Jornalista e professor da ECA-USP, Eugênio Bucci escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Um vilão de 'James Bond' estreia na política


Elon Musk parece um personagem fugido daqueles filmes de antigamente, mas extrapola. Suas ações reais sobrepujam a imaginação de Ian Fleming

Por Eugênio Bucci
Atualização:

O magnetismo dos filmes de James Bond desapareceu na fuligem das estrelas. As pernadas do 007 descansam no passado. O tipo criado por Ian Fleming, que pedia seu dry martini a bordo de um smoking da cor da noite ou de um summer de alta alvura, perdeu o elã.

Não que não tenha sido bom. Era divertido o modo como ele se apresentava para a dama fatal: “Bond, James Bond”. Em dois minutos, os dois se beijariam e em seguida se perderiam entre um salto de paraquedas e um tiro de pistola com silenciador. Só depois de incontáveis piruetas por terra, mar e ar é que o casal teria direito a um happy-end. Caliente. Estávamos no período da guerra fria e o espião que tinha licença para matar nos presenteava com amores escaldantes. O espectador médio daquela época torcia pela manutenção do establishment e vibrava quando James e a namorada se atracavam entre lençóis depois de salvar a humanidade, o planeta, o capitalismo e a dinastia Windsor da destruição completa.

Os vilões, coitados, se despedaçavam e ninguém se compadecia de sua sina. Superempreendedores biliardários sem princípios, os bandidões mobilizavam ciência, força bruta e recursos infindos para sujeitar o mundo inteiro aos seus caprichos – e, no fim, morriam espetacularmente numa explosão atômica sacrossanta. O satânico Dr. No, o não menos satânico Auric Goldfinger e tantos outros saíam perdendo. Subornavam, chantageavam, extorquiam e perdiam. Recrutavam exércitos particulares, manietavam governos e perdiam. Transformavam seu dinheiro em poder e seu poder em opressão – e perdiam de novo. As plateias exultavam. Tomavam partido do mocinho.

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Hoje, as diversões públicas são outras. As massas apressadas mudaram de assunto, deixaram o cinema para lá, preferem se entorpecer com substâncias sintéticas para melhor chacoalhar ao ritmo de pancadões repetitivos (seu mantra não tem palavras, somente estrondos compassados) e votam em autocratas pirados. Quanto à sétima arte, esta sobrevive na condição de excentricidade de intelectuais envelhecidos.

No entanto, a despeito do desprestígio dos velhos blockbusters de 007, algo daquele velho script voltou a marcar presença entre nós: o modelo dos vilões que faziam as vezes de antagonistas do espião saiu das telas e, agora, comparece à chamada “vida real”. Desta vez, com sucesso. Eles vencem e colhem todos os louros de ouro. O espectador médio, que é o eleitor médio, mudou de lado, num cavalo de pau desnorteante.

As plateias de hoje, carregadas de ressentimento porque a democracia não lhes entregou as delícias prometidas, apedrejam o que julgam ser a política oficial. Querem ver o sistema incendiar. Aplaudem de joelhos os magnatas que sabotam a ordem pública. A seus olhos, ganância, prepotência e vaidade são virtudes cívicas. A diversão sádica é o critério da legitimidade. A política foi engolida pelo entretenimento sombrio.

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Você quer um sintoma? Elon Musk. Muito se tem escrito nos jornais para descrever o psiquismo do empresário que saiu da África do Sul para fazer a América. Seu compromisso é com o show performático, não com a coerência. Alguns dizem – com acerto – que ele faz negócios na China e nunca deu um pio sobre a ditadura que existe lá. Na outra ponta, quando se trata do Brasil, o mesmo rapaz alardeia que a nossa democracia é uma ditadura (consta que tem planos de fazer uns negócios esquisitos por aqui). Age assim e leva a melhor. É o influencer dos influencers.

Elon Musk parece um personagem fugido daqueles filmes de antigamente, mas extrapola. Lembra de longe o fictício Gustav Graves, de 007, um novo dia para morrer, que usava o negócio de satélites para assustar países resistentes a suas pretensões maníacas. Tem o physique du role de um antagonista de Sean Connery. As suas ações reais, contudo, sobrepujam a imaginação de Ian Fleming. Dono de um exibicionismo extremista, quer ter supremacia sobre o mundo inteiro e quer as glórias do espetáculo.

