Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, professor do IDP, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e o primeiro diretor executivo da IFI. Felipe Scudeler Salto escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|A economia à espera de Godot


O (futuro) pacote fiscal soa quase tão enigmático quanto o insondável personagem de Beckett. Mas há diferenças essenciais

Por Felipe Salto

Na peça Esperando Godot, de Samuel Beckett, uma dupla espera Godot num esforço quase descomunal, além de confuso. O pacote de cortes de gastos do ministro Fernando Haddad não é Godot, tampouco o mercado financeiro deveria exasperar-se e confundir-se tanto. Cabe ao governo apresentar medidas concretas para reequilibrar as contas públicas.

O compromisso político em torno de uma regra fiscal bastante razoável, o chamado novo arcabouço fiscal, veio no ano passado com a aprovação e promulgação da Lei Complementar n.º 200/2023. O desafio, agora, é providenciar as ações necessárias para que as receitas e as despesas se comportem de acordo com a lei.

Do lado das receitas públicas, o Ministério da Fazenda conseguiu aprovar uma série de ações, no Congresso, incluindo a revisão de um iníquo benefício fiscal baseado no ICMS, antes abatido pelas empresas na hora de apurar o lucro.

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Para ter claro, aquele regime erodia a arrecadação de tributos federais com incidência sobre o resultado das empresas. Formadores de opinião que costumam criticar os chamados gastos tributários exibiram um silêncio ensurdecedor ao não elogiar essa ação. Curioso.

O fato é que a arrecadação está crescendo, nitidamente, bem acima do PIB, quando tomamos o total acumulado de janeiro a outubro e comparamos esse volume de receitas ao observado no mesmo período de 2023. Há receitas, de fato, atípicas, que não se repetirão, mas parte delas tem caráter permanente.

Do lado dos gastos, as tarefas são múltiplas e o cardápio, extenso. O governo terá de escolher, no rol de medidas possíveis e com impacto fiscal relevante, as mais palatáveis. O tempo é curto, no Congresso, até o fim do ano, considerando-se o rito próprio de tramitação de propostas de emenda constitucional ou mesmo de projetos de lei complementar.

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O pacote de cortes de gastos deveria contemplar ajustes em programas como o abono salarial e o seguro-desemprego, mudanças nas regras de indexação e vinculação dos orçamentos da Saúde e da Educação, além de tocar na ferida aberta das emendas parlamentares.

A saber, as emendas parlamentares saíram de controle, definitivamente, processo este coroado pela aprovação de um novo regramento no Congresso Nacional nesses últimos dias.

O Supremo Tribunal Federal (STF) acertou ao bloquear a execução desses gastos, dados os descalabros vistos nessa matéria. Vejamos os próximos capítulos da história. Não custa lembrar que quase 25% das despesas discricionárias (não obrigatórias), hoje, constituem-se de emendas parlamentares.

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Outra frente importante para restabelecer padrões minimamente responsáveis e justos, no Orçamento geral, é atacar os chamados gastos tributários. Eles precisam ser urgentemente limados. Há mais de R$ 540 bilhões em renúncias tributárias estimadas na proposta orçamentária para 2025, ainda em tramitação no Congresso Nacional.

Neles, estão dependurados auxílios setoriais, transferências, subsídios, regimes especiais e toda sorte de programas quase nunca avaliados ou monitorados. Sem mudar tudo isso, vai pelos ares a legitimidade para avançar nas medidas necessárias sobre a parcela ineficiente do gasto social.

Não sejamos ingênuos a ponto de supor espaço para cortes volumosos de renúncias tributárias da noite para o dia. Por outro lado, é possível aproveitar o comando constitucional da Emenda n.º 109/2021, que já estipulara a obrigatoriedade de um plano de revisão dessas renúncias fiscais, para retomar o assunto.

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Não é razoável propalar um programa de contenção do crescimento de gastos sociais, muitos deles de fato ineficientes e insustentáveis, sem, ao mesmo tempo, promover uma mudança nas benesses orçamentárias do “andar de cima”. Há muito por fazer nesse quesito. Somente com abatimentos de despesas médicas no imposto de renda abocanham-se quase três dezenas de bilhões de reais.

A gestão da política fiscal requer escrutínio minucioso de medidas, programas e rubricas orçamentárias.

É importante que se mantenha uma regra geral de resultado primário (receitas menos despesas sem contar os juros da dívida) e outra para o comportamento dos gastos agregados. Mas é igualmente necessária a definição de caminhos específicos para controlar o crescimento do gasto.

