Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, professor do IDP, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e o primeiro diretor executivo da IFI. Felipe Scudeler Salto escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Contra a Agência Centralizadora do IBS


A quem aproveita uma entidade megalômana e mal-ajambrada, sem chance de funcionar a contento para cuidar de tantas tarefas, a não ser com grau máximo de centralização?

Por Felipe Salto

No artigo da última quinzena, apresentei estimativas para as alíquotas da CBS e do IBS, tributos que comporão o chamado Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) dual. O primeiro, da União; o segundo, dos Estados e municípios. Esse foi um dos oito problemas listados no meu penúltimo texto neste espaço: A missão inescapável do Senado, de 20 de julho de 2023. Hoje falarei de um segundo item daquela lista: o Conselho Federativo, antes denominado Agência Centralizadora, alcunha bem mais sincera e apropriada.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 45, de 2019, prevê a criação de uma entidade para comandar o IBS. Esse imposto subnacional substituirá o ISS (municipal) e o ICMS (estadual) e será normatizado, regulamentado, arrecadado e partilhado pelo Conselho Federativo, composto de 54 membros e financiado, logo de início, pelo IBS (alíquota de 0,1% a partir de 2026). O órgão vai, ainda, dirimir conflitos e coordenar o trabalho das Administrações Tributárias atuais.

A Conta do Conselho Federativo vai centralizar a arrecadação do IBS proveniente de todas as operações com bens e serviços. O conselho também remeterá as receitas para o destino (consumo final). Por sua vez, o destino só daria as caras em 2033, a partir da extinção do ICMS, que no final de 2032 ainda apresentaria alíquotas equivalentes a 60% das atuais! A transição completa, chamada federativa, só em 2078. Argumenta-se que, com a tributação no destino das operações interestaduais, surgiria o risco de não repasse das receitas pertencentes ao Estado de destino pelo de origem. Solução: tipifique-se a referida conduta como crime de responsabilidade. Não é preciso um conselho estrambólico e quase paternalista, nesse aspecto.

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Uma regulamentação geral bem feita do IBS, por meio de lei complementar, é o que deveríamos estar discutindo. Deve-se preservar a lógica de um IBS coeso, mas sem dinamitar a Federação, como quer a Agência Centralizadora. Cada Estado arrecada seu imposto e o regulamenta, sujeito às regras gerais. É para isso a reforma; não para centralizar tudo, via emenda constitucional, ainda que de modo eufemístico, como o é, aliás, o novo nome da agência: Conselho Federativo. Façamos o debate da lei complementar já. Não há como apartar essa discussão da formulação da PEC.

Da mesma maneira, a partilha de receitas para os municípios prescinde de agência central ou coisa equivalente. Hoje os Estados já realizam a distribuição da cota-parte do ICMS. É evidente que o volume de recursos aumentará, pois o IBS conterá o antigo ISS. A lógica, no entanto, será a mesma. No limite, 27 contas, e não uma conta central, resolveriam a questão. Cada Estado coordena a partilha com os respectivos municípios. Por que não? Argumenta-se: “Mas aí a autonomia dos municípios seria afetada”. Ora, mas isso partindo de quem defende uma Agência Centralizadora para todos governar, como “o anel” do Bilbo Bolseiro?

O conselho também cuidaria dos chamados créditos tributários. Os consumidores das etapas intermediárias de cada processo produtivo receberiam seus créditos, com vistas à não cumulatividade. Para ter claro, os insumos consumidos para produzir bens e serviços finais gerariam créditos tributários, isto é, direitos para os contribuintes. Esses recursos seriam, então, pagos pelo Conselho Federativo diretamente.

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Vale dizer, a garantia da devolução de créditos é algo intrínseco ao IVA, o que hoje não ocorre a contento no ICMS. Por outro lado, registre-se o avanço ocorrido em São Paulo, no ano passado, quando aprimoramos o programa Nos Conformes para acelerar a devolução dos créditos acumulados. Terminamos o ano com 70% a mais de créditos devolvidos em relação ao planejado. Longe do ideal, mas uma medida que proveu liquidez, irrigando investimentos. Tanto é assim que foi mantida.