Não satisfeito, quer ficar high. Tem prazeres narcísicos em ter poderes narcísicos e, em seu hedonismo consumista, põe a contracultura a serviço do capital. O Wall Street Journal noticiou recentemente que executivos e conselheiros da Space X e da Tesla, duas de suas companhias, andam preocupados com a quantidade de drogas consumidas pelo chefe (LSD, cocaína, ecstasy, cetamina e cogumelos psicodélicos, entre outras). Foi com esse doping corporativo que o sujeito estreou na política brasileira.

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Politiqueiros de segunda, destes que não sabem a diferença entre ficção e realidade (ou entre propaganda e informação, ou entre mentira e verdade), dedicam a Elon Musk uma sabujice despudorada. Afirmam aos brados que o pobrezinho sofre perseguições indizíveis de temíveis funcionários públicos. Veem nele o símbolo universal da liberdade.

Mas, gente do céu, liberdade de quê? De abusar de seu incomensurável poderio econômico para interferir na institucionalidade de um Estado que não é o dele? De ser infantil e truculento de um só golpe (de Estado)? Haja farsa. James Bond, que era um lacaio do império britânico, tinha mais integridade.

*

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JORNALISTA, É PROFESSOR DA ECA-USP

O magnetismo dos filmes de James Bond desapareceu na fuligem das estrelas. As pernadas do 007 descansam no passado. O tipo criado por Ian Fleming, que pedia seu dry martini a bordo de um smoking da cor da noite ou de um summer de alta alvura, perdeu o elã.

Não que não tenha sido bom. Era divertido o modo como ele se apresentava para a dama fatal: “Bond, James Bond”. Em dois minutos, os dois se beijariam e em seguida se perderiam entre um salto de paraquedas e um tiro de pistola com silenciador. Só depois de incontáveis piruetas por terra, mar e ar é que o casal teria direito a um happy-end. Caliente. Estávamos no período da guerra fria e o espião que tinha licença para matar nos presenteava com amores escaldantes. O espectador médio daquela época torcia pela manutenção do establishment e vibrava quando James e a namorada se atracavam entre lençóis depois de salvar a humanidade, o planeta, o capitalismo e a dinastia Windsor da destruição completa.

Os vilões, coitados, se despedaçavam e ninguém se compadecia de sua sina. Superempreendedores biliardários sem princípios, os bandidões mobilizavam ciência, força bruta e recursos infindos para sujeitar o mundo inteiro aos seus caprichos – e, no fim, morriam espetacularmente numa explosão atômica sacrossanta. O satânico Dr. No, o não menos satânico Auric Goldfinger e tantos outros saíam perdendo. Subornavam, chantageavam, extorquiam e perdiam. Recrutavam exércitos particulares, manietavam governos e perdiam. Transformavam seu dinheiro em poder e seu poder em opressão – e perdiam de novo. As plateias exultavam. Tomavam partido do mocinho.

Hoje, as diversões públicas são outras. As massas apressadas mudaram de assunto, deixaram o cinema para lá, preferem se entorpecer com substâncias sintéticas para melhor chacoalhar ao ritmo de pancadões repetitivos (seu mantra não tem palavras, somente estrondos compassados) e votam em autocratas pirados. Quanto à sétima arte, esta sobrevive na condição de excentricidade de intelectuais envelhecidos.

No entanto, a despeito do desprestígio dos velhos blockbusters de 007, algo daquele velho script voltou a marcar presença entre nós: o modelo dos vilões que faziam as vezes de antagonistas do espião saiu das telas e, agora, comparece à chamada “vida real”. Desta vez, com sucesso. Eles vencem e colhem todos os louros de ouro. O espectador médio, que é o eleitor médio, mudou de lado, num cavalo de pau desnorteante.

As plateias de hoje, carregadas de ressentimento porque a democracia não lhes entregou as delícias prometidas, apedrejam o que julgam ser a política oficial. Querem ver o sistema incendiar. Aplaudem de joelhos os magnatas que sabotam a ordem pública. A seus olhos, ganância, prepotência e vaidade são virtudes cívicas. A diversão sádica é o critério da legitimidade. A política foi engolida pelo entretenimento sombrio.

