Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, professor do IDP, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e o primeiro diretor executivo da IFI. Felipe Scudeler Salto escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|A bola de ferro no pé da Fazenda


A questão das dívidas dos Estados, da desoneração e das emendas só reforça a percepção de que o Congresso perdeu a mão nas questões fiscais

Por Felipe Salto

A capacidade do Congresso de gerar pautas prejudiciais à dinâmica das contas públicas é espantosa, notadamente em meio ao desafio de recuperação das condições de sustentabilidade da dívida pública.

Está na ordem do dia um projeto que promove verdadeiro calote nas dívidas dos Estados com a União. Na prática, os juros reais seriam reduzidos a zero, tendo como contrapartida a expansão de gastos públicos e a dívida bruta total. Na Warren, estimamos que esse projeto poderia elevar em quase 2,5 pontos porcentuais do PIB as projeções de dívida pública em dez anos.

Em uma segunda frente, a novela da chamada desoneração da folha de pagamentos continua sem solução. O governo havia proposto uma medida de compensação via majoração da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Se as medidas compensatórias apresentadas pelo Senado não fossem suficientes para dar conta da fatura, então a CSLL seria majorada para fazer o serviço. A proposta foi mal recebida e nada veio em seu lugar, a não ser fumaça pura.

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A saber, a desoneração da folha deveria se encerrar neste ano. Desrespeitando os preceitos constitucionais da sustentabilidade fiscal e o artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que obriga à explicitação dos custos de medidas com impacto fiscal, como no caso em tela, o Congresso derrubou o veto presidencial à lei que prorroga a desoneração e espetou o boleto no Tesouro. Pague-se.

O Executivo acionou o Supremo Tribunal Federal (STF). Dentro de uma tentativa de acordo, o STF estipulou prazo para as contas serem apresentadas, acompanhadas das devidas compensações. Quem deve explicações e precisa se mexer para apresentar tais medidas é o Congresso, dado que todas as ações sugeridas pelo Ministério da Fazenda foram refugadas. No meu entendimento, a desoneração da folha teria de ser revertida retroativamente a janeiro de 2024, caso não sejam apresentadas medidas à altura, o que não ocorreu até o momento.

Uma terceira frente preocupante, no Congresso, está nas emendas parlamentares. Agora, tenta-se emplacar a impositividade geral para o naco de cerca de R$ 50 bilhões em recursos públicos destinados às emendas parlamentares. Não bastasse a impositividade aprovada para emendas individuais e de bancada, enquanto os investimentos sucumbem, espremidos cada vez mais no exíguo orçamento discricionário, querem mais. Pretende-se um carimbo geral, em resposta à correta atuação do ministro do STF Flávio Dino nas chamadas “emendas Pix”.

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Para ter claro, o ministro Flávio Dino suspendeu as emendas individuais na modalidade de transferência especial, conhecidas como “emendas Pix”, determinando a devida fiscalização. O dinheiro sai de Brasília direto para os municípios sem qualquer controle. Isso para falar sobre o que é possível ver a olho nu. A verdade é que o Executivo precisa liderar uma proposta de reforma orçamentária, a partir de uma ampla alteração da Lei n.º 4.320, a Lei Geral de Finanças Públicas, que data do governo João Goulart (1964).

A questão das dívidas dos Estados, da desoneração e das emendas só reforça a percepção de que o Congresso perdeu a mão nas questões fiscais. Retrocedeu à idade da pedra lascada, quando deveria pôr a mão na consciência e colaborar com o governo na tarefa hercúlea de recuperar as condições de sustentabilidade da dívida pública, já próxima dos 80% do PIB novamente.

Nas três temáticas, a tônica é a mesma: torrar dinheiro público sem indicar a fonte de recursos para a gastança, sem a devida transparência e ferindo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – Lei Complementar n.º 101, de 2000 – e a própria Constituição.

