Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, professor do IDP, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e o primeiro diretor executivo da IFI. Felipe Scudeler Salto escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|A missão inescapável do Senado


O presidente Rodrigo Pacheco poderia recriar a comissão do presidente Sarney. Esse respaldo técnico viria a calhar com a chegada da PEC 45 ao Senado

Por Felipe Salto

Há pouco mais de dez anos, o presidente do Senado José Sarney compôs uma comissão de técnicos para tratar dos temas federativos, inclusive da guerra fiscal. Boas propostas foram exaradas, sob a presidência de Nelson Jobim, com relatoria de Everardo Maciel. Colaboraram: Bernard Appy, Fernando Rezende, o saudoso João Paulo dos Reis Veloso, Paulo de Barros Carvalho e outros. O presidente Rodrigo Pacheco poderia recriar a comissão. Esse respaldo técnico viria a calhar com a chegada da PEC 45 ao Senado.

Vejo ao menos oito desafios:

Conselho Federativo. O órgão foi desenhado para comandar o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) subnacional, o chamado IBS, a fundir o ICMS (estadual) e o ISS (municipal). Há dois problemas: 1) fere o pacto federativo; e 2) incentiva a emissão de notas fraudadas para elevar artificialmente o pagamento de créditos aos contribuintes, na presença da transferência automática.

continua após a publicidade

Cada Estado deveria fazer a gestão do respectivo IBS e partilhar a receita com os seus municípios, além de remeter as receitas arrecadadas ao Estado de destino. Também seria o responsável por devolver os créditos aos contribuintes, com prazo suficiente para promover a devida fiscalização e evitar o risco que apontei em 2. O descumprimento dessas obrigações implicaria crime de responsabilidade e aplicação de sanções.

Um caminho do meio: manter o órgão apenas para as operações interestaduais do IBS. Ora, qual o sentido de uma conta centralizadora arrecadar receitas originadas em operações realizadas dentro de um único Estado para, depois, devolvê-las? Essa saída salomônica poderia ser pensada, mas prefiro a gestão pelos 27 Estados, regulamentada por lei complementar.

Alíquotas. Já passou da hora de abandonar a ideia de alíquotas calculadas com vistas a garantir “cenários de referência” para a arrecadação do IBS e da CBS. Ou bem estamos tratando de uma reforma tributária constitucional ou de um artigo acadêmico para apresentar simulações de economistas. Aliás, qual a conta do governo? Meus cálculos preliminares indicam que a alíquota necessária para não haver perda de arrecadação, considerando as muitas exceções do texto final da Câmara, já supera 30%. Estou produzindo, com o colega Josué Pellegrini, na Warren Rena, trabalho sobre o tema.

continua após a publicidade

Exceções. É urgente reavaliar as exceções do artigo 9.º (alíquota reduzida em 60% para serviços e bens escolhidos). A saber, ele delega a uma lei complementar o detalhamento das exceções gerais carimbadas na PEC. Sem falar nas isenções. O resgate da comissão do presidente Sarney, como propus, seria útil também para esse propósito de enaltecer princípios e valores básicos, retirar da gaveta as antigas (e boas) propostas e, assim, buscar uma saída honrosa para o texto que chega ao Senado.

Princípio do destino (tributação no consumo final). No texto atual, o destino seria alcançado apenas em 2033. A transição do ICMS e do ISS para o IBS só começaria em 2029. Em dezembro de 2032, as alíquotas dos antigos impostos, inclusive as alíquotas interestaduais do ICMS, ainda figurariam em 60% das atuais. A transição tem de ser mais curta e começar mais cedo. No discurso oficial, o destino parece previsto para amanhã. No texto, só no longínquo 2033. Pior, pode acabar ocorrendo bem depois, já que a alíquota elevada do ICMS vai estimular a ideia de esticar a transição.