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Não adianta estabelecer que a taxa de variação real das despesas será sempre inferior à da arrecadação. É preciso mostrar como os gastos que evoluem acima desse padrão serão ajustados. Isso requer um debate aprofundado de cada regra, legislação, fator condicionante e prática operacional observados nas mais diversas despesas obrigatórias.

O (futuro) pacote fiscal soa quase tão enigmático quanto o insondável Godot. Mas há diferenças essenciais: não há escapatória e a composição do pacote não deveria ser propriamente uma surpresa. Os detalhes, sim, mas não o rumo.

O novo plano de gastos poderá ajudar a amainar os excessos no dólar, nos juros e nas expectativas. Para isso, o governo terá de convencer a si próprio sobre a importância de um programa de ajuste fiscal. Em seguida, batalhar por sua aprovação junto a um Congresso cada vez mais gastador.

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ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN INVESTIMENTOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E ECONOMISTA DO ANO PELA ORDEM DOS ECONOMISTAS DO BRASIL (2023)

Na peça Esperando Godot, de Samuel Beckett, uma dupla espera Godot num esforço quase descomunal, além de confuso. O pacote de cortes de gastos do ministro Fernando Haddad não é Godot, tampouco o mercado financeiro deveria exasperar-se e confundir-se tanto. Cabe ao governo apresentar medidas concretas para reequilibrar as contas públicas.

O compromisso político em torno de uma regra fiscal bastante razoável, o chamado novo arcabouço fiscal, veio no ano passado com a aprovação e promulgação da Lei Complementar n.º 200/2023. O desafio, agora, é providenciar as ações necessárias para que as receitas e as despesas se comportem de acordo com a lei.

Do lado das receitas públicas, o Ministério da Fazenda conseguiu aprovar uma série de ações, no Congresso, incluindo a revisão de um iníquo benefício fiscal baseado no ICMS, antes abatido pelas empresas na hora de apurar o lucro.

Para ter claro, aquele regime erodia a arrecadação de tributos federais com incidência sobre o resultado das empresas. Formadores de opinião que costumam criticar os chamados gastos tributários exibiram um silêncio ensurdecedor ao não elogiar essa ação. Curioso.

O fato é que a arrecadação está crescendo, nitidamente, bem acima do PIB, quando tomamos o total acumulado de janeiro a outubro e comparamos esse volume de receitas ao observado no mesmo período de 2023. Há receitas, de fato, atípicas, que não se repetirão, mas parte delas tem caráter permanente.

Do lado dos gastos, as tarefas são múltiplas e o cardápio, extenso. O governo terá de escolher, no rol de medidas possíveis e com impacto fiscal relevante, as mais palatáveis. O tempo é curto, no Congresso, até o fim do ano, considerando-se o rito próprio de tramitação de propostas de emenda constitucional ou mesmo de projetos de lei complementar.

O pacote de cortes de gastos deveria contemplar ajustes em programas como o abono salarial e o seguro-desemprego, mudanças nas regras de indexação e vinculação dos orçamentos da Saúde e da Educação, além de tocar na ferida aberta das emendas parlamentares.

A saber, as emendas parlamentares saíram de controle, definitivamente, processo este coroado pela aprovação de um novo regramento no Congresso Nacional nesses últimos dias.

O Supremo Tribunal Federal (STF) acertou ao bloquear a execução desses gastos, dados os descalabros vistos nessa matéria. Vejamos os próximos capítulos da história. Não custa lembrar que quase 25% das despesas discricionárias (não obrigatórias), hoje, constituem-se de emendas parlamentares.

Outra frente importante para restabelecer padrões minimamente responsáveis e justos, no Orçamento geral, é atacar os chamados gastos tributários. Eles precisam ser urgentemente limados. Há mais de R$ 540 bilhões em renúncias tributárias estimadas na proposta orçamentária para 2025, ainda em tramitação no Congresso Nacional.

Neles, estão dependurados auxílios setoriais, transferências, subsídios, regimes especiais e toda sorte de programas quase nunca avaliados ou monitorados. Sem mudar tudo isso, vai pelos ares a legitimidade para avançar nas medidas necessárias sobre a parcela ineficiente do gasto social.