Questiono a ideia de colocar essa tarefa tão essencial nas mãos de uma entidade estranha ao Executivo de cada ente federado. Os Estados deveriam, a meu ver, gerenciar as devoluções dos respectivos créditos apurados, após a devida fiscalização das notas emitidas. Vamo-nos entender: as Administrações Tributárias e as Procuradorias Estaduais, sob o comando dos respectivos chefes do Executivo e de seus auxiliares, atuariam para preservar o bom funcionamento do novo sistema de IVA subnacional. O modelo do conselho, ao contrário, estimularia uma enxurrada de notas fraudadas geradoras de créditos podres, podendo levar a pagamentos indevidos pelo Conselho Federativo.

Estabeleçam-se prazos para essa tarefa, por óbvio. A quem aproveita uma entidade megalômana e mal-ajambrada, sem chance alguma de funcionar a contento para cuidar de tantas tarefas, simultaneamente, a não ser com grau máximo de centralização? Neste caso, caberia perguntar: ainda caberia falar em Federação?

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As correções preconizadas por uma reforma tributária do consumo deveriam ser: o fim da guerra fiscal, a migração da tributação para o destino e a simplificação. Nada disso está garantido com o texto atual da PEC 45, sobretudo quando o principal tributo, o gigantesco IBS, poderá ser comandado por uma Agência Centralizadora com tantos problemas econômicos e federativos. Ainda há tempo para evitar essa má ideia.

*

ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA CORRETORA WARREN RENA, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO (2022)

No artigo da última quinzena, apresentei estimativas para as alíquotas da CBS e do IBS, tributos que comporão o chamado Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) dual. O primeiro, da União; o segundo, dos Estados e municípios. Esse foi um dos oito problemas listados no meu penúltimo texto neste espaço: A missão inescapável do Senado, de 20 de julho de 2023. Hoje falarei de um segundo item daquela lista: o Conselho Federativo, antes denominado Agência Centralizadora, alcunha bem mais sincera e apropriada.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 45, de 2019, prevê a criação de uma entidade para comandar o IBS. Esse imposto subnacional substituirá o ISS (municipal) e o ICMS (estadual) e será normatizado, regulamentado, arrecadado e partilhado pelo Conselho Federativo, composto de 54 membros e financiado, logo de início, pelo IBS (alíquota de 0,1% a partir de 2026). O órgão vai, ainda, dirimir conflitos e coordenar o trabalho das Administrações Tributárias atuais.

A Conta do Conselho Federativo vai centralizar a arrecadação do IBS proveniente de todas as operações com bens e serviços. O conselho também remeterá as receitas para o destino (consumo final). Por sua vez, o destino só daria as caras em 2033, a partir da extinção do ICMS, que no final de 2032 ainda apresentaria alíquotas equivalentes a 60% das atuais! A transição completa, chamada federativa, só em 2078. Argumenta-se que, com a tributação no destino das operações interestaduais, surgiria o risco de não repasse das receitas pertencentes ao Estado de destino pelo de origem. Solução: tipifique-se a referida conduta como crime de responsabilidade. Não é preciso um conselho estrambólico e quase paternalista, nesse aspecto.

Uma regulamentação geral bem feita do IBS, por meio de lei complementar, é o que deveríamos estar discutindo. Deve-se preservar a lógica de um IBS coeso, mas sem dinamitar a Federação, como quer a Agência Centralizadora. Cada Estado arrecada seu imposto e o regulamenta, sujeito às regras gerais. É para isso a reforma; não para centralizar tudo, via emenda constitucional, ainda que de modo eufemístico, como o é, aliás, o novo nome da agência: Conselho Federativo. Façamos o debate da lei complementar já. Não há como apartar essa discussão da formulação da PEC.

Da mesma maneira, a partilha de receitas para os municípios prescinde de agência central ou coisa equivalente. Hoje os Estados já realizam a distribuição da cota-parte do ICMS. É evidente que o volume de recursos aumentará, pois o IBS conterá o antigo ISS. A lógica, no entanto, será a mesma. No limite, 27 contas, e não uma conta central, resolveriam a questão. Cada Estado coordena a partilha com os respectivos municípios. Por que não? Argumenta-se: “Mas aí a autonomia dos municípios seria afetada”. Ora, mas isso partindo de quem defende uma Agência Centralizadora para todos governar, como “o anel” do Bilbo Bolseiro?

O conselho também cuidaria dos chamados créditos tributários. Os consumidores das etapas intermediárias de cada processo produtivo receberiam seus créditos, com vistas à não cumulatividade. Para ter claro, os insumos consumidos para produzir bens e serviços finais gerariam créditos tributários, isto é, direitos para os contribuintes. Esses recursos seriam, então, pagos pelo Conselho Federativo diretamente.

