entrariam numa guerra na qual sua derrota militar seria mais do que certa. O que não levaram em conta, talvez por estarem envolvidos em sua concepção soberba sobre vitória e derrota, é que o principal objetivo dos sírios e egípcios talvez não fosse exatamente uma reconquista de seus territórios usurpados por Israel em 1967 por meios militares, mas a sua desestabilização social, política e diplomática por meio da guerra.

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O temor de uma derrota que decretaria o fim do Estado judeu gerou um trauma social que até hoje está presente na memória coletiva do país. A vitória militar gerou muitas baixas. O governo foi derrubado em poucos meses e houve uma reviravolta política menos de quatro anos depois. Israel foi isolado dos países do sul global, o sionismo foi considerado racismo na Resolução 3.379 da ONU, em 1975. Veio, também, uma crise econômica, que gerou uma hiperinflação resolvida somente dez anos depois.

Mas o confronto também resultou na paz com o maior inimigo israelense até então. O Egito havia travado nada menos que cinco guerras contra Israel até 1979, quando foi assinado o acordo de paz.

Meio século após aquele evento traumático, Israel passou por ciclos de esperança e isolamento. Normalmente, o isolamento traz crise, acentua a violência interna e assume posições apocalípticas. O país vive justamente hoje um momento destes: a ausência de esperança levou os israelenses ao governo mais extremista da sua história, que encaminha o país à maior ruptura social já vista por meio de uma reforma judicial a fim de minar a democracia. Sem justificativa razoável, Israel está prestes a um colapso que nem Egito e Síria conseguiram causar quando o atacaram no seu dia mais santo. Que haja esperança e otimismo para que promessas genuínas sejam feitas às crianças do inverno de 2023.

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HISTORIADOR, COLABORADOR DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL, VIVE EM ISRAEL DESDE 2009

“Quando nos conceberam com amor / No inverno de 1973 / Queriam preencher com seus corpos / O que a guerra esvaziou”

Os versos acima pertencem à canção Inverno de 73, escrita por Shmuel Hasfari. Trata-se de um monólogo de jovens, nascidos no baby-boom após a Guerra de Yom Kippur (1973), que estariam se alistando no exército nos anos 1990. A canção foi apresentada pela primeira vez em 1994, por soldados integrantes da banda militar Educação Especial. O refrão dizia: “Vocês prometeram uma pomba / Um ramo de oliveira / Vocês prometeram a paz em casa / Vocês prometeram primaveras e flores / Vocês prometeram cumprir as promessas / Vocês prometeram uma pomba”.

É clara a relação queixosa e de decepção dos jovens soldados com seus progenitores, tão confiantes num futuro de paz, que lhes prometiam que não seria necessário alistar-se no exército. Pudera. A Guerra de Yom Kippur, possivelmente o evento mais traumático da história do Estado de Israel, que completa 50 anos hoje, foi sucedida por um surpreendente acordo de paz com o Egito, e a esperança por dias melhores. O otimismo imperava no fim da década de 1970, quando aquelas crianças cresciam num jovem país em pós-trauma e em negação.

Sim, em negação. A paz com o Egito foi um evento sem precedentes, alterando a conjuntura do Oriente Médio dali em diante. No entanto, apenas três anos após os famosos acordos de Camp David, eclodiu outra guerra, igualmente traumática, em terras libanesas. E míseros quatro anos depois, a Primeira Intifada, contexto no qual os baby-boomers se alistavam nas forças armadas. A sonhada e prometida paz nunca veio, ainda que outros acordos fossem assinados com o passar dos anos.

Em 1967, o Estado de Israel alterou sua posição na geopolítica do Oriente Médio: saiu de um lugar de fragilidade e temor pelo seu extermínio para o de potência econômica e militar regional, que impunha medo e respeito a seus inimigos. A Guerra dos Seis Dias (1967), na qual o Estado judeu quadriplicou seu tamanho e aniquilou os exércitos de seus três inimigos em apenas seis dias, impulsionou seu crescimento como nunca antes visto. A galope, no entanto, somou-se um isolamento total, uma arrogância por ventura cruel com relação a seus vizinhos. Eram, agora, os líderes israelenses que recusavam negociar a paz com seus vizinhos, e não tinham nenhuma pressa – ou interesse – em resolver a questão palestina.