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Os Estados têm direito de renegociar suas dívidas, mas este é um assunto que, em primeiro lugar, deve ser tratado entre credor e devedor. O lugar geométrico dessas discussões deveria ser o Conselho de Gestão Fiscal, previsto na LRF, há 24 anos, mas nunca tirado do papel. Cada Estado, no grupo dos maiores devedores, tem uma situação singular. Soluções genéricas, que criam um passivo estapafúrdio para o erário, deveriam ser abortadas no nascedouro.

A desoneração da folha, por sua vez, precisa ser tratada à luz dos estudos técnicos disponíveis. Não há um especialista que tenha avaliado o tema para concluir ser positiva a medida. Ela não tem o condão de gerar emprego e renda, como se apregoa. Gera, ao contrário, custos altíssimos e, pior, sem compensação, porque o Congresso não quer ferir susceptibilidades de grupos de interesse. Ora, vão desrespeitar a decisão do Supremo?

Quanto às emendas parlamentares, a direção proposta no Senado é a oposta da que se deveria engendrar após tantos desvarios nessa matéria. É necessário um freio de arrumação, um limite. O rigor na fiscalização e no controle deve ser máximo. A prioridade tem de ser o investimento em infraestrutura, sob critérios regionais e sociais, e não dinheiro voando para lá e para cá, pulverizado em emendas desligadas dos objetivos nacionais.

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A Fazenda, daqui a pouco, não vai mais conseguir andar, tamanho o peso da bola de ferro que o Congresso está amarrando no seu pé.

*

ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN INVESTIMENTOS, EX-SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO, PRIMEIRO DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI, FOI ELEITO ECONOMISTA DO ANO PELA ORDEM DOS ECONOMISTAS DO BRASIL (2023)

A capacidade do Congresso de gerar pautas prejudiciais à dinâmica das contas públicas é espantosa, notadamente em meio ao desafio de recuperação das condições de sustentabilidade da dívida pública.

Está na ordem do dia um projeto que promove verdadeiro calote nas dívidas dos Estados com a União. Na prática, os juros reais seriam reduzidos a zero, tendo como contrapartida a expansão de gastos públicos e a dívida bruta total. Na Warren, estimamos que esse projeto poderia elevar em quase 2,5 pontos porcentuais do PIB as projeções de dívida pública em dez anos.

Em uma segunda frente, a novela da chamada desoneração da folha de pagamentos continua sem solução. O governo havia proposto uma medida de compensação via majoração da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Se as medidas compensatórias apresentadas pelo Senado não fossem suficientes para dar conta da fatura, então a CSLL seria majorada para fazer o serviço. A proposta foi mal recebida e nada veio em seu lugar, a não ser fumaça pura.

A saber, a desoneração da folha deveria se encerrar neste ano. Desrespeitando os preceitos constitucionais da sustentabilidade fiscal e o artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que obriga à explicitação dos custos de medidas com impacto fiscal, como no caso em tela, o Congresso derrubou o veto presidencial à lei que prorroga a desoneração e espetou o boleto no Tesouro. Pague-se.

O Executivo acionou o Supremo Tribunal Federal (STF). Dentro de uma tentativa de acordo, o STF estipulou prazo para as contas serem apresentadas, acompanhadas das devidas compensações. Quem deve explicações e precisa se mexer para apresentar tais medidas é o Congresso, dado que todas as ações sugeridas pelo Ministério da Fazenda foram refugadas. No meu entendimento, a desoneração da folha teria de ser revertida retroativamente a janeiro de 2024, caso não sejam apresentadas medidas à altura, o que não ocorreu até o momento.

Uma terceira frente preocupante, no Congresso, está nas emendas parlamentares. Agora, tenta-se emplacar a impositividade geral para o naco de cerca de R$ 50 bilhões em recursos públicos destinados às emendas parlamentares. Não bastasse a impositividade aprovada para emendas individuais e de bancada, enquanto os investimentos sucumbem, espremidos cada vez mais no exíguo orçamento discricionário, querem mais. Pretende-se um carimbo geral, em resposta à correta atuação do ministro do STF Flávio Dino nas chamadas “emendas Pix”.

