A ministra do Planejamento, Simone Tebet, disse que chegou a hora de o governo “levar a sério” a revisão estrutural dos gastos públicos. Em entrevista ao jornal O Globo, Tebet reconheceu que a agenda de recuperação de receitas da equipe econômica chegou a um limite e que o desequilíbrio fiscal do Orçamento não será resolvido somente pela ótica da arrecadação. “Já foi o momento de combater fraudes e erros, agora é hora de fazer revisão estrutural”, afirmou.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu que o problema é premente e precisa ser enfrentado com urgência. Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele disse que medidas criadas com finalidades eleitorais, em especial durante o governo Jair Bolsonaro, se tornaram uma “batata quente” que precisa ser resolvida pela administração atual.
As declarações, ainda que evasivas, trazem um certo alento. Felizmente, há no governo quem avalie as contas públicas de maneira realista. Afinal, o País registra há dez anos um déficit entre receitas e despesas, e, enquanto a arrecadação registrava altos e baixos, os gastos cresciam de maneira consistente e, em muitos anos, acima da inflação.
No entanto, se algo mudou no discurso da equipe econômica, tudo continua rigorosamente igual no governo, e o presidente Lula da Silva não parece convencido de que isso seja um problema. Tebet disse que uma das medidas em avaliação pode abrir um espaço fiscal de até R$ 20 bilhões, mas não revelou seu teor. Reafirmou, no entanto, que há debates interditados pelo presidente, entre os quais mudanças na política de valorização do salário mínimo.
Haddad, por sua vez, defendeu o arcabouço fiscal e as medidas adotadas pelo governo, mas reconheceu que a dívida pública continua a crescer a despeito do dispositivo, e que o mercado financeiro tem razão ao manifestar preocupação com a dinâmica do gasto público “daqui pra frente”.
No pacote a ser apresentado ao presidente Lula da Silva após o segundo turno das eleições municipais, constariam medidas para limitar os supersalários no setor público para fazer valer o teto remuneratório, hoje em R$ 44 mil, mudanças para reduzir despesas com o seguro-desemprego, um novo modelo para diminuir o alcance do abono salarial e a revisão de subsídios que somam quase R$ 600 bilhões, ou 6% do Produto Interno Bruto (PIB).
Não são ideias novas, e muitas já foram aventadas por administrações anteriores e até mesmo por integrantes do governo atual. Algumas têm efeito mais simbólico do que efetivo, como o fim dos supersalários. A diferença é que, agora, Lula da Silva teria um “incentivo” para acatá-las: sua obsessão pela retomada do grau de investimento do País pelas agências de classificação de risco.
A nota foi conquistada em abril de 2008, durante seu segundo mandato presidencial, e perdida em setembro de 2015, na gestão de Dilma Rousseff, dias após o governo enviar ao Congresso uma proposta de Orçamento com déficit primário. Recuperar o grau de investimento seria algo que Lula da Silva gostaria de “entregar” até o fim de seu mandato, em 2026, ao menos segundo a equipe econômica.
Na manhã de ontem, o presidente se reuniu com representantes de bancos privados, que saíram do encontro com a impressão de que Lula da Silva arbitrará a favor de Haddad em temas de natureza fiscal. O problema é que, em público, ele continua a defender medidas que vão no sentido oposto desse discurso.
Em evento no Palácio do Planalto, Lula da Silva reafirmou que alguns gastos, em sua opinião, deveriam ser tratados como investimentos, entre eles as despesas com saúde, educação e políticas sociais, e classificou ainda os salários dos professores como “merreca” – declarações que, por óbvio, valem mais do que qualquer avaliação colhida em reuniões fechadas.
Aparentemente, os ministros Haddad e Tebet terão de se esforçar mais para persuadir o chefe sobre a importância do equilíbrio fiscal. Se nem em discurso o presidente consegue defender essa ideia, fica difícil acreditar que, desta vez, as medidas de redução de gastos serão para valer.