“General Rabin, estou entediado. O que podemos fazer para afastar a monotonia? – Talvez conquistar algum país árabe – respondeu. – E o que faríamos à tarde?” Essa era uma das anedotas do contexto pós-1967, que evidencia o pedestal no qual subiram os líderes sionistas. Quando, às vésperas da Guerra de Yom Kippur, a primeira-ministra Golda Meir e o ministro da Defesa Moshe Dayan foram informados sobre a intensa movimentação de tropas sírias e egípcias nas fronteiras, nenhum dos dois acreditou que os árabes se atreveriam a atacar Israel novamente. Segundo o filósofo e historiador israelense Micah Goodman, este foi o erro de compreensão da liderança israelense. Em suas mentes, Síria e Egito não entrariam numa guerra na qual sua derrota militar seria mais do que certa. O que não levaram em conta, talvez por estarem envolvidos em sua concepção soberba sobre vitória e derrota, é que o principal objetivo dos sírios e egípcios talvez não fosse exatamente uma reconquista de seus territórios usurpados por Israel em 1967 por meios militares, mas a sua desestabilização social, política e diplomática por meio da guerra.

O temor de uma derrota que decretaria o fim do Estado judeu gerou um trauma social que até hoje está presente na memória coletiva do país. A vitória militar gerou muitas baixas. O governo foi derrubado em poucos meses e houve uma reviravolta política menos de quatro anos depois. Israel foi isolado dos países do sul global, o sionismo foi considerado racismo na Resolução 3.379 da ONU, em 1975. Veio, também, uma crise econômica, que gerou uma hiperinflação resolvida somente dez anos depois.

Mas o confronto também resultou na paz com o maior inimigo israelense até então. O Egito havia travado nada menos que cinco guerras contra Israel até 1979, quando foi assinado o acordo de paz.

Meio século após aquele evento traumático, Israel passou por ciclos de esperança e isolamento. Normalmente, o isolamento traz crise, acentua a violência interna e assume posições apocalípticas. O país vive justamente hoje um momento destes: a ausência de esperança levou os israelenses ao governo mais extremista da sua história, que encaminha o país à maior ruptura social já vista por meio de uma reforma judicial a fim de minar a democracia. Sem justificativa razoável, Israel está prestes a um colapso que nem Egito e Síria conseguiram causar quando o atacaram no seu dia mais santo. Que haja esperança e otimismo para que promessas genuínas sejam feitas às crianças do inverno de 2023.

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HISTORIADOR, COLABORADOR DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL, VIVE EM ISRAEL DESDE 2009

“Quando nos conceberam com amor / No inverno de 1973 / Queriam preencher com seus corpos / O que a guerra esvaziou”

Os versos acima pertencem à canção Inverno de 73, escrita por Shmuel Hasfari. Trata-se de um monólogo de jovens, nascidos no baby-boom após a Guerra de Yom Kippur (1973), que estariam se alistando no exército nos anos 1990. A canção foi apresentada pela primeira vez em 1994, por soldados integrantes da banda militar Educação Especial. O refrão dizia: “Vocês prometeram uma pomba / Um ramo de oliveira / Vocês prometeram a paz em casa / Vocês prometeram primaveras e flores / Vocês prometeram cumprir as promessas / Vocês prometeram uma pomba”.

É clara a relação queixosa e de decepção dos jovens soldados com seus progenitores, tão confiantes num futuro de paz, que lhes prometiam que não seria necessário alistar-se no exército. Pudera. A Guerra de Yom Kippur, possivelmente o evento mais traumático da história do Estado de Israel, que completa 50 anos hoje, foi sucedida por um surpreendente acordo de paz com o Egito, e a esperança por dias melhores. O otimismo imperava no fim da década de 1970, quando aquelas crianças cresciam num jovem país em pós-trauma e em negação.

Sim, em negação. A paz com o Egito foi um evento sem precedentes, alterando a conjuntura do Oriente Médio dali em diante. No entanto, apenas três anos após os famosos acordos de Camp David, eclodiu outra guerra, igualmente traumática, em terras libanesas. E míseros quatro anos depois, a Primeira Intifada, contexto no qual os baby-boomers se alistavam nas forças armadas. A sonhada e prometida paz nunca veio, ainda que outros acordos fossem assinados com o passar dos anos.

