Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, professor do IDP, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e o primeiro diretor executivo da IFI. Felipe Scudeler Salto escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Ciro está errado sobre os precatórios


O STF decidiu corretamente ao brecar a descida da bola de neve pela montanha. O governo agiu acertadamente ao cumprir a decisão

Por Felipe Salto

Já votei em Ciro Gomes e nutro admiração pelo seu estilo aguerrido e combativo. O ex-governador e ex-ministro tem muita experiência e colaborou bastante para o debate público e a elaboração de políticas públicas no Ceará e no Brasil. Na questão dos precatórios, entretanto, discordo de Ciro em suas recentes avaliações.

Quando da promulgação das Emendas Constitucionais n.º 113 e n.º 114, derivadas da famigerada PEC dos Precatórios, avaliei que o limite estabelecido pelo artigo 107-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) teria efeitos deletérios sobre as contas públicas. Chamei aquilo de bola de neve, o que rendeu um desenho do saudoso Paulo Caruso na entrevista que concedi em dezembro de 2021 ao Roda Viva, na TV Cultura, com a frase pescada da minha resposta à jornalista Vera Magalhães, âncora do programa: “PEC é bola de neve rolando a montanha”.

O precatório é uma dívida pública derivada de decisão judicial. Para ter claro: o juiz manda pagar e estipula o prazo. A ordem não pode ser desobedecida. A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.º 101, de 2000) determina, inclusive, que todo precatório expedido não pago na data determinada pela Justiça seja contabilizado na chamada dívida consolidada do respectivo ente federado. A meu ver, como já defendi neste espaço, aliás, em artigo escrito em parceria com o professor Fernando Facury Scaff, todo e qualquer precatório tem essa mesma natureza. Agora me lembrei de Leonel Brizola: “Tem cara de jacaré, rabo de jacaré e boca de jacaré, e não é jacaré?”.

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Se os precatórios não pagos no prazo fossem contabilizados como dívida pública, então, contabilmente, as despesas realizadas quando do seu pagamento seriam financeiras, e não primárias. Isso porque teriam como contrapartida a baixa no passivo. É como ocorre quando são pagos o principal mais os juros dos títulos públicos, no seu vencimento, para os detentores dos papéis. A despesa é realizada, mas o passivo, a dívida do Estado, cai. Não se trata só de um tópico contábil, antes que venham os colegas economistas com quatro pedras na mão, como se contabilidade pública fosse coisa menor.

A questão é intrincada. Primeiro, decisão judicial, num país sério, se cumpre. Os precatórios, portanto, todos derivados de decisões judiciais, devem ser pagos e ponto final. Foi assim que o Supremo Tribunal Federal (STF) fulminou a PEC do Calote, na verdade, o texto do artigo mencionado que estabelecia um limite para o pagamento dos precatórios. O efeito daquele teto era jogar para a frente o excedente, em efeito bola de neve que atingiria prováveis R$ 300 bilhões até 2027. Calote puro.

A justificativa tinha duas pernas: a falta de controle desse gasto, que emana de decisão judicial e, portanto, não pode ser comandado pelo Executivo; e o seu crescimento exponencial observado nos últimos anos. Quanto a isso, falta, na verdade, planejamento. A Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) fazem um trabalho primoroso, pautado por excepcional qualidade técnica, e alertam o governo sobre os riscos, classificando as ações judiciais quanto à probabilidade de perda e o valor envolvido. Conheci o trabalho quando estive à frente da Instituição Fiscal Independente (IFI). Isso já aparece em boa medida no Balanço Geral da União e no Anexo de Riscos Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias, ano a ano. É preciso, isto sim, criar um sistema de monitoramento, como propus em 2021.

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Como conciliar a boa gestão fiscal, sob princípios adequados de planejamento orçamentário e econômico e sob regras fiscais, à dinâmica dos precatórios? A saída contábil, a meu ver, é a que descrevi acima. De rigor, nada de usar o espaço eventualmente gerado no resultado primário para torrar. Todo o espaço seria destinado à amortização da dívida pública. Um dispositivo simples na LRF resolveria essa grande preocupação, de fato, da qual compactuo. Fato é que para tudo há solução, a não ser para a morte.