Não sejamos ingênuos a ponto de supor espaço para cortes volumosos de renúncias tributárias da noite para o dia. Por outro lado, é possível aproveitar o comando constitucional da Emenda n.º 109/2021, que já estipulara a obrigatoriedade de um plano de revisão dessas renúncias fiscais, para retomar o assunto.

Não é razoável propalar um programa de contenção do crescimento de gastos sociais, muitos deles de fato ineficientes e insustentáveis, sem, ao mesmo tempo, promover uma mudança nas benesses orçamentárias do “andar de cima”. Há muito por fazer nesse quesito. Somente com abatimentos de despesas médicas no imposto de renda abocanham-se quase três dezenas de bilhões de reais.

A gestão da política fiscal requer escrutínio minucioso de medidas, programas e rubricas orçamentárias.

É importante que se mantenha uma regra geral de resultado primário (receitas menos despesas sem contar os juros da dívida) e outra para o comportamento dos gastos agregados. Mas é igualmente necessária a definição de caminhos específicos para controlar o crescimento do gasto.

Não adianta estabelecer que a taxa de variação real das despesas será sempre inferior à da arrecadação. É preciso mostrar como os gastos que evoluem acima desse padrão serão ajustados. Isso requer um debate aprofundado de cada regra, legislação, fator condicionante e prática operacional observados nas mais diversas despesas obrigatórias.

O (futuro) pacote fiscal soa quase tão enigmático quanto o insondável Godot. Mas há diferenças essenciais: não há escapatória e a composição do pacote não deveria ser propriamente uma surpresa. Os detalhes, sim, mas não o rumo.

O novo plano de gastos poderá ajudar a amainar os excessos no dólar, nos juros e nas expectativas. Para isso, o governo terá de convencer a si próprio sobre a importância de um programa de ajuste fiscal. Em seguida, batalhar por sua aprovação junto a um Congresso cada vez mais gastador.

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ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN INVESTIMENTOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E ECONOMISTA DO ANO PELA ORDEM DOS ECONOMISTAS DO BRASIL (2023)

Na peça Esperando Godot, de Samuel Beckett, uma dupla espera Godot num esforço quase descomunal, além de confuso. O pacote de cortes de gastos do ministro Fernando Haddad não é Godot, tampouco o mercado financeiro deveria exasperar-se e confundir-se tanto. Cabe ao governo apresentar medidas concretas para reequilibrar as contas públicas.

O compromisso político em torno de uma regra fiscal bastante razoável, o chamado novo arcabouço fiscal, veio no ano passado com a aprovação e promulgação da Lei Complementar n.º 200/2023. O desafio, agora, é providenciar as ações necessárias para que as receitas e as despesas se comportem de acordo com a lei.

Do lado das receitas públicas, o Ministério da Fazenda conseguiu aprovar uma série de ações, no Congresso, incluindo a revisão de um iníquo benefício fiscal baseado no ICMS, antes abatido pelas empresas na hora de apurar o lucro.

Para ter claro, aquele regime erodia a arrecadação de tributos federais com incidência sobre o resultado das empresas. Formadores de opinião que costumam criticar os chamados gastos tributários exibiram um silêncio ensurdecedor ao não elogiar essa ação. Curioso.

O fato é que a arrecadação está crescendo, nitidamente, bem acima do PIB, quando tomamos o total acumulado de janeiro a outubro e comparamos esse volume de receitas ao observado no mesmo período de 2023. Há receitas, de fato, atípicas, que não se repetirão, mas parte delas tem caráter permanente.

Do lado dos gastos, as tarefas são múltiplas e o cardápio, extenso. O governo terá de escolher, no rol de medidas possíveis e com impacto fiscal relevante, as mais palatáveis. O tempo é curto, no Congresso, até o fim do ano, considerando-se o rito próprio de tramitação de propostas de emenda constitucional ou mesmo de projetos de lei complementar.

O pacote de cortes de gastos deveria contemplar ajustes em programas como o abono salarial e o seguro-desemprego, mudanças nas regras de indexação e vinculação dos orçamentos da Saúde e da Educação, além de tocar na ferida aberta das emendas parlamentares.

A saber, as emendas parlamentares saíram de controle, definitivamente, processo este coroado pela aprovação de um novo regramento no Congresso Nacional nesses últimos dias.

O Supremo Tribunal Federal (STF) acertou ao bloquear a execução desses gastos, dados os descalabros vistos nessa matéria. Vejamos os próximos capítulos da história. Não custa lembrar que quase 25% das despesas discricionárias (não obrigatórias), hoje, constituem-se de emendas parlamentares.