Em 1967, o Estado de Israel alterou sua posição na geopolítica do Oriente Médio: saiu de um lugar de fragilidade e temor pelo seu extermínio para o de potência econômica e militar regional, que impunha medo e respeito a seus inimigos. A Guerra dos Seis Dias (1967), na qual o Estado judeu quadriplicou seu tamanho e aniquilou os exércitos de seus três inimigos em apenas seis dias, impulsionou seu crescimento como nunca antes visto. A galope, no entanto, somou-se um isolamento total, uma arrogância por ventura cruel com relação a seus vizinhos. Eram, agora, os líderes israelenses que recusavam negociar a paz com seus vizinhos, e não tinham nenhuma pressa – ou interesse – em resolver a questão palestina.

“General Rabin, estou entediado. O que podemos fazer para afastar a monotonia? – Talvez conquistar algum país árabe – respondeu. – E o que faríamos à tarde?” Essa era uma das anedotas do contexto pós-1967, que evidencia o pedestal no qual subiram os líderes sionistas. Quando, às vésperas da Guerra de Yom Kippur, a primeira-ministra Golda Meir e o ministro da Defesa Moshe Dayan foram informados sobre a intensa movimentação de tropas sírias e egípcias nas fronteiras, nenhum dos dois acreditou que os árabes se atreveriam a atacar Israel novamente. Segundo o filósofo e historiador israelense Micah Goodman, este foi o erro de compreensão da liderança israelense. Em suas mentes, Síria e Egito não entrariam numa guerra na qual sua derrota militar seria mais do que certa. O que não levaram em conta, talvez por estarem envolvidos em sua concepção soberba sobre vitória e derrota, é que o principal objetivo dos sírios e egípcios talvez não fosse exatamente uma reconquista de seus territórios usurpados por Israel em 1967 por meios militares, mas a sua desestabilização social, política e diplomática por meio da guerra.

O temor de uma derrota que decretaria o fim do Estado judeu gerou um trauma social que até hoje está presente na memória coletiva do país. A vitória militar gerou muitas baixas. O governo foi derrubado em poucos meses e houve uma reviravolta política menos de quatro anos depois. Israel foi isolado dos países do sul global, o sionismo foi considerado racismo na Resolução 3.379 da ONU, em 1975. Veio, também, uma crise econômica, que gerou uma hiperinflação resolvida somente dez anos depois.

Mas o confronto também resultou na paz com o maior inimigo israelense até então. O Egito havia travado nada menos que cinco guerras contra Israel até 1979, quando foi assinado o acordo de paz.

Meio século após aquele evento traumático, Israel passou por ciclos de esperança e isolamento. Normalmente, o isolamento traz crise, acentua a violência interna e assume posições apocalípticas. O país vive justamente hoje um momento destes: a ausência de esperança levou os israelenses ao governo mais extremista da sua história, que encaminha o país à maior ruptura social já vista por meio de uma reforma judicial a fim de minar a democracia. Sem justificativa razoável, Israel está prestes a um colapso que nem Egito e Síria conseguiram causar quando o atacaram no seu dia mais santo. Que haja esperança e otimismo para que promessas genuínas sejam feitas às crianças do inverno de 2023.

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HISTORIADOR, COLABORADOR DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL, VIVE EM ISRAEL DESDE 2009

“Quando nos conceberam com amor / No inverno de 1973 / Queriam preencher com seus corpos / O que a guerra esvaziou”

Os versos acima pertencem à canção Inverno de 73, escrita por Shmuel Hasfari. Trata-se de um monólogo de jovens, nascidos no baby-boom após a Guerra de Yom Kippur (1973), que estariam se alistando no exército nos anos 1990. A canção foi apresentada pela primeira vez em 1994, por soldados integrantes da banda militar Educação Especial. O refrão dizia: “Vocês prometeram uma pomba / Um ramo de oliveira / Vocês prometeram a paz em casa / Vocês prometeram primaveras e flores / Vocês prometeram cumprir as promessas / Vocês prometeram uma pomba”.

É clara a relação queixosa e de decepção dos jovens soldados com seus progenitores, tão confiantes num futuro de paz, que lhes prometiam que não seria necessário alistar-se no exército. Pudera. A Guerra de Yom Kippur, possivelmente o evento mais traumático da história do Estado de Israel, que completa 50 anos hoje, foi sucedida por um surpreendente acordo de paz com o Egito, e a esperança por dias melhores. O otimismo imperava no fim da década de 1970, quando aquelas crianças cresciam num jovem país em pós-trauma e em negação.