Incentivos fiscais do ICMS. Prevê-se um fundo para compensar os incentivos do ICMS e um segundo para promover o desenvolvimento regional. Ambos com recursos da União. Mesmo assim, preserva-se a tributação na origem por pelo menos uma década, com um ICMS gigantesco até 2032, ensejando novos benefícios, desde que aprovados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). A guerra fiscal aumentaria exponencialmente. Cabe proibir a concessão de novos incentivos no texto da reforma.

continua após a publicidade

Novo tributo estadual. O artigo 20 cria mais um tributo em âmbito estadual. Aparentemente, seu objetivo é substituir fundos hoje usados pelos Estados para arrecadar um adicional de ICMS, com contrapartidas (como diferimentos) aos contribuintes. Na prática, vai ser o canal para expandir a carga tributária e compensar as prováveis dificuldades do novo IBS. Proponho retirar o artigo do texto.

Transição federativa. A transição federativa do IBS está ligada ao cerne da reforma: a migração para o destino. Ela só terminaria em 2078, baseando-se, de 2029 a 2034, no seguinte critério: 90% da arrecadação partilhados pelas fatias de cada ente na receita média de 2024 a 2028 (com base numa arrecadação majoritariamente na origem); e 10% pelo critério do destino. De 2035 a 2078, os 90% seriam reduzidos em 2 pontos porcentuais ao ano. Para o destino se materializar por completo, essa transição tem de ser mais rápida e começar antes, em complemento ao item 4.

Risco fiscal. O parágrafo 8.º do artigo 12 da PEC 45 manda a União bancar todos os benefícios do ICMS existentes, desde que homologados (provavelmente) pela Receita Federal. Altíssimo risco fiscal. Anula-se o teto para os aportes da União no fundo de compensação, da ordem de R$ 32 bilhões.

continua após a publicidade

Já diziam Fernando Henrique Cardoso e José Serra: a política é a arte de expandir os limites conhecidos do possível. A missão de consertar a PEC 45 é nobre e inescapável. Logo, vamos à luta.

*

ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN RENA, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DE SÃO PAULO

Há pouco mais de dez anos, o presidente do Senado José Sarney compôs uma comissão de técnicos para tratar dos temas federativos, inclusive da guerra fiscal. Boas propostas foram exaradas, sob a presidência de Nelson Jobim, com relatoria de Everardo Maciel. Colaboraram: Bernard Appy, Fernando Rezende, o saudoso João Paulo dos Reis Veloso, Paulo de Barros Carvalho e outros. O presidente Rodrigo Pacheco poderia recriar a comissão. Esse respaldo técnico viria a calhar com a chegada da PEC 45 ao Senado.

Vejo ao menos oito desafios:

Conselho Federativo. O órgão foi desenhado para comandar o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) subnacional, o chamado IBS, a fundir o ICMS (estadual) e o ISS (municipal). Há dois problemas: 1) fere o pacto federativo; e 2) incentiva a emissão de notas fraudadas para elevar artificialmente o pagamento de créditos aos contribuintes, na presença da transferência automática.

Cada Estado deveria fazer a gestão do respectivo IBS e partilhar a receita com os seus municípios, além de remeter as receitas arrecadadas ao Estado de destino. Também seria o responsável por devolver os créditos aos contribuintes, com prazo suficiente para promover a devida fiscalização e evitar o risco que apontei em 2. O descumprimento dessas obrigações implicaria crime de responsabilidade e aplicação de sanções.

Um caminho do meio: manter o órgão apenas para as operações interestaduais do IBS. Ora, qual o sentido de uma conta centralizadora arrecadar receitas originadas em operações realizadas dentro de um único Estado para, depois, devolvê-las? Essa saída salomônica poderia ser pensada, mas prefiro a gestão pelos 27 Estados, regulamentada por lei complementar.

Alíquotas. Já passou da hora de abandonar a ideia de alíquotas calculadas com vistas a garantir “cenários de referência” para a arrecadação do IBS e da CBS. Ou bem estamos tratando de uma reforma tributária constitucional ou de um artigo acadêmico para apresentar simulações de economistas. Aliás, qual a conta do governo? Meus cálculos preliminares indicam que a alíquota necessária para não haver perda de arrecadação, considerando as muitas exceções do texto final da Câmara, já supera 30%. Estou produzindo, com o colega Josué Pellegrini, na Warren Rena, trabalho sobre o tema.