Outra frente importante para restabelecer padrões minimamente responsáveis e justos, no Orçamento geral, é atacar os chamados gastos tributários. Eles precisam ser urgentemente limados. Há mais de R$ 540 bilhões em renúncias tributárias estimadas na proposta orçamentária para 2025, ainda em tramitação no Congresso Nacional.

Neles, estão dependurados auxílios setoriais, transferências, subsídios, regimes especiais e toda sorte de programas quase nunca avaliados ou monitorados. Sem mudar tudo isso, vai pelos ares a legitimidade para avançar nas medidas necessárias sobre a parcela ineficiente do gasto social.

Não sejamos ingênuos a ponto de supor espaço para cortes volumosos de renúncias tributárias da noite para o dia. Por outro lado, é possível aproveitar o comando constitucional da Emenda n.º 109/2021, que já estipulara a obrigatoriedade de um plano de revisão dessas renúncias fiscais, para retomar o assunto.

Não é razoável propalar um programa de contenção do crescimento de gastos sociais, muitos deles de fato ineficientes e insustentáveis, sem, ao mesmo tempo, promover uma mudança nas benesses orçamentárias do “andar de cima”. Há muito por fazer nesse quesito. Somente com abatimentos de despesas médicas no imposto de renda abocanham-se quase três dezenas de bilhões de reais.

A gestão da política fiscal requer escrutínio minucioso de medidas, programas e rubricas orçamentárias.

É importante que se mantenha uma regra geral de resultado primário (receitas menos despesas sem contar os juros da dívida) e outra para o comportamento dos gastos agregados. Mas é igualmente necessária a definição de caminhos específicos para controlar o crescimento do gasto.

Não adianta estabelecer que a taxa de variação real das despesas será sempre inferior à da arrecadação. É preciso mostrar como os gastos que evoluem acima desse padrão serão ajustados. Isso requer um debate aprofundado de cada regra, legislação, fator condicionante e prática operacional observados nas mais diversas despesas obrigatórias.

O (futuro) pacote fiscal soa quase tão enigmático quanto o insondável Godot. Mas há diferenças essenciais: não há escapatória e a composição do pacote não deveria ser propriamente uma surpresa. Os detalhes, sim, mas não o rumo.

O novo plano de gastos poderá ajudar a amainar os excessos no dólar, nos juros e nas expectativas. Para isso, o governo terá de convencer a si próprio sobre a importância de um programa de ajuste fiscal. Em seguida, batalhar por sua aprovação junto a um Congresso cada vez mais gastador.

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ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN INVESTIMENTOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E ECONOMISTA DO ANO PELA ORDEM DOS ECONOMISTAS DO BRASIL (2023)

Na peça Esperando Godot, de Samuel Beckett, uma dupla espera Godot num esforço quase descomunal, além de confuso. O pacote de cortes de gastos do ministro Fernando Haddad não é Godot, tampouco o mercado financeiro deveria exasperar-se e confundir-se tanto. Cabe ao governo apresentar medidas concretas para reequilibrar as contas públicas.

O compromisso político em torno de uma regra fiscal bastante razoável, o chamado novo arcabouço fiscal, veio no ano passado com a aprovação e promulgação da Lei Complementar n.º 200/2023. O desafio, agora, é providenciar as ações necessárias para que as receitas e as despesas se comportem de acordo com a lei.

Do lado das receitas públicas, o Ministério da Fazenda conseguiu aprovar uma série de ações, no Congresso, incluindo a revisão de um iníquo benefício fiscal baseado no ICMS, antes abatido pelas empresas na hora de apurar o lucro.

Para ter claro, aquele regime erodia a arrecadação de tributos federais com incidência sobre o resultado das empresas. Formadores de opinião que costumam criticar os chamados gastos tributários exibiram um silêncio ensurdecedor ao não elogiar essa ação. Curioso.

O fato é que a arrecadação está crescendo, nitidamente, bem acima do PIB, quando tomamos o total acumulado de janeiro a outubro e comparamos esse volume de receitas ao observado no mesmo período de 2023. Há receitas, de fato, atípicas, que não se repetirão, mas parte delas tem caráter permanente.