Sim, em negação. A paz com o Egito foi um evento sem precedentes, alterando a conjuntura do Oriente Médio dali em diante. No entanto, apenas três anos após os famosos acordos de Camp David, eclodiu outra guerra, igualmente traumática, em terras libanesas. E míseros quatro anos depois, a Primeira Intifada, contexto no qual os baby-boomers se alistavam nas forças armadas. A sonhada e prometida paz nunca veio, ainda que outros acordos fossem assinados com o passar dos anos.

Em 1967, o Estado de Israel alterou sua posição na geopolítica do Oriente Médio: saiu de um lugar de fragilidade e temor pelo seu extermínio para o de potência econômica e militar regional, que impunha medo e respeito a seus inimigos. A Guerra dos Seis Dias (1967), na qual o Estado judeu quadriplicou seu tamanho e aniquilou os exércitos de seus três inimigos em apenas seis dias, impulsionou seu crescimento como nunca antes visto. A galope, no entanto, somou-se um isolamento total, uma arrogância por ventura cruel com relação a seus vizinhos. Eram, agora, os líderes israelenses que recusavam negociar a paz com seus vizinhos, e não tinham nenhuma pressa – ou interesse – em resolver a questão palestina.

“General Rabin, estou entediado. O que podemos fazer para afastar a monotonia? – Talvez conquistar algum país árabe – respondeu. – E o que faríamos à tarde?” Essa era uma das anedotas do contexto pós-1967, que evidencia o pedestal no qual subiram os líderes sionistas. Quando, às vésperas da Guerra de Yom Kippur, a primeira-ministra Golda Meir e o ministro da Defesa Moshe Dayan foram informados sobre a intensa movimentação de tropas sírias e egípcias nas fronteiras, nenhum dos dois acreditou que os árabes se atreveriam a atacar Israel novamente. Segundo o filósofo e historiador israelense Micah Goodman, este foi o erro de compreensão da liderança israelense. Em suas mentes, Síria e Egito não entrariam numa guerra na qual sua derrota militar seria mais do que certa. O que não levaram em conta, talvez por estarem envolvidos em sua concepção soberba sobre vitória e derrota, é que o principal objetivo dos sírios e egípcios talvez não fosse exatamente uma reconquista de seus territórios usurpados por Israel em 1967 por meios militares, mas a sua desestabilização social, política e diplomática por meio da guerra.

O temor de uma derrota que decretaria o fim do Estado judeu gerou um trauma social que até hoje está presente na memória coletiva do país. A vitória militar gerou muitas baixas. O governo foi derrubado em poucos meses e houve uma reviravolta política menos de quatro anos depois. Israel foi isolado dos países do sul global, o sionismo foi considerado racismo na Resolução 3.379 da ONU, em 1975. Veio, também, uma crise econômica, que gerou uma hiperinflação resolvida somente dez anos depois.

Mas o confronto também resultou na paz com o maior inimigo israelense até então. O Egito havia travado nada menos que cinco guerras contra Israel até 1979, quando foi assinado o acordo de paz.

Meio século após aquele evento traumático, Israel passou por ciclos de esperança e isolamento. Normalmente, o isolamento traz crise, acentua a violência interna e assume posições apocalípticas. O país vive justamente hoje um momento destes: a ausência de esperança levou os israelenses ao governo mais extremista da sua história, que encaminha o país à maior ruptura social já vista por meio de uma reforma judicial a fim de minar a democracia. Sem justificativa razoável, Israel está prestes a um colapso que nem Egito e Síria conseguiram causar quando o atacaram no seu dia mais santo. Que haja esperança e otimismo para que promessas genuínas sejam feitas às crianças do inverno de 2023.

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HISTORIADOR, COLABORADOR DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL, VIVE EM ISRAEL DESDE 2009

“Quando nos conceberam com amor / No inverno de 1973 / Queriam preencher com seus corpos / O que a guerra esvaziou”

Os versos acima pertencem à canção Inverno de 73, escrita por Shmuel Hasfari. Trata-se de um monólogo de jovens, nascidos no baby-boom após a Guerra de Yom Kippur (1973), que estariam se alistando no exército nos anos 1990. A canção foi apresentada pela primeira vez em 1994, por soldados integrantes da banda militar Educação Especial. O refrão dizia: “Vocês prometeram uma pomba / Um ramo de oliveira / Vocês prometeram a paz em casa / Vocês prometeram primaveras e flores / Vocês prometeram cumprir as promessas / Vocês prometeram uma pomba”.