Exceções. É urgente reavaliar as exceções do artigo 9.º (alíquota reduzida em 60% para serviços e bens escolhidos). A saber, ele delega a uma lei complementar o detalhamento das exceções gerais carimbadas na PEC. Sem falar nas isenções. O resgate da comissão do presidente Sarney, como propus, seria útil também para esse propósito de enaltecer princípios e valores básicos, retirar da gaveta as antigas (e boas) propostas e, assim, buscar uma saída honrosa para o texto que chega ao Senado.

Princípio do destino (tributação no consumo final). No texto atual, o destino seria alcançado apenas em 2033. A transição do ICMS e do ISS para o IBS só começaria em 2029. Em dezembro de 2032, as alíquotas dos antigos impostos, inclusive as alíquotas interestaduais do ICMS, ainda figurariam em 60% das atuais. A transição tem de ser mais curta e começar mais cedo. No discurso oficial, o destino parece previsto para amanhã. No texto, só no longínquo 2033. Pior, pode acabar ocorrendo bem depois, já que a alíquota elevada do ICMS vai estimular a ideia de esticar a transição.

Incentivos fiscais do ICMS. Prevê-se um fundo para compensar os incentivos do ICMS e um segundo para promover o desenvolvimento regional. Ambos com recursos da União. Mesmo assim, preserva-se a tributação na origem por pelo menos uma década, com um ICMS gigantesco até 2032, ensejando novos benefícios, desde que aprovados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). A guerra fiscal aumentaria exponencialmente. Cabe proibir a concessão de novos incentivos no texto da reforma.

Novo tributo estadual. O artigo 20 cria mais um tributo em âmbito estadual. Aparentemente, seu objetivo é substituir fundos hoje usados pelos Estados para arrecadar um adicional de ICMS, com contrapartidas (como diferimentos) aos contribuintes. Na prática, vai ser o canal para expandir a carga tributária e compensar as prováveis dificuldades do novo IBS. Proponho retirar o artigo do texto.

Transição federativa. A transição federativa do IBS está ligada ao cerne da reforma: a migração para o destino. Ela só terminaria em 2078, baseando-se, de 2029 a 2034, no seguinte critério: 90% da arrecadação partilhados pelas fatias de cada ente na receita média de 2024 a 2028 (com base numa arrecadação majoritariamente na origem); e 10% pelo critério do destino. De 2035 a 2078, os 90% seriam reduzidos em 2 pontos porcentuais ao ano. Para o destino se materializar por completo, essa transição tem de ser mais rápida e começar antes, em complemento ao item 4.

Risco fiscal. O parágrafo 8.º do artigo 12 da PEC 45 manda a União bancar todos os benefícios do ICMS existentes, desde que homologados (provavelmente) pela Receita Federal. Altíssimo risco fiscal. Anula-se o teto para os aportes da União no fundo de compensação, da ordem de R$ 32 bilhões.

Já diziam Fernando Henrique Cardoso e José Serra: a política é a arte de expandir os limites conhecidos do possível. A missão de consertar a PEC 45 é nobre e inescapável. Logo, vamos à luta.

*

ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN RENA, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DE SÃO PAULO

Há pouco mais de dez anos, o presidente do Senado José Sarney compôs uma comissão de técnicos para tratar dos temas federativos, inclusive da guerra fiscal. Boas propostas foram exaradas, sob a presidência de Nelson Jobim, com relatoria de Everardo Maciel. Colaboraram: Bernard Appy, Fernando Rezende, o saudoso João Paulo dos Reis Veloso, Paulo de Barros Carvalho e outros. O presidente Rodrigo Pacheco poderia recriar a comissão. Esse respaldo técnico viria a calhar com a chegada da PEC 45 ao Senado.