Do lado dos gastos, as tarefas são múltiplas e o cardápio, extenso. O governo terá de escolher, no rol de medidas possíveis e com impacto fiscal relevante, as mais palatáveis. O tempo é curto, no Congresso, até o fim do ano, considerando-se o rito próprio de tramitação de propostas de emenda constitucional ou mesmo de projetos de lei complementar.

O pacote de cortes de gastos deveria contemplar ajustes em programas como o abono salarial e o seguro-desemprego, mudanças nas regras de indexação e vinculação dos orçamentos da Saúde e da Educação, além de tocar na ferida aberta das emendas parlamentares.

A saber, as emendas parlamentares saíram de controle, definitivamente, processo este coroado pela aprovação de um novo regramento no Congresso Nacional nesses últimos dias.

O Supremo Tribunal Federal (STF) acertou ao bloquear a execução desses gastos, dados os descalabros vistos nessa matéria. Vejamos os próximos capítulos da história. Não custa lembrar que quase 25% das despesas discricionárias (não obrigatórias), hoje, constituem-se de emendas parlamentares.

Outra frente importante para restabelecer padrões minimamente responsáveis e justos, no Orçamento geral, é atacar os chamados gastos tributários. Eles precisam ser urgentemente limados. Há mais de R$ 540 bilhões em renúncias tributárias estimadas na proposta orçamentária para 2025, ainda em tramitação no Congresso Nacional.

Neles, estão dependurados auxílios setoriais, transferências, subsídios, regimes especiais e toda sorte de programas quase nunca avaliados ou monitorados. Sem mudar tudo isso, vai pelos ares a legitimidade para avançar nas medidas necessárias sobre a parcela ineficiente do gasto social.

Não sejamos ingênuos a ponto de supor espaço para cortes volumosos de renúncias tributárias da noite para o dia. Por outro lado, é possível aproveitar o comando constitucional da Emenda n.º 109/2021, que já estipulara a obrigatoriedade de um plano de revisão dessas renúncias fiscais, para retomar o assunto.

Não é razoável propalar um programa de contenção do crescimento de gastos sociais, muitos deles de fato ineficientes e insustentáveis, sem, ao mesmo tempo, promover uma mudança nas benesses orçamentárias do “andar de cima”. Há muito por fazer nesse quesito. Somente com abatimentos de despesas médicas no imposto de renda abocanham-se quase três dezenas de bilhões de reais.

A gestão da política fiscal requer escrutínio minucioso de medidas, programas e rubricas orçamentárias.

É importante que se mantenha uma regra geral de resultado primário (receitas menos despesas sem contar os juros da dívida) e outra para o comportamento dos gastos agregados. Mas é igualmente necessária a definição de caminhos específicos para controlar o crescimento do gasto.

Não adianta estabelecer que a taxa de variação real das despesas será sempre inferior à da arrecadação. É preciso mostrar como os gastos que evoluem acima desse padrão serão ajustados. Isso requer um debate aprofundado de cada regra, legislação, fator condicionante e prática operacional observados nas mais diversas despesas obrigatórias.

O (futuro) pacote fiscal soa quase tão enigmático quanto o insondável Godot. Mas há diferenças essenciais: não há escapatória e a composição do pacote não deveria ser propriamente uma surpresa. Os detalhes, sim, mas não o rumo.

O novo plano de gastos poderá ajudar a amainar os excessos no dólar, nos juros e nas expectativas. Para isso, o governo terá de convencer a si próprio sobre a importância de um programa de ajuste fiscal. Em seguida, batalhar por sua aprovação junto a um Congresso cada vez mais gastador.

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ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN INVESTIMENTOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E ECONOMISTA DO ANO PELA ORDEM DOS ECONOMISTAS DO BRASIL (2023)

Na peça Esperando Godot, de Samuel Beckett, uma dupla espera Godot num esforço quase descomunal, além de confuso. O pacote de cortes de gastos do ministro Fernando Haddad não é Godot, tampouco o mercado financeiro deveria exasperar-se e confundir-se tanto. Cabe ao governo apresentar medidas concretas para reequilibrar as contas públicas.

O compromisso político em torno de uma regra fiscal bastante razoável, o chamado novo arcabouço fiscal, veio no ano passado com a aprovação e promulgação da Lei Complementar n.º 200/2023. O desafio, agora, é providenciar as ações necessárias para que as receitas e as despesas se comportem de acordo com a lei.

Do lado das receitas públicas, o Ministério da Fazenda conseguiu aprovar uma série de ações, no Congresso, incluindo a revisão de um iníquo benefício fiscal baseado no ICMS, antes abatido pelas empresas na hora de apurar o lucro.