Para ter claro, o ministro Flávio Dino suspendeu as emendas individuais na modalidade de transferência especial, conhecidas como “emendas Pix”, determinando a devida fiscalização. O dinheiro sai de Brasília direto para os municípios sem qualquer controle. Isso para falar sobre o que é possível ver a olho nu. A verdade é que o Executivo precisa liderar uma proposta de reforma orçamentária, a partir de uma ampla alteração da Lei n.º 4.320, a Lei Geral de Finanças Públicas, que data do governo João Goulart (1964).

A questão das dívidas dos Estados, da desoneração e das emendas só reforça a percepção de que o Congresso perdeu a mão nas questões fiscais. Retrocedeu à idade da pedra lascada, quando deveria pôr a mão na consciência e colaborar com o governo na tarefa hercúlea de recuperar as condições de sustentabilidade da dívida pública, já próxima dos 80% do PIB novamente.

Nas três temáticas, a tônica é a mesma: torrar dinheiro público sem indicar a fonte de recursos para a gastança, sem a devida transparência e ferindo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – Lei Complementar n.º 101, de 2000 – e a própria Constituição.

Os Estados têm direito de renegociar suas dívidas, mas este é um assunto que, em primeiro lugar, deve ser tratado entre credor e devedor. O lugar geométrico dessas discussões deveria ser o Conselho de Gestão Fiscal, previsto na LRF, há 24 anos, mas nunca tirado do papel. Cada Estado, no grupo dos maiores devedores, tem uma situação singular. Soluções genéricas, que criam um passivo estapafúrdio para o erário, deveriam ser abortadas no nascedouro.

A desoneração da folha, por sua vez, precisa ser tratada à luz dos estudos técnicos disponíveis. Não há um especialista que tenha avaliado o tema para concluir ser positiva a medida. Ela não tem o condão de gerar emprego e renda, como se apregoa. Gera, ao contrário, custos altíssimos e, pior, sem compensação, porque o Congresso não quer ferir susceptibilidades de grupos de interesse. Ora, vão desrespeitar a decisão do Supremo?

Quanto às emendas parlamentares, a direção proposta no Senado é a oposta da que se deveria engendrar após tantos desvarios nessa matéria. É necessário um freio de arrumação, um limite. O rigor na fiscalização e no controle deve ser máximo. A prioridade tem de ser o investimento em infraestrutura, sob critérios regionais e sociais, e não dinheiro voando para lá e para cá, pulverizado em emendas desligadas dos objetivos nacionais.

A Fazenda, daqui a pouco, não vai mais conseguir andar, tamanho o peso da bola de ferro que o Congresso está amarrando no seu pé.

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ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN INVESTIMENTOS, EX-SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO, PRIMEIRO DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI, FOI ELEITO ECONOMISTA DO ANO PELA ORDEM DOS ECONOMISTAS DO BRASIL (2023)

A capacidade do Congresso de gerar pautas prejudiciais à dinâmica das contas públicas é espantosa, notadamente em meio ao desafio de recuperação das condições de sustentabilidade da dívida pública.

Está na ordem do dia um projeto que promove verdadeiro calote nas dívidas dos Estados com a União. Na prática, os juros reais seriam reduzidos a zero, tendo como contrapartida a expansão de gastos públicos e a dívida bruta total. Na Warren, estimamos que esse projeto poderia elevar em quase 2,5 pontos porcentuais do PIB as projeções de dívida pública em dez anos.

Em uma segunda frente, a novela da chamada desoneração da folha de pagamentos continua sem solução. O governo havia proposto uma medida de compensação via majoração da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Se as medidas compensatórias apresentadas pelo Senado não fossem suficientes para dar conta da fatura, então a CSLL seria majorada para fazer o serviço. A proposta foi mal recebida e nada veio em seu lugar, a não ser fumaça pura.

A saber, a desoneração da folha deveria se encerrar neste ano. Desrespeitando os preceitos constitucionais da sustentabilidade fiscal e o artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que obriga à explicitação dos custos de medidas com impacto fiscal, como no caso em tela, o Congresso derrubou o veto presidencial à lei que prorroga a desoneração e espetou o boleto no Tesouro. Pague-se.