Vale dizer, a garantia da devolução de créditos é algo intrínseco ao IVA, o que hoje não ocorre a contento no ICMS. Por outro lado, registre-se o avanço ocorrido em São Paulo, no ano passado, quando aprimoramos o programa Nos Conformes para acelerar a devolução dos créditos acumulados. Terminamos o ano com 70% a mais de créditos devolvidos em relação ao planejado. Longe do ideal, mas uma medida que proveu liquidez, irrigando investimentos. Tanto é assim que foi mantida.

Questiono a ideia de colocar essa tarefa tão essencial nas mãos de uma entidade estranha ao Executivo de cada ente federado. Os Estados deveriam, a meu ver, gerenciar as devoluções dos respectivos créditos apurados, após a devida fiscalização das notas emitidas. Vamo-nos entender: as Administrações Tributárias e as Procuradorias Estaduais, sob o comando dos respectivos chefes do Executivo e de seus auxiliares, atuariam para preservar o bom funcionamento do novo sistema de IVA subnacional. O modelo do conselho, ao contrário, estimularia uma enxurrada de notas fraudadas geradoras de créditos podres, podendo levar a pagamentos indevidos pelo Conselho Federativo.

Estabeleçam-se prazos para essa tarefa, por óbvio. A quem aproveita uma entidade megalômana e mal-ajambrada, sem chance alguma de funcionar a contento para cuidar de tantas tarefas, simultaneamente, a não ser com grau máximo de centralização? Neste caso, caberia perguntar: ainda caberia falar em Federação?

As correções preconizadas por uma reforma tributária do consumo deveriam ser: o fim da guerra fiscal, a migração da tributação para o destino e a simplificação. Nada disso está garantido com o texto atual da PEC 45, sobretudo quando o principal tributo, o gigantesco IBS, poderá ser comandado por uma Agência Centralizadora com tantos problemas econômicos e federativos. Ainda há tempo para evitar essa má ideia.

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ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA CORRETORA WARREN RENA, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO (2022)

No artigo da última quinzena, apresentei estimativas para as alíquotas da CBS e do IBS, tributos que comporão o chamado Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) dual. O primeiro, da União; o segundo, dos Estados e municípios. Esse foi um dos oito problemas listados no meu penúltimo texto neste espaço: A missão inescapável do Senado, de 20 de julho de 2023. Hoje falarei de um segundo item daquela lista: o Conselho Federativo, antes denominado Agência Centralizadora, alcunha bem mais sincera e apropriada.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 45, de 2019, prevê a criação de uma entidade para comandar o IBS. Esse imposto subnacional substituirá o ISS (municipal) e o ICMS (estadual) e será normatizado, regulamentado, arrecadado e partilhado pelo Conselho Federativo, composto de 54 membros e financiado, logo de início, pelo IBS (alíquota de 0,1% a partir de 2026). O órgão vai, ainda, dirimir conflitos e coordenar o trabalho das Administrações Tributárias atuais.

A Conta do Conselho Federativo vai centralizar a arrecadação do IBS proveniente de todas as operações com bens e serviços. O conselho também remeterá as receitas para o destino (consumo final). Por sua vez, o destino só daria as caras em 2033, a partir da extinção do ICMS, que no final de 2032 ainda apresentaria alíquotas equivalentes a 60% das atuais! A transição completa, chamada federativa, só em 2078. Argumenta-se que, com a tributação no destino das operações interestaduais, surgiria o risco de não repasse das receitas pertencentes ao Estado de destino pelo de origem. Solução: tipifique-se a referida conduta como crime de responsabilidade. Não é preciso um conselho estrambólico e quase paternalista, nesse aspecto.

Uma regulamentação geral bem feita do IBS, por meio de lei complementar, é o que deveríamos estar discutindo. Deve-se preservar a lógica de um IBS coeso, mas sem dinamitar a Federação, como quer a Agência Centralizadora. Cada Estado arrecada seu imposto e o regulamenta, sujeito às regras gerais. É para isso a reforma; não para centralizar tudo, via emenda constitucional, ainda que de modo eufemístico, como o é, aliás, o novo nome da agência: Conselho Federativo. Façamos o debate da lei complementar já. Não há como apartar essa discussão da formulação da PEC.