Você quer um sintoma? Elon Musk. Muito se tem escrito nos jornais para descrever o psiquismo do empresário que saiu da África do Sul para fazer a América. Seu compromisso é com o show performático, não com a coerência. Alguns dizem – com acerto – que ele faz negócios na China e nunca deu um pio sobre a ditadura que existe lá. Na outra ponta, quando se trata do Brasil, o mesmo rapaz alardeia que a nossa democracia é uma ditadura (consta que tem planos de fazer uns negócios esquisitos por aqui). Age assim e leva a melhor. É o influencer dos influencers.

Elon Musk parece um personagem fugido daqueles filmes de antigamente, mas extrapola. Lembra de longe o fictício Gustav Graves, de 007, um novo dia para morrer, que usava o negócio de satélites para assustar países resistentes a suas pretensões maníacas. Tem o physique du role de um antagonista de Sean Connery. As suas ações reais, contudo, sobrepujam a imaginação de Ian Fleming. Dono de um exibicionismo extremista, quer ter supremacia sobre o mundo inteiro e quer as glórias do espetáculo.

Não satisfeito, quer ficar high. Tem prazeres narcísicos em ter poderes narcísicos e, em seu hedonismo consumista, põe a contracultura a serviço do capital. O Wall Street Journal noticiou recentemente que executivos e conselheiros da Space X e da Tesla, duas de suas companhias, andam preocupados com a quantidade de drogas consumidas pelo chefe (LSD, cocaína, ecstasy, cetamina e cogumelos psicodélicos, entre outras). Foi com esse doping corporativo que o sujeito estreou na política brasileira.

Politiqueiros de segunda, destes que não sabem a diferença entre ficção e realidade (ou entre propaganda e informação, ou entre mentira e verdade), dedicam a Elon Musk uma sabujice despudorada. Afirmam aos brados que o pobrezinho sofre perseguições indizíveis de temíveis funcionários públicos. Veem nele o símbolo universal da liberdade.

Mas, gente do céu, liberdade de quê? De abusar de seu incomensurável poderio econômico para interferir na institucionalidade de um Estado que não é o dele? De ser infantil e truculento de um só golpe (de Estado)? Haja farsa. James Bond, que era um lacaio do império britânico, tinha mais integridade.

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O magnetismo dos filmes de James Bond desapareceu na fuligem das estrelas. As pernadas do 007 descansam no passado. O tipo criado por Ian Fleming, que pedia seu dry martini a bordo de um smoking da cor da noite ou de um summer de alta alvura, perdeu o elã.

Não que não tenha sido bom. Era divertido o modo como ele se apresentava para a dama fatal: “Bond, James Bond”. Em dois minutos, os dois se beijariam e em seguida se perderiam entre um salto de paraquedas e um tiro de pistola com silenciador. Só depois de incontáveis piruetas por terra, mar e ar é que o casal teria direito a um happy-end. Caliente. Estávamos no período da guerra fria e o espião que tinha licença para matar nos presenteava com amores escaldantes. O espectador médio daquela época torcia pela manutenção do establishment e vibrava quando James e a namorada se atracavam entre lençóis depois de salvar a humanidade, o planeta, o capitalismo e a dinastia Windsor da destruição completa.

Os vilões, coitados, se despedaçavam e ninguém se compadecia de sua sina. Superempreendedores biliardários sem princípios, os bandidões mobilizavam ciência, força bruta e recursos infindos para sujeitar o mundo inteiro aos seus caprichos – e, no fim, morriam espetacularmente numa explosão atômica sacrossanta. O satânico Dr. No, o não menos satânico Auric Goldfinger e tantos outros saíam perdendo. Subornavam, chantageavam, extorquiam e perdiam. Recrutavam exércitos particulares, manietavam governos e perdiam. Transformavam seu dinheiro em poder e seu poder em opressão – e perdiam de novo. As plateias exultavam. Tomavam partido do mocinho.

Hoje, as diversões públicas são outras. As massas apressadas mudaram de assunto, deixaram o cinema para lá, preferem se entorpecer com substâncias sintéticas para melhor chacoalhar ao ritmo de pancadões repetitivos (seu mantra não tem palavras, somente estrondos compassados) e votam em autocratas pirados. Quanto à sétima arte, esta sobrevive na condição de excentricidade de intelectuais envelhecidos.

No entanto, a despeito do desprestígio dos velhos blockbusters de 007, algo daquele velho script voltou a marcar presença entre nós: o modelo dos vilões que faziam as vezes de antagonistas do espião saiu das telas e, agora, comparece à chamada “vida real”. Desta vez, com sucesso. Eles vencem e colhem todos os louros de ouro. O espectador médio, que é o eleitor médio, mudou de lado, num cavalo de pau desnorteante.