Vejo ao menos oito desafios:

Conselho Federativo. O órgão foi desenhado para comandar o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) subnacional, o chamado IBS, a fundir o ICMS (estadual) e o ISS (municipal). Há dois problemas: 1) fere o pacto federativo; e 2) incentiva a emissão de notas fraudadas para elevar artificialmente o pagamento de créditos aos contribuintes, na presença da transferência automática.

Cada Estado deveria fazer a gestão do respectivo IBS e partilhar a receita com os seus municípios, além de remeter as receitas arrecadadas ao Estado de destino. Também seria o responsável por devolver os créditos aos contribuintes, com prazo suficiente para promover a devida fiscalização e evitar o risco que apontei em 2. O descumprimento dessas obrigações implicaria crime de responsabilidade e aplicação de sanções.

Um caminho do meio: manter o órgão apenas para as operações interestaduais do IBS. Ora, qual o sentido de uma conta centralizadora arrecadar receitas originadas em operações realizadas dentro de um único Estado para, depois, devolvê-las? Essa saída salomônica poderia ser pensada, mas prefiro a gestão pelos 27 Estados, regulamentada por lei complementar.

Alíquotas. Já passou da hora de abandonar a ideia de alíquotas calculadas com vistas a garantir “cenários de referência” para a arrecadação do IBS e da CBS. Ou bem estamos tratando de uma reforma tributária constitucional ou de um artigo acadêmico para apresentar simulações de economistas. Aliás, qual a conta do governo? Meus cálculos preliminares indicam que a alíquota necessária para não haver perda de arrecadação, considerando as muitas exceções do texto final da Câmara, já supera 30%. Estou produzindo, com o colega Josué Pellegrini, na Warren Rena, trabalho sobre o tema.

Exceções. É urgente reavaliar as exceções do artigo 9.º (alíquota reduzida em 60% para serviços e bens escolhidos). A saber, ele delega a uma lei complementar o detalhamento das exceções gerais carimbadas na PEC. Sem falar nas isenções. O resgate da comissão do presidente Sarney, como propus, seria útil também para esse propósito de enaltecer princípios e valores básicos, retirar da gaveta as antigas (e boas) propostas e, assim, buscar uma saída honrosa para o texto que chega ao Senado.

Princípio do destino (tributação no consumo final). No texto atual, o destino seria alcançado apenas em 2033. A transição do ICMS e do ISS para o IBS só começaria em 2029. Em dezembro de 2032, as alíquotas dos antigos impostos, inclusive as alíquotas interestaduais do ICMS, ainda figurariam em 60% das atuais. A transição tem de ser mais curta e começar mais cedo. No discurso oficial, o destino parece previsto para amanhã. No texto, só no longínquo 2033. Pior, pode acabar ocorrendo bem depois, já que a alíquota elevada do ICMS vai estimular a ideia de esticar a transição.

Incentivos fiscais do ICMS. Prevê-se um fundo para compensar os incentivos do ICMS e um segundo para promover o desenvolvimento regional. Ambos com recursos da União. Mesmo assim, preserva-se a tributação na origem por pelo menos uma década, com um ICMS gigantesco até 2032, ensejando novos benefícios, desde que aprovados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). A guerra fiscal aumentaria exponencialmente. Cabe proibir a concessão de novos incentivos no texto da reforma.

Novo tributo estadual. O artigo 20 cria mais um tributo em âmbito estadual. Aparentemente, seu objetivo é substituir fundos hoje usados pelos Estados para arrecadar um adicional de ICMS, com contrapartidas (como diferimentos) aos contribuintes. Na prática, vai ser o canal para expandir a carga tributária e compensar as prováveis dificuldades do novo IBS. Proponho retirar o artigo do texto.