Da mesma maneira, a partilha de receitas para os municípios prescinde de agência central ou coisa equivalente. Hoje os Estados já realizam a distribuição da cota-parte do ICMS. É evidente que o volume de recursos aumentará, pois o IBS conterá o antigo ISS. A lógica, no entanto, será a mesma. No limite, 27 contas, e não uma conta central, resolveriam a questão. Cada Estado coordena a partilha com os respectivos municípios. Por que não? Argumenta-se: “Mas aí a autonomia dos municípios seria afetada”. Ora, mas isso partindo de quem defende uma Agência Centralizadora para todos governar, como “o anel” do Bilbo Bolseiro?

O conselho também cuidaria dos chamados créditos tributários. Os consumidores das etapas intermediárias de cada processo produtivo receberiam seus créditos, com vistas à não cumulatividade. Para ter claro, os insumos consumidos para produzir bens e serviços finais gerariam créditos tributários, isto é, direitos para os contribuintes. Esses recursos seriam, então, pagos pelo Conselho Federativo diretamente.

Vale dizer, a garantia da devolução de créditos é algo intrínseco ao IVA, o que hoje não ocorre a contento no ICMS. Por outro lado, registre-se o avanço ocorrido em São Paulo, no ano passado, quando aprimoramos o programa Nos Conformes para acelerar a devolução dos créditos acumulados. Terminamos o ano com 70% a mais de créditos devolvidos em relação ao planejado. Longe do ideal, mas uma medida que proveu liquidez, irrigando investimentos. Tanto é assim que foi mantida.

Questiono a ideia de colocar essa tarefa tão essencial nas mãos de uma entidade estranha ao Executivo de cada ente federado. Os Estados deveriam, a meu ver, gerenciar as devoluções dos respectivos créditos apurados, após a devida fiscalização das notas emitidas. Vamo-nos entender: as Administrações Tributárias e as Procuradorias Estaduais, sob o comando dos respectivos chefes do Executivo e de seus auxiliares, atuariam para preservar o bom funcionamento do novo sistema de IVA subnacional. O modelo do conselho, ao contrário, estimularia uma enxurrada de notas fraudadas geradoras de créditos podres, podendo levar a pagamentos indevidos pelo Conselho Federativo.

Estabeleçam-se prazos para essa tarefa, por óbvio. A quem aproveita uma entidade megalômana e mal-ajambrada, sem chance alguma de funcionar a contento para cuidar de tantas tarefas, simultaneamente, a não ser com grau máximo de centralização? Neste caso, caberia perguntar: ainda caberia falar em Federação?

As correções preconizadas por uma reforma tributária do consumo deveriam ser: o fim da guerra fiscal, a migração da tributação para o destino e a simplificação. Nada disso está garantido com o texto atual da PEC 45, sobretudo quando o principal tributo, o gigantesco IBS, poderá ser comandado por uma Agência Centralizadora com tantos problemas econômicos e federativos. Ainda há tempo para evitar essa má ideia.

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ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA CORRETORA WARREN RENA, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO (2022)

No artigo da última quinzena, apresentei estimativas para as alíquotas da CBS e do IBS, tributos que comporão o chamado Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) dual. O primeiro, da União; o segundo, dos Estados e municípios. Esse foi um dos oito problemas listados no meu penúltimo texto neste espaço: A missão inescapável do Senado, de 20 de julho de 2023. Hoje falarei de um segundo item daquela lista: o Conselho Federativo, antes denominado Agência Centralizadora, alcunha bem mais sincera e apropriada.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 45, de 2019, prevê a criação de uma entidade para comandar o IBS. Esse imposto subnacional substituirá o ISS (municipal) e o ICMS (estadual) e será normatizado, regulamentado, arrecadado e partilhado pelo Conselho Federativo, composto de 54 membros e financiado, logo de início, pelo IBS (alíquota de 0,1% a partir de 2026). O órgão vai, ainda, dirimir conflitos e coordenar o trabalho das Administrações Tributárias atuais.

A Conta do Conselho Federativo vai centralizar a arrecadação do IBS proveniente de todas as operações com bens e serviços. O conselho também remeterá as receitas para o destino (consumo final). Por sua vez, o destino só daria as caras em 2033, a partir da extinção do ICMS, que no final de 2032 ainda apresentaria alíquotas equivalentes a 60% das atuais! A transição completa, chamada federativa, só em 2078. Argumenta-se que, com a tributação no destino das operações interestaduais, surgiria o risco de não repasse das receitas pertencentes ao Estado de destino pelo de origem. Solução: tipifique-se a referida conduta como crime de responsabilidade. Não é preciso um conselho estrambólico e quase paternalista, nesse aspecto.

