Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, professor do IDP, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e o primeiro diretor executivo da IFI. Felipe Scudeler Salto escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Carta de Lula para Lula


A História precisa ser lembrada para que se evitem erros conhecidos e para que experiências exitosas subsidiem o bom enfrentamento de problemas repetidos

Por Felipe Salto

“Nosso governo vai preservar o superávit primário o quanto for necessário, de maneira a não permitir que ocorra um aumento da dívida interna em relação ao PIB, o que poderia destruir a confiança na capacidade do governo de cumprir seus compromissos.”

Extraído do programa de governo do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, a pedido do ministro da Fazenda, Pedro Malan, durante as eleições presidenciais de 2002, esse texto cairia muito bem ao Lula de 2024.

Em seu livro Eles Não São Loucos: Bastidores da Transição Presidencial FHC-Lula, editado em 2022 pela Portfolio-Penguin, o jornalista João Borges conta que, em 2002, Malan determinou a assessores que selecionassem manifestações de todos os candidatos para submeter ao FMI e ao Tesouro americano.

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A desconfiança ameaçava macular o período final da gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso. O dólar chegou a valer R$ 4, o pico de uma escalada preocupante (para o período), com efeitos sobre a inflação interna. Era impositivo buscar uma transição tranquila e acalmar os ânimos dos financiadores externos. Afinal, a dívida pública externa era grande.

A História precisa ser lembrada para que se evitem os erros conhecidos e para que as experiências exitosas subsidiem o bom enfrentamento de problemas repetidos.

O Brasil tem uma dívida pública crescente e elevada, cuja tendência é encerrar o ano corrente em mais de 78% do PIB. As despesas estão crescendo a cerca de 13% além da inflação. Descontado o efeito dos precatórios antecipados no início deste ano e a mudança de calendário para o pagamento do 13.º salário dos aposentados (em relação a 2023), a alta real teria sido de 8,1%, pelas nossas estimativas. Já as receitas líquidas do governo central estão aumentando à razão de 9,3% acima da inflação de janeiro a maio.

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A tributação do estoque dos rendimentos dos fundos fechados e outros eventos atípicos não durarão para sempre, de tal sorte que a taxa de variação deverá convergir para 7,3%, até o fim do ano, de acordo com nossas projeções na Warren Investimentos.

Enquanto isso, as despesas não dão sinais de desaceleração.

Os efeitos da nova lei do salário mínimo sobre o gasto social e previdenciário, a retomada dos pisos da educação e da saúde e o gasto elevado com emendas parlamentares são vetores de crescimento da despesa que precisam ser avaliados com cuidado. Só assim retomaremos o superávit primário a médio prazo. Não se trata de zerar o déficit apenas, mas de gerar saldos positivos, capazes de restabelecer uma dinâmica sustentável para a dívida pública em relação ao PIB, como diria o Lula de 2002 ao atual.

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O financiamento do Estado brasileiro depende de uma preocupação permanente com a arrecadação sustentável de tributos e o controle adequado dos gastos públicos.

Desde logo, entretanto, é preciso ter claro: não há crise fiscal no Brasil.

O alarmismo é péssimo, turva os mercados, pressiona os juros, cria assimetrias e bagunça o coreto. Crises fiscais originam-se da ausência de compromisso político em relação às regras fiscais e à obtenção de resultados suficientes para garantir uma evolução controlada da dívida pública. Estamos, sim, distantes de atingir as condições de solvabilidade da dívida, ou seja, de reequilibrar a relação dívida sobre PIB.

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Mas não estamos próximos, igualmente, de um quadro de crescimento desordenado do endividamento. Há tempo para evitar catástrofes pré-anunciadas por certos setores. Não se briga com o mercado. O Estado e o mercado devem dançar, juntos, como parceiros harmoniosos nos salões da gafieira.

Os mercados funcionam de maneira reativa e antecipam riscos. Fabricam crises, muitas vezes, que não existem, e apostam contra, quando desejam. A literatura econômica está recheada de considerações sobre as profecias autorrealizáveis.