Transição federativa. A transição federativa do IBS está ligada ao cerne da reforma: a migração para o destino. Ela só terminaria em 2078, baseando-se, de 2029 a 2034, no seguinte critério: 90% da arrecadação partilhados pelas fatias de cada ente na receita média de 2024 a 2028 (com base numa arrecadação majoritariamente na origem); e 10% pelo critério do destino. De 2035 a 2078, os 90% seriam reduzidos em 2 pontos porcentuais ao ano. Para o destino se materializar por completo, essa transição tem de ser mais rápida e começar antes, em complemento ao item 4.

Risco fiscal. O parágrafo 8.º do artigo 12 da PEC 45 manda a União bancar todos os benefícios do ICMS existentes, desde que homologados (provavelmente) pela Receita Federal. Altíssimo risco fiscal. Anula-se o teto para os aportes da União no fundo de compensação, da ordem de R$ 32 bilhões.

Já diziam Fernando Henrique Cardoso e José Serra: a política é a arte de expandir os limites conhecidos do possível. A missão de consertar a PEC 45 é nobre e inescapável. Logo, vamos à luta.

*

ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN RENA, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DE SÃO PAULO

Há pouco mais de dez anos, o presidente do Senado José Sarney compôs uma comissão de técnicos para tratar dos temas federativos, inclusive da guerra fiscal. Boas propostas foram exaradas, sob a presidência de Nelson Jobim, com relatoria de Everardo Maciel. Colaboraram: Bernard Appy, Fernando Rezende, o saudoso João Paulo dos Reis Veloso, Paulo de Barros Carvalho e outros. O presidente Rodrigo Pacheco poderia recriar a comissão. Esse respaldo técnico viria a calhar com a chegada da PEC 45 ao Senado.

Vejo ao menos oito desafios:

Conselho Federativo. O órgão foi desenhado para comandar o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) subnacional, o chamado IBS, a fundir o ICMS (estadual) e o ISS (municipal). Há dois problemas: 1) fere o pacto federativo; e 2) incentiva a emissão de notas fraudadas para elevar artificialmente o pagamento de créditos aos contribuintes, na presença da transferência automática.

Cada Estado deveria fazer a gestão do respectivo IBS e partilhar a receita com os seus municípios, além de remeter as receitas arrecadadas ao Estado de destino. Também seria o responsável por devolver os créditos aos contribuintes, com prazo suficiente para promover a devida fiscalização e evitar o risco que apontei em 2. O descumprimento dessas obrigações implicaria crime de responsabilidade e aplicação de sanções.

Um caminho do meio: manter o órgão apenas para as operações interestaduais do IBS. Ora, qual o sentido de uma conta centralizadora arrecadar receitas originadas em operações realizadas dentro de um único Estado para, depois, devolvê-las? Essa saída salomônica poderia ser pensada, mas prefiro a gestão pelos 27 Estados, regulamentada por lei complementar.

Alíquotas. Já passou da hora de abandonar a ideia de alíquotas calculadas com vistas a garantir “cenários de referência” para a arrecadação do IBS e da CBS. Ou bem estamos tratando de uma reforma tributária constitucional ou de um artigo acadêmico para apresentar simulações de economistas. Aliás, qual a conta do governo? Meus cálculos preliminares indicam que a alíquota necessária para não haver perda de arrecadação, considerando as muitas exceções do texto final da Câmara, já supera 30%. Estou produzindo, com o colega Josué Pellegrini, na Warren Rena, trabalho sobre o tema.

Exceções. É urgente reavaliar as exceções do artigo 9.º (alíquota reduzida em 60% para serviços e bens escolhidos). A saber, ele delega a uma lei complementar o detalhamento das exceções gerais carimbadas na PEC. Sem falar nas isenções. O resgate da comissão do presidente Sarney, como propus, seria útil também para esse propósito de enaltecer princípios e valores básicos, retirar da gaveta as antigas (e boas) propostas e, assim, buscar uma saída honrosa para o texto que chega ao Senado.