Uma regulamentação geral bem feita do IBS, por meio de lei complementar, é o que deveríamos estar discutindo. Deve-se preservar a lógica de um IBS coeso, mas sem dinamitar a Federação, como quer a Agência Centralizadora. Cada Estado arrecada seu imposto e o regulamenta, sujeito às regras gerais. É para isso a reforma; não para centralizar tudo, via emenda constitucional, ainda que de modo eufemístico, como o é, aliás, o novo nome da agência: Conselho Federativo. Façamos o debate da lei complementar já. Não há como apartar essa discussão da formulação da PEC.

Da mesma maneira, a partilha de receitas para os municípios prescinde de agência central ou coisa equivalente. Hoje os Estados já realizam a distribuição da cota-parte do ICMS. É evidente que o volume de recursos aumentará, pois o IBS conterá o antigo ISS. A lógica, no entanto, será a mesma. No limite, 27 contas, e não uma conta central, resolveriam a questão. Cada Estado coordena a partilha com os respectivos municípios. Por que não? Argumenta-se: “Mas aí a autonomia dos municípios seria afetada”. Ora, mas isso partindo de quem defende uma Agência Centralizadora para todos governar, como “o anel” do Bilbo Bolseiro?

O conselho também cuidaria dos chamados créditos tributários. Os consumidores das etapas intermediárias de cada processo produtivo receberiam seus créditos, com vistas à não cumulatividade. Para ter claro, os insumos consumidos para produzir bens e serviços finais gerariam créditos tributários, isto é, direitos para os contribuintes. Esses recursos seriam, então, pagos pelo Conselho Federativo diretamente.

Vale dizer, a garantia da devolução de créditos é algo intrínseco ao IVA, o que hoje não ocorre a contento no ICMS. Por outro lado, registre-se o avanço ocorrido em São Paulo, no ano passado, quando aprimoramos o programa Nos Conformes para acelerar a devolução dos créditos acumulados. Terminamos o ano com 70% a mais de créditos devolvidos em relação ao planejado. Longe do ideal, mas uma medida que proveu liquidez, irrigando investimentos. Tanto é assim que foi mantida.

Questiono a ideia de colocar essa tarefa tão essencial nas mãos de uma entidade estranha ao Executivo de cada ente federado. Os Estados deveriam, a meu ver, gerenciar as devoluções dos respectivos créditos apurados, após a devida fiscalização das notas emitidas. Vamo-nos entender: as Administrações Tributárias e as Procuradorias Estaduais, sob o comando dos respectivos chefes do Executivo e de seus auxiliares, atuariam para preservar o bom funcionamento do novo sistema de IVA subnacional. O modelo do conselho, ao contrário, estimularia uma enxurrada de notas fraudadas geradoras de créditos podres, podendo levar a pagamentos indevidos pelo Conselho Federativo.

Estabeleçam-se prazos para essa tarefa, por óbvio. A quem aproveita uma entidade megalômana e mal-ajambrada, sem chance alguma de funcionar a contento para cuidar de tantas tarefas, simultaneamente, a não ser com grau máximo de centralização? Neste caso, caberia perguntar: ainda caberia falar em Federação?

As correções preconizadas por uma reforma tributária do consumo deveriam ser: o fim da guerra fiscal, a migração da tributação para o destino e a simplificação. Nada disso está garantido com o texto atual da PEC 45, sobretudo quando o principal tributo, o gigantesco IBS, poderá ser comandado por uma Agência Centralizadora com tantos problemas econômicos e federativos. Ainda há tempo para evitar essa má ideia.

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ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA CORRETORA WARREN RENA, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO (2022)

No artigo da última quinzena, apresentei estimativas para as alíquotas da CBS e do IBS, tributos que comporão o chamado Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) dual. O primeiro, da União; o segundo, dos Estados e municípios. Esse foi um dos oito problemas listados no meu penúltimo texto neste espaço: A missão inescapável do Senado, de 20 de julho de 2023. Hoje falarei de um segundo item daquela lista: o Conselho Federativo, antes denominado Agência Centralizadora, alcunha bem mais sincera e apropriada.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 45, de 2019, prevê a criação de uma entidade para comandar o IBS. Esse imposto subnacional substituirá o ISS (municipal) e o ICMS (estadual) e será normatizado, regulamentado, arrecadado e partilhado pelo Conselho Federativo, composto de 54 membros e financiado, logo de início, pelo IBS (alíquota de 0,1% a partir de 2026). O órgão vai, ainda, dirimir conflitos e coordenar o trabalho das Administrações Tributárias atuais.