Mas o ponto de Ciro Gomes é outro. Ele está preocupado com o pagamento feito a toque de caixa, no final do ano passado, para instituições que adquiriram o direito de receber junto dos precatoristas, com deságio. Por partes. Se o direito de receber foi negociado pelo precatorista, trata-se de decisão individual. Ele preferiu a liquidez em troca de um pedaço do seu precatório. A outra parte assumiu o custo de esperar para receber. Não há nada de ilegítimo ou ilegal nisso. Errado é defender que não se pague um precatório. Sob qual justificativa? Descumprir uma decisão judicial que determinou, por exemplo, o direito a um benefício de aposentadoria mal calculado, a um valor por serviço prestado ao poder público, a um auxílio-alimentação de um servidor etc.?

O STF decidiu corretamente ao brecar a descida da bola de neve pela montanha. O governo agiu acertadamente ao cumprir a decisão. Problema resolvido? Longe disso. É hora de moldar um sistema de monitoramento para os precatórios e promover a mudança contábil que temos defendido há algum tempo. Há outras possibilidades sobre a mesa. Vamos discuti-las.

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ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN INVESTIMENTOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Já votei em Ciro Gomes e nutro admiração pelo seu estilo aguerrido e combativo. O ex-governador e ex-ministro tem muita experiência e colaborou bastante para o debate público e a elaboração de políticas públicas no Ceará e no Brasil. Na questão dos precatórios, entretanto, discordo de Ciro em suas recentes avaliações.

Quando da promulgação das Emendas Constitucionais n.º 113 e n.º 114, derivadas da famigerada PEC dos Precatórios, avaliei que o limite estabelecido pelo artigo 107-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) teria efeitos deletérios sobre as contas públicas. Chamei aquilo de bola de neve, o que rendeu um desenho do saudoso Paulo Caruso na entrevista que concedi em dezembro de 2021 ao Roda Viva, na TV Cultura, com a frase pescada da minha resposta à jornalista Vera Magalhães, âncora do programa: “PEC é bola de neve rolando a montanha”.

O precatório é uma dívida pública derivada de decisão judicial. Para ter claro: o juiz manda pagar e estipula o prazo. A ordem não pode ser desobedecida. A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.º 101, de 2000) determina, inclusive, que todo precatório expedido não pago na data determinada pela Justiça seja contabilizado na chamada dívida consolidada do respectivo ente federado. A meu ver, como já defendi neste espaço, aliás, em artigo escrito em parceria com o professor Fernando Facury Scaff, todo e qualquer precatório tem essa mesma natureza. Agora me lembrei de Leonel Brizola: “Tem cara de jacaré, rabo de jacaré e boca de jacaré, e não é jacaré?”.

Se os precatórios não pagos no prazo fossem contabilizados como dívida pública, então, contabilmente, as despesas realizadas quando do seu pagamento seriam financeiras, e não primárias. Isso porque teriam como contrapartida a baixa no passivo. É como ocorre quando são pagos o principal mais os juros dos títulos públicos, no seu vencimento, para os detentores dos papéis. A despesa é realizada, mas o passivo, a dívida do Estado, cai. Não se trata só de um tópico contábil, antes que venham os colegas economistas com quatro pedras na mão, como se contabilidade pública fosse coisa menor.

A questão é intrincada. Primeiro, decisão judicial, num país sério, se cumpre. Os precatórios, portanto, todos derivados de decisões judiciais, devem ser pagos e ponto final. Foi assim que o Supremo Tribunal Federal (STF) fulminou a PEC do Calote, na verdade, o texto do artigo mencionado que estabelecia um limite para o pagamento dos precatórios. O efeito daquele teto era jogar para a frente o excedente, em efeito bola de neve que atingiria prováveis R$ 300 bilhões até 2027. Calote puro.