As plateias de hoje, carregadas de ressentimento porque a democracia não lhes entregou as delícias prometidas, apedrejam o que julgam ser a política oficial. Querem ver o sistema incendiar. Aplaudem de joelhos os magnatas que sabotam a ordem pública. A seus olhos, ganância, prepotência e vaidade são virtudes cívicas. A diversão sádica é o critério da legitimidade. A política foi engolida pelo entretenimento sombrio.

Você quer um sintoma? Elon Musk. Muito se tem escrito nos jornais para descrever o psiquismo do empresário que saiu da África do Sul para fazer a América. Seu compromisso é com o show performático, não com a coerência. Alguns dizem – com acerto – que ele faz negócios na China e nunca deu um pio sobre a ditadura que existe lá. Na outra ponta, quando se trata do Brasil, o mesmo rapaz alardeia que a nossa democracia é uma ditadura (consta que tem planos de fazer uns negócios esquisitos por aqui). Age assim e leva a melhor. É o influencer dos influencers.

Elon Musk parece um personagem fugido daqueles filmes de antigamente, mas extrapola. Lembra de longe o fictício Gustav Graves, de 007, um novo dia para morrer, que usava o negócio de satélites para assustar países resistentes a suas pretensões maníacas. Tem o physique du role de um antagonista de Sean Connery. As suas ações reais, contudo, sobrepujam a imaginação de Ian Fleming. Dono de um exibicionismo extremista, quer ter supremacia sobre o mundo inteiro e quer as glórias do espetáculo.

Não satisfeito, quer ficar high. Tem prazeres narcísicos em ter poderes narcísicos e, em seu hedonismo consumista, põe a contracultura a serviço do capital. O Wall Street Journal noticiou recentemente que executivos e conselheiros da Space X e da Tesla, duas de suas companhias, andam preocupados com a quantidade de drogas consumidas pelo chefe (LSD, cocaína, ecstasy, cetamina e cogumelos psicodélicos, entre outras). Foi com esse doping corporativo que o sujeito estreou na política brasileira.

Politiqueiros de segunda, destes que não sabem a diferença entre ficção e realidade (ou entre propaganda e informação, ou entre mentira e verdade), dedicam a Elon Musk uma sabujice despudorada. Afirmam aos brados que o pobrezinho sofre perseguições indizíveis de temíveis funcionários públicos. Veem nele o símbolo universal da liberdade.

Mas, gente do céu, liberdade de quê? De abusar de seu incomensurável poderio econômico para interferir na institucionalidade de um Estado que não é o dele? De ser infantil e truculento de um só golpe (de Estado)? Haja farsa. James Bond, que era um lacaio do império britânico, tinha mais integridade.

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JORNALISTA, É PROFESSOR DA ECA-USP

O magnetismo dos filmes de James Bond desapareceu na fuligem das estrelas. As pernadas do 007 descansam no passado. O tipo criado por Ian Fleming, que pedia seu dry martini a bordo de um smoking da cor da noite ou de um summer de alta alvura, perdeu o elã.

Não que não tenha sido bom. Era divertido o modo como ele se apresentava para a dama fatal: “Bond, James Bond”. Em dois minutos, os dois se beijariam e em seguida se perderiam entre um salto de paraquedas e um tiro de pistola com silenciador. Só depois de incontáveis piruetas por terra, mar e ar é que o casal teria direito a um happy-end. Caliente. Estávamos no período da guerra fria e o espião que tinha licença para matar nos presenteava com amores escaldantes. O espectador médio daquela época torcia pela manutenção do establishment e vibrava quando James e a namorada se atracavam entre lençóis depois de salvar a humanidade, o planeta, o capitalismo e a dinastia Windsor da destruição completa.

Os vilões, coitados, se despedaçavam e ninguém se compadecia de sua sina. Superempreendedores biliardários sem princípios, os bandidões mobilizavam ciência, força bruta e recursos infindos para sujeitar o mundo inteiro aos seus caprichos – e, no fim, morriam espetacularmente numa explosão atômica sacrossanta. O satânico Dr. No, o não menos satânico Auric Goldfinger e tantos outros saíam perdendo. Subornavam, chantageavam, extorquiam e perdiam. Recrutavam exércitos particulares, manietavam governos e perdiam. Transformavam seu dinheiro em poder e seu poder em opressão – e perdiam de novo. As plateias exultavam. Tomavam partido do mocinho.