A Conta do Conselho Federativo vai centralizar a arrecadação do IBS proveniente de todas as operações com bens e serviços. O conselho também remeterá as receitas para o destino (consumo final). Por sua vez, o destino só daria as caras em 2033, a partir da extinção do ICMS, que no final de 2032 ainda apresentaria alíquotas equivalentes a 60% das atuais! A transição completa, chamada federativa, só em 2078. Argumenta-se que, com a tributação no destino das operações interestaduais, surgiria o risco de não repasse das receitas pertencentes ao Estado de destino pelo de origem. Solução: tipifique-se a referida conduta como crime de responsabilidade. Não é preciso um conselho estrambólico e quase paternalista, nesse aspecto.

Uma regulamentação geral bem feita do IBS, por meio de lei complementar, é o que deveríamos estar discutindo. Deve-se preservar a lógica de um IBS coeso, mas sem dinamitar a Federação, como quer a Agência Centralizadora. Cada Estado arrecada seu imposto e o regulamenta, sujeito às regras gerais. É para isso a reforma; não para centralizar tudo, via emenda constitucional, ainda que de modo eufemístico, como o é, aliás, o novo nome da agência: Conselho Federativo. Façamos o debate da lei complementar já. Não há como apartar essa discussão da formulação da PEC.

Da mesma maneira, a partilha de receitas para os municípios prescinde de agência central ou coisa equivalente. Hoje os Estados já realizam a distribuição da cota-parte do ICMS. É evidente que o volume de recursos aumentará, pois o IBS conterá o antigo ISS. A lógica, no entanto, será a mesma. No limite, 27 contas, e não uma conta central, resolveriam a questão. Cada Estado coordena a partilha com os respectivos municípios. Por que não? Argumenta-se: “Mas aí a autonomia dos municípios seria afetada”. Ora, mas isso partindo de quem defende uma Agência Centralizadora para todos governar, como “o anel” do Bilbo Bolseiro?

O conselho também cuidaria dos chamados créditos tributários. Os consumidores das etapas intermediárias de cada processo produtivo receberiam seus créditos, com vistas à não cumulatividade. Para ter claro, os insumos consumidos para produzir bens e serviços finais gerariam créditos tributários, isto é, direitos para os contribuintes. Esses recursos seriam, então, pagos pelo Conselho Federativo diretamente.

Vale dizer, a garantia da devolução de créditos é algo intrínseco ao IVA, o que hoje não ocorre a contento no ICMS. Por outro lado, registre-se o avanço ocorrido em São Paulo, no ano passado, quando aprimoramos o programa Nos Conformes para acelerar a devolução dos créditos acumulados. Terminamos o ano com 70% a mais de créditos devolvidos em relação ao planejado. Longe do ideal, mas uma medida que proveu liquidez, irrigando investimentos. Tanto é assim que foi mantida.

Questiono a ideia de colocar essa tarefa tão essencial nas mãos de uma entidade estranha ao Executivo de cada ente federado. Os Estados deveriam, a meu ver, gerenciar as devoluções dos respectivos créditos apurados, após a devida fiscalização das notas emitidas. Vamo-nos entender: as Administrações Tributárias e as Procuradorias Estaduais, sob o comando dos respectivos chefes do Executivo e de seus auxiliares, atuariam para preservar o bom funcionamento do novo sistema de IVA subnacional. O modelo do conselho, ao contrário, estimularia uma enxurrada de notas fraudadas geradoras de créditos podres, podendo levar a pagamentos indevidos pelo Conselho Federativo.

Estabeleçam-se prazos para essa tarefa, por óbvio. A quem aproveita uma entidade megalômana e mal-ajambrada, sem chance alguma de funcionar a contento para cuidar de tantas tarefas, simultaneamente, a não ser com grau máximo de centralização? Neste caso, caberia perguntar: ainda caberia falar em Federação?

As correções preconizadas por uma reforma tributária do consumo deveriam ser: o fim da guerra fiscal, a migração da tributação para o destino e a simplificação. Nada disso está garantido com o texto atual da PEC 45, sobretudo quando o principal tributo, o gigantesco IBS, poderá ser comandado por uma Agência Centralizadora com tantos problemas econômicos e federativos. Ainda há tempo para evitar essa má ideia.

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ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA CORRETORA WARREN RENA, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO (2022)

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