Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, professor do IDP, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e o primeiro diretor executivo da IFI. Felipe Scudeler Salto escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Novo arcabouço fiscal


Predisposição dos governos ao controle das contas públicas, quando não há ou é mais modesta, precisa ser motivada por sistemas de incentivos apropriados

Por Felipe Salto

A dívida pública precisa estacionar em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e, num segundo momento, diminuir. Esse tem de ser o objetivo geral do novo arcabouço fiscal, no lugar do teto de gastos. A nova regra precisa combinar: transparência, previsão de sanções para o caso de descumprimento, flexibilidade e mecanismos que colaborem para manter a nau no rumo mesmo quando os ventos não forem bons.

A título de sugestão, levei ao ministro Fernando Haddad, no mês passado, uma proposta formulada por mim em parceria com o economista e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) Josué Pellegrini. Na empreitada, contamos com a colaboração e comentários de outros especialistas: Renato Ramalho, Fernando Facury Scaff, José Roberto Afonso, Cristiane Coelho e Eduardo Walmsley Carneiro.

Não há regra tão boa a produzir, por si só, responsabilidade fiscal permanente. A literatura relevante mostra que o compromisso político em torno das leis é fundamental para o funcionamento do arcabouço fiscal. Então, o desenho importa tanto quanto o pendor dos governos pelo controle das contas públicas. E essa predisposição, quando não há ou é mais modesta, precisa ser motivada por sistemas de incentivos apropriados.

continua após a publicidade

Nada trivial. Em 2019, o economista Alberto Alesina esteve em Brasília para prestigiar a cerimônia de entrega do Prêmio de Monografias do Tesouro Nacional. Fiz a seguinte pergunta: “Por que, no Brasil, temos Lei de Responsabilidade Fiscal, teto de gastos, regra de ouro (aquela segundo a qual só se pode fazer dívida para investir) e outras regras auxiliares, mas não conseguimos superar o problema fiscal?”. Ele foi muito didático: “Países que não precisam de regras, por já apresentarem boa situação fiscal, as cumprem; já aqueles que precisam, isto é, têm dívida alta e crescente, as desrespeitam na maior parte do tempo”.

As regras devem funcionar como balizas para o gasto e a receita, a fim de combater o chamado viés deficitário típico dos governos. Vamo-nos entender: os governos existem para realizar políticas públicas e todas elas têm custo. Em maior ou menor grau, portanto, há sempre um programa de governo a ser executado e, para isso, é necessário arrecadar e endividar-se. Assim, sem regras fiscais, o risco fiscal é maior.

Nossa proposta tem dois objetivos: 1) entre dezembro de 2023 e 2026, a dívida bruta em porcentual do PIB deve desacelerar em relação à taxa de aumento já contratada para o ano corrente; 2) num segundo momento, de 2027 a 2036, a dívida deve diminuir, sempre em relação ao PIB, até convergir para patamares compatíveis com a média dos países emergentes.

continua após a publicidade

Em 2023, a dívida tende a crescer algo como quatro pontos porcentuais do PIB, atingindo cerca de 77%. Se, até 2026, a dívida subir outros cinco pontos, atingiríamos um pico de 82% do PIB, para então iniciar trajetória de redução até 75% em 2036. Essa dinâmica requereria um esforço fiscal primário relevante nos próximos anos. Isto é, seria preciso conter o crescimento dos gastos e contar com arrecadação adicional.

Nas nossas contas, o gasto primário aumentaria pela inflação, mas acrescida de uma taxa real equivalente à metade do crescimento econômico dos últimos cinco anos. Dessa forma, ao mesmo tempo que se alcançaria o controle do gasto, haveria espaço para ampliá-lo de modo sustentável, abaixo do ritmo do PIB. Não se trata de um ajuste brusco, nem isso seria possível ou desejável. Feitas as contas, é bastante razoável supor uma regra para a despesa, com vistas a uma trajetória de dívida fidedigna e que ajude a ancorar as expectativas do mercado.