O governo financia seus déficits – despesas não cobertas por receitas – com títulos públicos. Trata-se da promessa de pagar determinado valor, em prazo definido, mediante a contratação de uma remuneração (juros). Os agentes econômicos emprestam sua poupança ao governo à luz das probabilidades atribuídas aos riscos e, assim, calibram a remuneração demandada para bancar o gasto público.

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O governo, por sua vez, pode influenciar as estimativas e cenários do mercado, por meio de um plano fiscal fundamentado no respeito ao dinheiro público, do estímulo responsável ao crescimento econômico e do desvio cuidadoso das cascas de banana pelo caminho.

A meu ver, o ministro Fernando Haddad tem promovido esforços descomunais para recuperar receitas abandonadas há décadas nas mãos de grupos privilegiados. O sucesso de medidas como as novas regras para o contencioso administrativo e para as transações tributárias, a recomposição de base do PIS/Pasep e da Cofins, o combate a benefícios iníquos (MP 1.185) é evidência maior. Falta, agora, um plano para o gasto público.

A base poderia ser esta hipotética e brevíssima carta do presidente Lula de 22 anos atrás ao Lula do terceiro mandato:

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“Busque o superávit primário mínimo para reequilibrar a dívida em relação ao PIB. Só assim será possível prosperar, com juros baixos, investimentos elevados e crescimento econômico para todos, sobretudo e especialmente para os mais pobres.”

*

ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN INVESTIMENTOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E PRIMEIRO DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI

“Nosso governo vai preservar o superávit primário o quanto for necessário, de maneira a não permitir que ocorra um aumento da dívida interna em relação ao PIB, o que poderia destruir a confiança na capacidade do governo de cumprir seus compromissos.”

Extraído do programa de governo do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, a pedido do ministro da Fazenda, Pedro Malan, durante as eleições presidenciais de 2002, esse texto cairia muito bem ao Lula de 2024.

Em seu livro Eles Não São Loucos: Bastidores da Transição Presidencial FHC-Lula, editado em 2022 pela Portfolio-Penguin, o jornalista João Borges conta que, em 2002, Malan determinou a assessores que selecionassem manifestações de todos os candidatos para submeter ao FMI e ao Tesouro americano.

A desconfiança ameaçava macular o período final da gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso. O dólar chegou a valer R$ 4, o pico de uma escalada preocupante (para o período), com efeitos sobre a inflação interna. Era impositivo buscar uma transição tranquila e acalmar os ânimos dos financiadores externos. Afinal, a dívida pública externa era grande.

A História precisa ser lembrada para que se evitem os erros conhecidos e para que as experiências exitosas subsidiem o bom enfrentamento de problemas repetidos.

O Brasil tem uma dívida pública crescente e elevada, cuja tendência é encerrar o ano corrente em mais de 78% do PIB. As despesas estão crescendo a cerca de 13% além da inflação. Descontado o efeito dos precatórios antecipados no início deste ano e a mudança de calendário para o pagamento do 13.º salário dos aposentados (em relação a 2023), a alta real teria sido de 8,1%, pelas nossas estimativas. Já as receitas líquidas do governo central estão aumentando à razão de 9,3% acima da inflação de janeiro a maio.

A tributação do estoque dos rendimentos dos fundos fechados e outros eventos atípicos não durarão para sempre, de tal sorte que a taxa de variação deverá convergir para 7,3%, até o fim do ano, de acordo com nossas projeções na Warren Investimentos.

Enquanto isso, as despesas não dão sinais de desaceleração.

Os efeitos da nova lei do salário mínimo sobre o gasto social e previdenciário, a retomada dos pisos da educação e da saúde e o gasto elevado com emendas parlamentares são vetores de crescimento da despesa que precisam ser avaliados com cuidado. Só assim retomaremos o superávit primário a médio prazo. Não se trata de zerar o déficit apenas, mas de gerar saldos positivos, capazes de restabelecer uma dinâmica sustentável para a dívida pública em relação ao PIB, como diria o Lula de 2002 ao atual.