Para ter claro, aquele regime erodia a arrecadação de tributos federais com incidência sobre o resultado das empresas. Formadores de opinião que costumam criticar os chamados gastos tributários exibiram um silêncio ensurdecedor ao não elogiar essa ação. Curioso.

O fato é que a arrecadação está crescendo, nitidamente, bem acima do PIB, quando tomamos o total acumulado de janeiro a outubro e comparamos esse volume de receitas ao observado no mesmo período de 2023. Há receitas, de fato, atípicas, que não se repetirão, mas parte delas tem caráter permanente.

Do lado dos gastos, as tarefas são múltiplas e o cardápio, extenso. O governo terá de escolher, no rol de medidas possíveis e com impacto fiscal relevante, as mais palatáveis. O tempo é curto, no Congresso, até o fim do ano, considerando-se o rito próprio de tramitação de propostas de emenda constitucional ou mesmo de projetos de lei complementar.

O pacote de cortes de gastos deveria contemplar ajustes em programas como o abono salarial e o seguro-desemprego, mudanças nas regras de indexação e vinculação dos orçamentos da Saúde e da Educação, além de tocar na ferida aberta das emendas parlamentares.

A saber, as emendas parlamentares saíram de controle, definitivamente, processo este coroado pela aprovação de um novo regramento no Congresso Nacional nesses últimos dias.

O Supremo Tribunal Federal (STF) acertou ao bloquear a execução desses gastos, dados os descalabros vistos nessa matéria. Vejamos os próximos capítulos da história. Não custa lembrar que quase 25% das despesas discricionárias (não obrigatórias), hoje, constituem-se de emendas parlamentares.

Outra frente importante para restabelecer padrões minimamente responsáveis e justos, no Orçamento geral, é atacar os chamados gastos tributários. Eles precisam ser urgentemente limados. Há mais de R$ 540 bilhões em renúncias tributárias estimadas na proposta orçamentária para 2025, ainda em tramitação no Congresso Nacional.

Neles, estão dependurados auxílios setoriais, transferências, subsídios, regimes especiais e toda sorte de programas quase nunca avaliados ou monitorados. Sem mudar tudo isso, vai pelos ares a legitimidade para avançar nas medidas necessárias sobre a parcela ineficiente do gasto social.

Não sejamos ingênuos a ponto de supor espaço para cortes volumosos de renúncias tributárias da noite para o dia. Por outro lado, é possível aproveitar o comando constitucional da Emenda n.º 109/2021, que já estipulara a obrigatoriedade de um plano de revisão dessas renúncias fiscais, para retomar o assunto.

Não é razoável propalar um programa de contenção do crescimento de gastos sociais, muitos deles de fato ineficientes e insustentáveis, sem, ao mesmo tempo, promover uma mudança nas benesses orçamentárias do “andar de cima”. Há muito por fazer nesse quesito. Somente com abatimentos de despesas médicas no imposto de renda abocanham-se quase três dezenas de bilhões de reais.

A gestão da política fiscal requer escrutínio minucioso de medidas, programas e rubricas orçamentárias.

É importante que se mantenha uma regra geral de resultado primário (receitas menos despesas sem contar os juros da dívida) e outra para o comportamento dos gastos agregados. Mas é igualmente necessária a definição de caminhos específicos para controlar o crescimento do gasto.

Não adianta estabelecer que a taxa de variação real das despesas será sempre inferior à da arrecadação. É preciso mostrar como os gastos que evoluem acima desse padrão serão ajustados. Isso requer um debate aprofundado de cada regra, legislação, fator condicionante e prática operacional observados nas mais diversas despesas obrigatórias.

O (futuro) pacote fiscal soa quase tão enigmático quanto o insondável Godot. Mas há diferenças essenciais: não há escapatória e a composição do pacote não deveria ser propriamente uma surpresa. Os detalhes, sim, mas não o rumo.

O novo plano de gastos poderá ajudar a amainar os excessos no dólar, nos juros e nas expectativas. Para isso, o governo terá de convencer a si próprio sobre a importância de um programa de ajuste fiscal. Em seguida, batalhar por sua aprovação junto a um Congresso cada vez mais gastador.

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ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN INVESTIMENTOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E ECONOMISTA DO ANO PELA ORDEM DOS ECONOMISTAS DO BRASIL (2023)

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