Princípio do destino (tributação no consumo final). No texto atual, o destino seria alcançado apenas em 2033. A transição do ICMS e do ISS para o IBS só começaria em 2029. Em dezembro de 2032, as alíquotas dos antigos impostos, inclusive as alíquotas interestaduais do ICMS, ainda figurariam em 60% das atuais. A transição tem de ser mais curta e começar mais cedo. No discurso oficial, o destino parece previsto para amanhã. No texto, só no longínquo 2033. Pior, pode acabar ocorrendo bem depois, já que a alíquota elevada do ICMS vai estimular a ideia de esticar a transição.

Incentivos fiscais do ICMS. Prevê-se um fundo para compensar os incentivos do ICMS e um segundo para promover o desenvolvimento regional. Ambos com recursos da União. Mesmo assim, preserva-se a tributação na origem por pelo menos uma década, com um ICMS gigantesco até 2032, ensejando novos benefícios, desde que aprovados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). A guerra fiscal aumentaria exponencialmente. Cabe proibir a concessão de novos incentivos no texto da reforma.

Novo tributo estadual. O artigo 20 cria mais um tributo em âmbito estadual. Aparentemente, seu objetivo é substituir fundos hoje usados pelos Estados para arrecadar um adicional de ICMS, com contrapartidas (como diferimentos) aos contribuintes. Na prática, vai ser o canal para expandir a carga tributária e compensar as prováveis dificuldades do novo IBS. Proponho retirar o artigo do texto.

Transição federativa. A transição federativa do IBS está ligada ao cerne da reforma: a migração para o destino. Ela só terminaria em 2078, baseando-se, de 2029 a 2034, no seguinte critério: 90% da arrecadação partilhados pelas fatias de cada ente na receita média de 2024 a 2028 (com base numa arrecadação majoritariamente na origem); e 10% pelo critério do destino. De 2035 a 2078, os 90% seriam reduzidos em 2 pontos porcentuais ao ano. Para o destino se materializar por completo, essa transição tem de ser mais rápida e começar antes, em complemento ao item 4.

Risco fiscal. O parágrafo 8.º do artigo 12 da PEC 45 manda a União bancar todos os benefícios do ICMS existentes, desde que homologados (provavelmente) pela Receita Federal. Altíssimo risco fiscal. Anula-se o teto para os aportes da União no fundo de compensação, da ordem de R$ 32 bilhões.

Já diziam Fernando Henrique Cardoso e José Serra: a política é a arte de expandir os limites conhecidos do possível. A missão de consertar a PEC 45 é nobre e inescapável. Logo, vamos à luta.

*

ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN RENA, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DE SÃO PAULO

Há pouco mais de dez anos, o presidente do Senado José Sarney compôs uma comissão de técnicos para tratar dos temas federativos, inclusive da guerra fiscal. Boas propostas foram exaradas, sob a presidência de Nelson Jobim, com relatoria de Everardo Maciel. Colaboraram: Bernard Appy, Fernando Rezende, o saudoso João Paulo dos Reis Veloso, Paulo de Barros Carvalho e outros. O presidente Rodrigo Pacheco poderia recriar a comissão. Esse respaldo técnico viria a calhar com a chegada da PEC 45 ao Senado.

Vejo ao menos oito desafios:

Conselho Federativo. O órgão foi desenhado para comandar o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) subnacional, o chamado IBS, a fundir o ICMS (estadual) e o ISS (municipal). Há dois problemas: 1) fere o pacto federativo; e 2) incentiva a emissão de notas fraudadas para elevar artificialmente o pagamento de créditos aos contribuintes, na presença da transferência automática.

Cada Estado deveria fazer a gestão do respectivo IBS e partilhar a receita com os seus municípios, além de remeter as receitas arrecadadas ao Estado de destino. Também seria o responsável por devolver os créditos aos contribuintes, com prazo suficiente para promover a devida fiscalização e evitar o risco que apontei em 2. O descumprimento dessas obrigações implicaria crime de responsabilidade e aplicação de sanções.