O Executivo acionou o Supremo Tribunal Federal (STF). Dentro de uma tentativa de acordo, o STF estipulou prazo para as contas serem apresentadas, acompanhadas das devidas compensações. Quem deve explicações e precisa se mexer para apresentar tais medidas é o Congresso, dado que todas as ações sugeridas pelo Ministério da Fazenda foram refugadas. No meu entendimento, a desoneração da folha teria de ser revertida retroativamente a janeiro de 2024, caso não sejam apresentadas medidas à altura, o que não ocorreu até o momento.

Uma terceira frente preocupante, no Congresso, está nas emendas parlamentares. Agora, tenta-se emplacar a impositividade geral para o naco de cerca de R$ 50 bilhões em recursos públicos destinados às emendas parlamentares. Não bastasse a impositividade aprovada para emendas individuais e de bancada, enquanto os investimentos sucumbem, espremidos cada vez mais no exíguo orçamento discricionário, querem mais. Pretende-se um carimbo geral, em resposta à correta atuação do ministro do STF Flávio Dino nas chamadas “emendas Pix”.

Para ter claro, o ministro Flávio Dino suspendeu as emendas individuais na modalidade de transferência especial, conhecidas como “emendas Pix”, determinando a devida fiscalização. O dinheiro sai de Brasília direto para os municípios sem qualquer controle. Isso para falar sobre o que é possível ver a olho nu. A verdade é que o Executivo precisa liderar uma proposta de reforma orçamentária, a partir de uma ampla alteração da Lei n.º 4.320, a Lei Geral de Finanças Públicas, que data do governo João Goulart (1964).

A questão das dívidas dos Estados, da desoneração e das emendas só reforça a percepção de que o Congresso perdeu a mão nas questões fiscais. Retrocedeu à idade da pedra lascada, quando deveria pôr a mão na consciência e colaborar com o governo na tarefa hercúlea de recuperar as condições de sustentabilidade da dívida pública, já próxima dos 80% do PIB novamente.

Nas três temáticas, a tônica é a mesma: torrar dinheiro público sem indicar a fonte de recursos para a gastança, sem a devida transparência e ferindo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – Lei Complementar n.º 101, de 2000 – e a própria Constituição.

Os Estados têm direito de renegociar suas dívidas, mas este é um assunto que, em primeiro lugar, deve ser tratado entre credor e devedor. O lugar geométrico dessas discussões deveria ser o Conselho de Gestão Fiscal, previsto na LRF, há 24 anos, mas nunca tirado do papel. Cada Estado, no grupo dos maiores devedores, tem uma situação singular. Soluções genéricas, que criam um passivo estapafúrdio para o erário, deveriam ser abortadas no nascedouro.

A desoneração da folha, por sua vez, precisa ser tratada à luz dos estudos técnicos disponíveis. Não há um especialista que tenha avaliado o tema para concluir ser positiva a medida. Ela não tem o condão de gerar emprego e renda, como se apregoa. Gera, ao contrário, custos altíssimos e, pior, sem compensação, porque o Congresso não quer ferir susceptibilidades de grupos de interesse. Ora, vão desrespeitar a decisão do Supremo?

Quanto às emendas parlamentares, a direção proposta no Senado é a oposta da que se deveria engendrar após tantos desvarios nessa matéria. É necessário um freio de arrumação, um limite. O rigor na fiscalização e no controle deve ser máximo. A prioridade tem de ser o investimento em infraestrutura, sob critérios regionais e sociais, e não dinheiro voando para lá e para cá, pulverizado em emendas desligadas dos objetivos nacionais.

A Fazenda, daqui a pouco, não vai mais conseguir andar, tamanho o peso da bola de ferro que o Congresso está amarrando no seu pé.

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ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN INVESTIMENTOS, EX-SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO, PRIMEIRO DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI, FOI ELEITO ECONOMISTA DO ANO PELA ORDEM DOS ECONOMISTAS DO BRASIL (2023)

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