O financiamento do Estado brasileiro depende de uma preocupação permanente com a arrecadação sustentável de tributos e o controle adequado dos gastos públicos.

Desde logo, entretanto, é preciso ter claro: não há crise fiscal no Brasil.

O alarmismo é péssimo, turva os mercados, pressiona os juros, cria assimetrias e bagunça o coreto. Crises fiscais originam-se da ausência de compromisso político em relação às regras fiscais e à obtenção de resultados suficientes para garantir uma evolução controlada da dívida pública. Estamos, sim, distantes de atingir as condições de solvabilidade da dívida, ou seja, de reequilibrar a relação dívida sobre PIB.

Mas não estamos próximos, igualmente, de um quadro de crescimento desordenado do endividamento. Há tempo para evitar catástrofes pré-anunciadas por certos setores. Não se briga com o mercado. O Estado e o mercado devem dançar, juntos, como parceiros harmoniosos nos salões da gafieira.

Os mercados funcionam de maneira reativa e antecipam riscos. Fabricam crises, muitas vezes, que não existem, e apostam contra, quando desejam. A literatura econômica está recheada de considerações sobre as profecias autorrealizáveis.

O governo financia seus déficits – despesas não cobertas por receitas – com títulos públicos. Trata-se da promessa de pagar determinado valor, em prazo definido, mediante a contratação de uma remuneração (juros). Os agentes econômicos emprestam sua poupança ao governo à luz das probabilidades atribuídas aos riscos e, assim, calibram a remuneração demandada para bancar o gasto público.

O governo, por sua vez, pode influenciar as estimativas e cenários do mercado, por meio de um plano fiscal fundamentado no respeito ao dinheiro público, do estímulo responsável ao crescimento econômico e do desvio cuidadoso das cascas de banana pelo caminho.

A meu ver, o ministro Fernando Haddad tem promovido esforços descomunais para recuperar receitas abandonadas há décadas nas mãos de grupos privilegiados. O sucesso de medidas como as novas regras para o contencioso administrativo e para as transações tributárias, a recomposição de base do PIS/Pasep e da Cofins, o combate a benefícios iníquos (MP 1.185) é evidência maior. Falta, agora, um plano para o gasto público.

A base poderia ser esta hipotética e brevíssima carta do presidente Lula de 22 anos atrás ao Lula do terceiro mandato:

“Busque o superávit primário mínimo para reequilibrar a dívida em relação ao PIB. Só assim será possível prosperar, com juros baixos, investimentos elevados e crescimento econômico para todos, sobretudo e especialmente para os mais pobres.”

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ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN INVESTIMENTOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E PRIMEIRO DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI

“Nosso governo vai preservar o superávit primário o quanto for necessário, de maneira a não permitir que ocorra um aumento da dívida interna em relação ao PIB, o que poderia destruir a confiança na capacidade do governo de cumprir seus compromissos.”

Extraído do programa de governo do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, a pedido do ministro da Fazenda, Pedro Malan, durante as eleições presidenciais de 2002, esse texto cairia muito bem ao Lula de 2024.

Em seu livro Eles Não São Loucos: Bastidores da Transição Presidencial FHC-Lula, editado em 2022 pela Portfolio-Penguin, o jornalista João Borges conta que, em 2002, Malan determinou a assessores que selecionassem manifestações de todos os candidatos para submeter ao FMI e ao Tesouro americano.

A desconfiança ameaçava macular o período final da gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso. O dólar chegou a valer R$ 4, o pico de uma escalada preocupante (para o período), com efeitos sobre a inflação interna. Era impositivo buscar uma transição tranquila e acalmar os ânimos dos financiadores externos. Afinal, a dívida pública externa era grande.

A História precisa ser lembrada para que se evitem os erros conhecidos e para que as experiências exitosas subsidiem o bom enfrentamento de problemas repetidos.