Um caminho do meio: manter o órgão apenas para as operações interestaduais do IBS. Ora, qual o sentido de uma conta centralizadora arrecadar receitas originadas em operações realizadas dentro de um único Estado para, depois, devolvê-las? Essa saída salomônica poderia ser pensada, mas prefiro a gestão pelos 27 Estados, regulamentada por lei complementar.

Alíquotas. Já passou da hora de abandonar a ideia de alíquotas calculadas com vistas a garantir “cenários de referência” para a arrecadação do IBS e da CBS. Ou bem estamos tratando de uma reforma tributária constitucional ou de um artigo acadêmico para apresentar simulações de economistas. Aliás, qual a conta do governo? Meus cálculos preliminares indicam que a alíquota necessária para não haver perda de arrecadação, considerando as muitas exceções do texto final da Câmara, já supera 30%. Estou produzindo, com o colega Josué Pellegrini, na Warren Rena, trabalho sobre o tema.

Exceções. É urgente reavaliar as exceções do artigo 9.º (alíquota reduzida em 60% para serviços e bens escolhidos). A saber, ele delega a uma lei complementar o detalhamento das exceções gerais carimbadas na PEC. Sem falar nas isenções. O resgate da comissão do presidente Sarney, como propus, seria útil também para esse propósito de enaltecer princípios e valores básicos, retirar da gaveta as antigas (e boas) propostas e, assim, buscar uma saída honrosa para o texto que chega ao Senado.

Princípio do destino (tributação no consumo final). No texto atual, o destino seria alcançado apenas em 2033. A transição do ICMS e do ISS para o IBS só começaria em 2029. Em dezembro de 2032, as alíquotas dos antigos impostos, inclusive as alíquotas interestaduais do ICMS, ainda figurariam em 60% das atuais. A transição tem de ser mais curta e começar mais cedo. No discurso oficial, o destino parece previsto para amanhã. No texto, só no longínquo 2033. Pior, pode acabar ocorrendo bem depois, já que a alíquota elevada do ICMS vai estimular a ideia de esticar a transição.

Incentivos fiscais do ICMS. Prevê-se um fundo para compensar os incentivos do ICMS e um segundo para promover o desenvolvimento regional. Ambos com recursos da União. Mesmo assim, preserva-se a tributação na origem por pelo menos uma década, com um ICMS gigantesco até 2032, ensejando novos benefícios, desde que aprovados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). A guerra fiscal aumentaria exponencialmente. Cabe proibir a concessão de novos incentivos no texto da reforma.

Novo tributo estadual. O artigo 20 cria mais um tributo em âmbito estadual. Aparentemente, seu objetivo é substituir fundos hoje usados pelos Estados para arrecadar um adicional de ICMS, com contrapartidas (como diferimentos) aos contribuintes. Na prática, vai ser o canal para expandir a carga tributária e compensar as prováveis dificuldades do novo IBS. Proponho retirar o artigo do texto.

Transição federativa. A transição federativa do IBS está ligada ao cerne da reforma: a migração para o destino. Ela só terminaria em 2078, baseando-se, de 2029 a 2034, no seguinte critério: 90% da arrecadação partilhados pelas fatias de cada ente na receita média de 2024 a 2028 (com base numa arrecadação majoritariamente na origem); e 10% pelo critério do destino. De 2035 a 2078, os 90% seriam reduzidos em 2 pontos porcentuais ao ano. Para o destino se materializar por completo, essa transição tem de ser mais rápida e começar antes, em complemento ao item 4.

Risco fiscal. O parágrafo 8.º do artigo 12 da PEC 45 manda a União bancar todos os benefícios do ICMS existentes, desde que homologados (provavelmente) pela Receita Federal. Altíssimo risco fiscal. Anula-se o teto para os aportes da União no fundo de compensação, da ordem de R$ 32 bilhões.

Já diziam Fernando Henrique Cardoso e José Serra: a política é a arte de expandir os limites conhecidos do possível. A missão de consertar a PEC 45 é nobre e inescapável. Logo, vamos à luta.

*

ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN RENA, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DE SÃO PAULO

Opinião por Felipe Salto

Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.