Hoje, as diversões públicas são outras. As massas apressadas mudaram de assunto, deixaram o cinema para lá, preferem se entorpecer com substâncias sintéticas para melhor chacoalhar ao ritmo de pancadões repetitivos (seu mantra não tem palavras, somente estrondos compassados) e votam em autocratas pirados. Quanto à sétima arte, esta sobrevive na condição de excentricidade de intelectuais envelhecidos.

No entanto, a despeito do desprestígio dos velhos blockbusters de 007, algo daquele velho script voltou a marcar presença entre nós: o modelo dos vilões que faziam as vezes de antagonistas do espião saiu das telas e, agora, comparece à chamada “vida real”. Desta vez, com sucesso. Eles vencem e colhem todos os louros de ouro. O espectador médio, que é o eleitor médio, mudou de lado, num cavalo de pau desnorteante.

As plateias de hoje, carregadas de ressentimento porque a democracia não lhes entregou as delícias prometidas, apedrejam o que julgam ser a política oficial. Querem ver o sistema incendiar. Aplaudem de joelhos os magnatas que sabotam a ordem pública. A seus olhos, ganância, prepotência e vaidade são virtudes cívicas. A diversão sádica é o critério da legitimidade. A política foi engolida pelo entretenimento sombrio.

Você quer um sintoma? Elon Musk. Muito se tem escrito nos jornais para descrever o psiquismo do empresário que saiu da África do Sul para fazer a América. Seu compromisso é com o show performático, não com a coerência. Alguns dizem – com acerto – que ele faz negócios na China e nunca deu um pio sobre a ditadura que existe lá. Na outra ponta, quando se trata do Brasil, o mesmo rapaz alardeia que a nossa democracia é uma ditadura (consta que tem planos de fazer uns negócios esquisitos por aqui). Age assim e leva a melhor. É o influencer dos influencers.

Elon Musk parece um personagem fugido daqueles filmes de antigamente, mas extrapola. Lembra de longe o fictício Gustav Graves, de 007, um novo dia para morrer, que usava o negócio de satélites para assustar países resistentes a suas pretensões maníacas. Tem o physique du role de um antagonista de Sean Connery. As suas ações reais, contudo, sobrepujam a imaginação de Ian Fleming. Dono de um exibicionismo extremista, quer ter supremacia sobre o mundo inteiro e quer as glórias do espetáculo.

Não satisfeito, quer ficar high. Tem prazeres narcísicos em ter poderes narcísicos e, em seu hedonismo consumista, põe a contracultura a serviço do capital. O Wall Street Journal noticiou recentemente que executivos e conselheiros da Space X e da Tesla, duas de suas companhias, andam preocupados com a quantidade de drogas consumidas pelo chefe (LSD, cocaína, ecstasy, cetamina e cogumelos psicodélicos, entre outras). Foi com esse doping corporativo que o sujeito estreou na política brasileira.

Politiqueiros de segunda, destes que não sabem a diferença entre ficção e realidade (ou entre propaganda e informação, ou entre mentira e verdade), dedicam a Elon Musk uma sabujice despudorada. Afirmam aos brados que o pobrezinho sofre perseguições indizíveis de temíveis funcionários públicos. Veem nele o símbolo universal da liberdade.

Mas, gente do céu, liberdade de quê? De abusar de seu incomensurável poderio econômico para interferir na institucionalidade de um Estado que não é o dele? De ser infantil e truculento de um só golpe (de Estado)? Haja farsa. James Bond, que era um lacaio do império britânico, tinha mais integridade.

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O magnetismo dos filmes de James Bond desapareceu na fuligem das estrelas. As pernadas do 007 descansam no passado. O tipo criado por Ian Fleming, que pedia seu dry martini a bordo de um smoking da cor da noite ou de um summer de alta alvura, perdeu o elã.

Não que não tenha sido bom. Era divertido o modo como ele se apresentava para a dama fatal: “Bond, James Bond”. Em dois minutos, os dois se beijariam e em seguida se perderiam entre um salto de paraquedas e um tiro de pistola com silenciador. Só depois de incontáveis piruetas por terra, mar e ar é que o casal teria direito a um happy-end. Caliente. Estávamos no período da guerra fria e o espião que tinha licença para matar nos presenteava com amores escaldantes. O espectador médio daquela época torcia pela manutenção do establishment e vibrava quando James e a namorada se atracavam entre lençóis depois de salvar a humanidade, o planeta, o capitalismo e a dinastia Windsor da destruição completa.