O Brasil tem uma dívida pública crescente e elevada, cuja tendência é encerrar o ano corrente em mais de 78% do PIB. As despesas estão crescendo a cerca de 13% além da inflação. Descontado o efeito dos precatórios antecipados no início deste ano e a mudança de calendário para o pagamento do 13.º salário dos aposentados (em relação a 2023), a alta real teria sido de 8,1%, pelas nossas estimativas. Já as receitas líquidas do governo central estão aumentando à razão de 9,3% acima da inflação de janeiro a maio.

A tributação do estoque dos rendimentos dos fundos fechados e outros eventos atípicos não durarão para sempre, de tal sorte que a taxa de variação deverá convergir para 7,3%, até o fim do ano, de acordo com nossas projeções na Warren Investimentos.

Enquanto isso, as despesas não dão sinais de desaceleração.

Os efeitos da nova lei do salário mínimo sobre o gasto social e previdenciário, a retomada dos pisos da educação e da saúde e o gasto elevado com emendas parlamentares são vetores de crescimento da despesa que precisam ser avaliados com cuidado. Só assim retomaremos o superávit primário a médio prazo. Não se trata de zerar o déficit apenas, mas de gerar saldos positivos, capazes de restabelecer uma dinâmica sustentável para a dívida pública em relação ao PIB, como diria o Lula de 2002 ao atual.

O financiamento do Estado brasileiro depende de uma preocupação permanente com a arrecadação sustentável de tributos e o controle adequado dos gastos públicos.

Desde logo, entretanto, é preciso ter claro: não há crise fiscal no Brasil.

O alarmismo é péssimo, turva os mercados, pressiona os juros, cria assimetrias e bagunça o coreto. Crises fiscais originam-se da ausência de compromisso político em relação às regras fiscais e à obtenção de resultados suficientes para garantir uma evolução controlada da dívida pública. Estamos, sim, distantes de atingir as condições de solvabilidade da dívida, ou seja, de reequilibrar a relação dívida sobre PIB.

Mas não estamos próximos, igualmente, de um quadro de crescimento desordenado do endividamento. Há tempo para evitar catástrofes pré-anunciadas por certos setores. Não se briga com o mercado. O Estado e o mercado devem dançar, juntos, como parceiros harmoniosos nos salões da gafieira.

Os mercados funcionam de maneira reativa e antecipam riscos. Fabricam crises, muitas vezes, que não existem, e apostam contra, quando desejam. A literatura econômica está recheada de considerações sobre as profecias autorrealizáveis.

O governo financia seus déficits – despesas não cobertas por receitas – com títulos públicos. Trata-se da promessa de pagar determinado valor, em prazo definido, mediante a contratação de uma remuneração (juros). Os agentes econômicos emprestam sua poupança ao governo à luz das probabilidades atribuídas aos riscos e, assim, calibram a remuneração demandada para bancar o gasto público.

O governo, por sua vez, pode influenciar as estimativas e cenários do mercado, por meio de um plano fiscal fundamentado no respeito ao dinheiro público, do estímulo responsável ao crescimento econômico e do desvio cuidadoso das cascas de banana pelo caminho.

A meu ver, o ministro Fernando Haddad tem promovido esforços descomunais para recuperar receitas abandonadas há décadas nas mãos de grupos privilegiados. O sucesso de medidas como as novas regras para o contencioso administrativo e para as transações tributárias, a recomposição de base do PIS/Pasep e da Cofins, o combate a benefícios iníquos (MP 1.185) é evidência maior. Falta, agora, um plano para o gasto público.

A base poderia ser esta hipotética e brevíssima carta do presidente Lula de 22 anos atrás ao Lula do terceiro mandato:

“Busque o superávit primário mínimo para reequilibrar a dívida em relação ao PIB. Só assim será possível prosperar, com juros baixos, investimentos elevados e crescimento econômico para todos, sobretudo e especialmente para os mais pobres.”

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