A justificativa tinha duas pernas: a falta de controle desse gasto, que emana de decisão judicial e, portanto, não pode ser comandado pelo Executivo; e o seu crescimento exponencial observado nos últimos anos. Quanto a isso, falta, na verdade, planejamento. A Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) fazem um trabalho primoroso, pautado por excepcional qualidade técnica, e alertam o governo sobre os riscos, classificando as ações judiciais quanto à probabilidade de perda e o valor envolvido. Conheci o trabalho quando estive à frente da Instituição Fiscal Independente (IFI). Isso já aparece em boa medida no Balanço Geral da União e no Anexo de Riscos Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias, ano a ano. É preciso, isto sim, criar um sistema de monitoramento, como propus em 2021.

Como conciliar a boa gestão fiscal, sob princípios adequados de planejamento orçamentário e econômico e sob regras fiscais, à dinâmica dos precatórios? A saída contábil, a meu ver, é a que descrevi acima. De rigor, nada de usar o espaço eventualmente gerado no resultado primário para torrar. Todo o espaço seria destinado à amortização da dívida pública. Um dispositivo simples na LRF resolveria essa grande preocupação, de fato, da qual compactuo. Fato é que para tudo há solução, a não ser para a morte.

Mas o ponto de Ciro Gomes é outro. Ele está preocupado com o pagamento feito a toque de caixa, no final do ano passado, para instituições que adquiriram o direito de receber junto dos precatoristas, com deságio. Por partes. Se o direito de receber foi negociado pelo precatorista, trata-se de decisão individual. Ele preferiu a liquidez em troca de um pedaço do seu precatório. A outra parte assumiu o custo de esperar para receber. Não há nada de ilegítimo ou ilegal nisso. Errado é defender que não se pague um precatório. Sob qual justificativa? Descumprir uma decisão judicial que determinou, por exemplo, o direito a um benefício de aposentadoria mal calculado, a um valor por serviço prestado ao poder público, a um auxílio-alimentação de um servidor etc.?

O STF decidiu corretamente ao brecar a descida da bola de neve pela montanha. O governo agiu acertadamente ao cumprir a decisão. Problema resolvido? Longe disso. É hora de moldar um sistema de monitoramento para os precatórios e promover a mudança contábil que temos defendido há algum tempo. Há outras possibilidades sobre a mesa. Vamos discuti-las.

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Já votei em Ciro Gomes e nutro admiração pelo seu estilo aguerrido e combativo. O ex-governador e ex-ministro tem muita experiência e colaborou bastante para o debate público e a elaboração de políticas públicas no Ceará e no Brasil. Na questão dos precatórios, entretanto, discordo de Ciro em suas recentes avaliações.

Quando da promulgação das Emendas Constitucionais n.º 113 e n.º 114, derivadas da famigerada PEC dos Precatórios, avaliei que o limite estabelecido pelo artigo 107-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) teria efeitos deletérios sobre as contas públicas. Chamei aquilo de bola de neve, o que rendeu um desenho do saudoso Paulo Caruso na entrevista que concedi em dezembro de 2021 ao Roda Viva, na TV Cultura, com a frase pescada da minha resposta à jornalista Vera Magalhães, âncora do programa: “PEC é bola de neve rolando a montanha”.

O precatório é uma dívida pública derivada de decisão judicial. Para ter claro: o juiz manda pagar e estipula o prazo. A ordem não pode ser desobedecida. A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.º 101, de 2000) determina, inclusive, que todo precatório expedido não pago na data determinada pela Justiça seja contabilizado na chamada dívida consolidada do respectivo ente federado. A meu ver, como já defendi neste espaço, aliás, em artigo escrito em parceria com o professor Fernando Facury Scaff, todo e qualquer precatório tem essa mesma natureza. Agora me lembrei de Leonel Brizola: “Tem cara de jacaré, rabo de jacaré e boca de jacaré, e não é jacaré?”.

Se os precatórios não pagos no prazo fossem contabilizados como dívida pública, então, contabilmente, as despesas realizadas quando do seu pagamento seriam financeiras, e não primárias. Isso porque teriam como contrapartida a baixa no passivo. É como ocorre quando são pagos o principal mais os juros dos títulos públicos, no seu vencimento, para os detentores dos papéis. A despesa é realizada, mas o passivo, a dívida do Estado, cai. Não se trata só de um tópico contábil, antes que venham os colegas economistas com quatro pedras na mão, como se contabilidade pública fosse coisa menor.