É clara a relação queixosa e de decepção dos jovens soldados com seus progenitores, tão confiantes num futuro de paz, que lhes prometiam que não seria necessário alistar-se no exército. Pudera. A Guerra de Yom Kippur, possivelmente o evento mais traumático da história do Estado de Israel, que completa 50 anos hoje, foi sucedida por um surpreendente acordo de paz com o Egito, e a esperança por dias melhores. O otimismo imperava no fim da década de 1970, quando aquelas crianças cresciam num jovem país em pós-trauma e em negação.

Sim, em negação. A paz com o Egito foi um evento sem precedentes, alterando a conjuntura do Oriente Médio dali em diante. No entanto, apenas três anos após os famosos acordos de Camp David, eclodiu outra guerra, igualmente traumática, em terras libanesas. E míseros quatro anos depois, a Primeira Intifada, contexto no qual os baby-boomers se alistavam nas forças armadas. A sonhada e prometida paz nunca veio, ainda que outros acordos fossem assinados com o passar dos anos.

Em 1967, o Estado de Israel alterou sua posição na geopolítica do Oriente Médio: saiu de um lugar de fragilidade e temor pelo seu extermínio para o de potência econômica e militar regional, que impunha medo e respeito a seus inimigos. A Guerra dos Seis Dias (1967), na qual o Estado judeu quadriplicou seu tamanho e aniquilou os exércitos de seus três inimigos em apenas seis dias, impulsionou seu crescimento como nunca antes visto. A galope, no entanto, somou-se um isolamento total, uma arrogância por ventura cruel com relação a seus vizinhos. Eram, agora, os líderes israelenses que recusavam negociar a paz com seus vizinhos, e não tinham nenhuma pressa – ou interesse – em resolver a questão palestina.

“General Rabin, estou entediado. O que podemos fazer para afastar a monotonia? – Talvez conquistar algum país árabe – respondeu. – E o que faríamos à tarde?” Essa era uma das anedotas do contexto pós-1967, que evidencia o pedestal no qual subiram os líderes sionistas. Quando, às vésperas da Guerra de Yom Kippur, a primeira-ministra Golda Meir e o ministro da Defesa Moshe Dayan foram informados sobre a intensa movimentação de tropas sírias e egípcias nas fronteiras, nenhum dos dois acreditou que os árabes se atreveriam a atacar Israel novamente. Segundo o filósofo e historiador israelense Micah Goodman, este foi o erro de compreensão da liderança israelense. Em suas mentes, Síria e Egito não entrariam numa guerra na qual sua derrota militar seria mais do que certa. O que não levaram em conta, talvez por estarem envolvidos em sua concepção soberba sobre vitória e derrota, é que o principal objetivo dos sírios e egípcios talvez não fosse exatamente uma reconquista de seus territórios usurpados por Israel em 1967 por meios militares, mas a sua desestabilização social, política e diplomática por meio da guerra.

O temor de uma derrota que decretaria o fim do Estado judeu gerou um trauma social que até hoje está presente na memória coletiva do país. A vitória militar gerou muitas baixas. O governo foi derrubado em poucos meses e houve uma reviravolta política menos de quatro anos depois. Israel foi isolado dos países do sul global, o sionismo foi considerado racismo na Resolução 3.379 da ONU, em 1975. Veio, também, uma crise econômica, que gerou uma hiperinflação resolvida somente dez anos depois.

Mas o confronto também resultou na paz com o maior inimigo israelense até então. O Egito havia travado nada menos que cinco guerras contra Israel até 1979, quando foi assinado o acordo de paz.

Meio século após aquele evento traumático, Israel passou por ciclos de esperança e isolamento. Normalmente, o isolamento traz crise, acentua a violência interna e assume posições apocalípticas. O país vive justamente hoje um momento destes: a ausência de esperança levou os israelenses ao governo mais extremista da sua história, que encaminha o país à maior ruptura social já vista por meio de uma reforma judicial a fim de minar a democracia. Sem justificativa razoável, Israel está prestes a um colapso que nem Egito e Síria conseguiram causar quando o atacaram no seu dia mais santo. Que haja esperança e otimismo para que promessas genuínas sejam feitas às crianças do inverno de 2023.

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