Os vilões, coitados, se despedaçavam e ninguém se compadecia de sua sina. Superempreendedores biliardários sem princípios, os bandidões mobilizavam ciência, força bruta e recursos infindos para sujeitar o mundo inteiro aos seus caprichos – e, no fim, morriam espetacularmente numa explosão atômica sacrossanta. O satânico Dr. No, o não menos satânico Auric Goldfinger e tantos outros saíam perdendo. Subornavam, chantageavam, extorquiam e perdiam. Recrutavam exércitos particulares, manietavam governos e perdiam. Transformavam seu dinheiro em poder e seu poder em opressão – e perdiam de novo. As plateias exultavam. Tomavam partido do mocinho.

Hoje, as diversões públicas são outras. As massas apressadas mudaram de assunto, deixaram o cinema para lá, preferem se entorpecer com substâncias sintéticas para melhor chacoalhar ao ritmo de pancadões repetitivos (seu mantra não tem palavras, somente estrondos compassados) e votam em autocratas pirados. Quanto à sétima arte, esta sobrevive na condição de excentricidade de intelectuais envelhecidos.

No entanto, a despeito do desprestígio dos velhos blockbusters de 007, algo daquele velho script voltou a marcar presença entre nós: o modelo dos vilões que faziam as vezes de antagonistas do espião saiu das telas e, agora, comparece à chamada “vida real”. Desta vez, com sucesso. Eles vencem e colhem todos os louros de ouro. O espectador médio, que é o eleitor médio, mudou de lado, num cavalo de pau desnorteante.

As plateias de hoje, carregadas de ressentimento porque a democracia não lhes entregou as delícias prometidas, apedrejam o que julgam ser a política oficial. Querem ver o sistema incendiar. Aplaudem de joelhos os magnatas que sabotam a ordem pública. A seus olhos, ganância, prepotência e vaidade são virtudes cívicas. A diversão sádica é o critério da legitimidade. A política foi engolida pelo entretenimento sombrio.

Você quer um sintoma? Elon Musk. Muito se tem escrito nos jornais para descrever o psiquismo do empresário que saiu da África do Sul para fazer a América. Seu compromisso é com o show performático, não com a coerência. Alguns dizem – com acerto – que ele faz negócios na China e nunca deu um pio sobre a ditadura que existe lá. Na outra ponta, quando se trata do Brasil, o mesmo rapaz alardeia que a nossa democracia é uma ditadura (consta que tem planos de fazer uns negócios esquisitos por aqui). Age assim e leva a melhor. É o influencer dos influencers.

Elon Musk parece um personagem fugido daqueles filmes de antigamente, mas extrapola. Lembra de longe o fictício Gustav Graves, de 007, um novo dia para morrer, que usava o negócio de satélites para assustar países resistentes a suas pretensões maníacas. Tem o physique du role de um antagonista de Sean Connery. As suas ações reais, contudo, sobrepujam a imaginação de Ian Fleming. Dono de um exibicionismo extremista, quer ter supremacia sobre o mundo inteiro e quer as glórias do espetáculo.

Não satisfeito, quer ficar high. Tem prazeres narcísicos em ter poderes narcísicos e, em seu hedonismo consumista, põe a contracultura a serviço do capital. O Wall Street Journal noticiou recentemente que executivos e conselheiros da Space X e da Tesla, duas de suas companhias, andam preocupados com a quantidade de drogas consumidas pelo chefe (LSD, cocaína, ecstasy, cetamina e cogumelos psicodélicos, entre outras). Foi com esse doping corporativo que o sujeito estreou na política brasileira.

Politiqueiros de segunda, destes que não sabem a diferença entre ficção e realidade (ou entre propaganda e informação, ou entre mentira e verdade), dedicam a Elon Musk uma sabujice despudorada. Afirmam aos brados que o pobrezinho sofre perseguições indizíveis de temíveis funcionários públicos. Veem nele o símbolo universal da liberdade.

Mas, gente do céu, liberdade de quê? De abusar de seu incomensurável poderio econômico para interferir na institucionalidade de um Estado que não é o dele? De ser infantil e truculento de um só golpe (de Estado)? Haja farsa. James Bond, que era um lacaio do império britânico, tinha mais integridade.

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