A questão é intrincada. Primeiro, decisão judicial, num país sério, se cumpre. Os precatórios, portanto, todos derivados de decisões judiciais, devem ser pagos e ponto final. Foi assim que o Supremo Tribunal Federal (STF) fulminou a PEC do Calote, na verdade, o texto do artigo mencionado que estabelecia um limite para o pagamento dos precatórios. O efeito daquele teto era jogar para a frente o excedente, em efeito bola de neve que atingiria prováveis R$ 300 bilhões até 2027. Calote puro.

A justificativa tinha duas pernas: a falta de controle desse gasto, que emana de decisão judicial e, portanto, não pode ser comandado pelo Executivo; e o seu crescimento exponencial observado nos últimos anos. Quanto a isso, falta, na verdade, planejamento. A Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) fazem um trabalho primoroso, pautado por excepcional qualidade técnica, e alertam o governo sobre os riscos, classificando as ações judiciais quanto à probabilidade de perda e o valor envolvido. Conheci o trabalho quando estive à frente da Instituição Fiscal Independente (IFI). Isso já aparece em boa medida no Balanço Geral da União e no Anexo de Riscos Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias, ano a ano. É preciso, isto sim, criar um sistema de monitoramento, como propus em 2021.

Como conciliar a boa gestão fiscal, sob princípios adequados de planejamento orçamentário e econômico e sob regras fiscais, à dinâmica dos precatórios? A saída contábil, a meu ver, é a que descrevi acima. De rigor, nada de usar o espaço eventualmente gerado no resultado primário para torrar. Todo o espaço seria destinado à amortização da dívida pública. Um dispositivo simples na LRF resolveria essa grande preocupação, de fato, da qual compactuo. Fato é que para tudo há solução, a não ser para a morte.

Mas o ponto de Ciro Gomes é outro. Ele está preocupado com o pagamento feito a toque de caixa, no final do ano passado, para instituições que adquiriram o direito de receber junto dos precatoristas, com deságio. Por partes. Se o direito de receber foi negociado pelo precatorista, trata-se de decisão individual. Ele preferiu a liquidez em troca de um pedaço do seu precatório. A outra parte assumiu o custo de esperar para receber. Não há nada de ilegítimo ou ilegal nisso. Errado é defender que não se pague um precatório. Sob qual justificativa? Descumprir uma decisão judicial que determinou, por exemplo, o direito a um benefício de aposentadoria mal calculado, a um valor por serviço prestado ao poder público, a um auxílio-alimentação de um servidor etc.?

O STF decidiu corretamente ao brecar a descida da bola de neve pela montanha. O governo agiu acertadamente ao cumprir a decisão. Problema resolvido? Longe disso. É hora de moldar um sistema de monitoramento para os precatórios e promover a mudança contábil que temos defendido há algum tempo. Há outras possibilidades sobre a mesa. Vamos discuti-las.

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ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN INVESTIMENTOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Já votei em Ciro Gomes e nutro admiração pelo seu estilo aguerrido e combativo. O ex-governador e ex-ministro tem muita experiência e colaborou bastante para o debate público e a elaboração de políticas públicas no Ceará e no Brasil. Na questão dos precatórios, entretanto, discordo de Ciro em suas recentes avaliações.

Quando da promulgação das Emendas Constitucionais n.º 113 e n.º 114, derivadas da famigerada PEC dos Precatórios, avaliei que o limite estabelecido pelo artigo 107-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) teria efeitos deletérios sobre as contas públicas. Chamei aquilo de bola de neve, o que rendeu um desenho do saudoso Paulo Caruso na entrevista que concedi em dezembro de 2021 ao Roda Viva, na TV Cultura, com a frase pescada da minha resposta à jornalista Vera Magalhães, âncora do programa: “PEC é bola de neve rolando a montanha”.

O precatório é uma dívida pública derivada de decisão judicial. Para ter claro: o juiz manda pagar e estipula o prazo. A ordem não pode ser desobedecida. A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.º 101, de 2000) determina, inclusive, que todo precatório expedido não pago na data determinada pela Justiça seja contabilizado na chamada dívida consolidada do respectivo ente federado. A meu ver, como já defendi neste espaço, aliás, em artigo escrito em parceria com o professor Fernando Facury Scaff, todo e qualquer precatório tem essa mesma natureza. Agora me lembrei de Leonel Brizola: “Tem cara de jacaré, rabo de jacaré e boca de jacaré, e não é jacaré?”.

Se os precatórios não pagos no prazo fossem contabilizados como dívida pública, então, contabilmente, as despesas realizadas quando do seu pagamento seriam financeiras, e não primárias. Isso porque teriam como contrapartida a baixa no passivo. É como ocorre quando são pagos o principal mais os juros dos títulos públicos, no seu vencimento, para os detentores dos papéis. A despesa é realizada, mas o passivo, a dívida do Estado, cai. Não se trata só de um tópico contábil, antes que venham os colegas economistas com quatro pedras na mão, como se contabilidade pública fosse coisa menor.

A questão é intrincada. Primeiro, decisão judicial, num país sério, se cumpre. Os precatórios, portanto, todos derivados de decisões judiciais, devem ser pagos e ponto final. Foi assim que o Supremo Tribunal Federal (STF) fulminou a PEC do Calote, na verdade, o texto do artigo mencionado que estabelecia um limite para o pagamento dos precatórios. O efeito daquele teto era jogar para a frente o excedente, em efeito bola de neve que atingiria prováveis R$ 300 bilhões até 2027. Calote puro.

A justificativa tinha duas pernas: a falta de controle desse gasto, que emana de decisão judicial e, portanto, não pode ser comandado pelo Executivo; e o seu crescimento exponencial observado nos últimos anos. Quanto a isso, falta, na verdade, planejamento. A Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) fazem um trabalho primoroso, pautado por excepcional qualidade técnica, e alertam o governo sobre os riscos, classificando as ações judiciais quanto à probabilidade de perda e o valor envolvido. Conheci o trabalho quando estive à frente da Instituição Fiscal Independente (IFI). Isso já aparece em boa medida no Balanço Geral da União e no Anexo de Riscos Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias, ano a ano. É preciso, isto sim, criar um sistema de monitoramento, como propus em 2021.

Como conciliar a boa gestão fiscal, sob princípios adequados de planejamento orçamentário e econômico e sob regras fiscais, à dinâmica dos precatórios? A saída contábil, a meu ver, é a que descrevi acima. De rigor, nada de usar o espaço eventualmente gerado no resultado primário para torrar. Todo o espaço seria destinado à amortização da dívida pública. Um dispositivo simples na LRF resolveria essa grande preocupação, de fato, da qual compactuo. Fato é que para tudo há solução, a não ser para a morte.

Mas o ponto de Ciro Gomes é outro. Ele está preocupado com o pagamento feito a toque de caixa, no final do ano passado, para instituições que adquiriram o direito de receber junto dos precatoristas, com deságio. Por partes. Se o direito de receber foi negociado pelo precatorista, trata-se de decisão individual. Ele preferiu a liquidez em troca de um pedaço do seu precatório. A outra parte assumiu o custo de esperar para receber. Não há nada de ilegítimo ou ilegal nisso. Errado é defender que não se pague um precatório. Sob qual justificativa? Descumprir uma decisão judicial que determinou, por exemplo, o direito a um benefício de aposentadoria mal calculado, a um valor por serviço prestado ao poder público, a um auxílio-alimentação de um servidor etc.?

O STF decidiu corretamente ao brecar a descida da bola de neve pela montanha. O governo agiu acertadamente ao cumprir a decisão. Problema resolvido? Longe disso. É hora de moldar um sistema de monitoramento para os precatórios e promover a mudança contábil que temos defendido há algum tempo. Há outras possibilidades sobre a mesa. Vamos discuti-las.

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