Para atingir esse resultado, sugerimos que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) contemplem a trajetória de dívida esperada pelo governo, acompanhada das medidas necessárias para cumpri-la. O resultado primário requerido, bem como as projeções de receitas e as medidas do lado do gasto deverão ser explicitados. A regra de gastos (inflação mais um incremento real, por exemplo) poderia ser fixada em lei complementar, mas já contemplada na LDO para 2024.

continua após a publicidade

Na LOA, eventual descumprimento da trajetória de dívida teria de ser explicitada e as medidas de ajuste, acionadas. Recomendamos que se utilizasse o próprio conjunto de gatilhos introduzidos na Constituição federal pela Emenda n.º 109. Não há segredo: em caso de expansão fiscal não prevista, o gasto tem de crescer menos. O ministro da Fazenda teria de explicar ao Congresso, na mesma lógica do regime de metas à inflação, os desvios em relação às estimativas.

Finalmente, propomos a criação de um fundo de reserva fiscal, composto pelos eventuais excedentes de arrecadação em relação ao resultado primário calculado e fixado para produzir determinada dinâmica de dívida. A IFI seria constitucionalizada e passaria a ter a obrigação de acompanhar todos os cálculos deste novo regime, inclusive cotejando metas, resultados e estimativas oficiais aos produzidos pelo órgão.

Eis um caminho.

continua após a publicidade

*

ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN RENA, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI

A dívida pública precisa estacionar em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e, num segundo momento, diminuir. Esse tem de ser o objetivo geral do novo arcabouço fiscal, no lugar do teto de gastos. A nova regra precisa combinar: transparência, previsão de sanções para o caso de descumprimento, flexibilidade e mecanismos que colaborem para manter a nau no rumo mesmo quando os ventos não forem bons.

A título de sugestão, levei ao ministro Fernando Haddad, no mês passado, uma proposta formulada por mim em parceria com o economista e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) Josué Pellegrini. Na empreitada, contamos com a colaboração e comentários de outros especialistas: Renato Ramalho, Fernando Facury Scaff, José Roberto Afonso, Cristiane Coelho e Eduardo Walmsley Carneiro.

Não há regra tão boa a produzir, por si só, responsabilidade fiscal permanente. A literatura relevante mostra que o compromisso político em torno das leis é fundamental para o funcionamento do arcabouço fiscal. Então, o desenho importa tanto quanto o pendor dos governos pelo controle das contas públicas. E essa predisposição, quando não há ou é mais modesta, precisa ser motivada por sistemas de incentivos apropriados.

Nada trivial. Em 2019, o economista Alberto Alesina esteve em Brasília para prestigiar a cerimônia de entrega do Prêmio de Monografias do Tesouro Nacional. Fiz a seguinte pergunta: “Por que, no Brasil, temos Lei de Responsabilidade Fiscal, teto de gastos, regra de ouro (aquela segundo a qual só se pode fazer dívida para investir) e outras regras auxiliares, mas não conseguimos superar o problema fiscal?”. Ele foi muito didático: “Países que não precisam de regras, por já apresentarem boa situação fiscal, as cumprem; já aqueles que precisam, isto é, têm dívida alta e crescente, as desrespeitam na maior parte do tempo”.

As regras devem funcionar como balizas para o gasto e a receita, a fim de combater o chamado viés deficitário típico dos governos. Vamo-nos entender: os governos existem para realizar políticas públicas e todas elas têm custo. Em maior ou menor grau, portanto, há sempre um programa de governo a ser executado e, para isso, é necessário arrecadar e endividar-se. Assim, sem regras fiscais, o risco fiscal é maior.

Nossa proposta tem dois objetivos: 1) entre dezembro de 2023 e 2026, a dívida bruta em porcentual do PIB deve desacelerar em relação à taxa de aumento já contratada para o ano corrente; 2) num segundo momento, de 2027 a 2036, a dívida deve diminuir, sempre em relação ao PIB, até convergir para patamares compatíveis com a média dos países emergentes.

Em 2023, a dívida tende a crescer algo como quatro pontos porcentuais do PIB, atingindo cerca de 77%. Se, até 2026, a dívida subir outros cinco pontos, atingiríamos um pico de 82% do PIB, para então iniciar trajetória de redução até 75% em 2036. Essa dinâmica requereria um esforço fiscal primário relevante nos próximos anos. Isto é, seria preciso conter o crescimento dos gastos e contar com arrecadação adicional.

Nas nossas contas, o gasto primário aumentaria pela inflação, mas acrescida de uma taxa real equivalente à metade do crescimento econômico dos últimos cinco anos. Dessa forma, ao mesmo tempo que se alcançaria o controle do gasto, haveria espaço para ampliá-lo de modo sustentável, abaixo do ritmo do PIB. Não se trata de um ajuste brusco, nem isso seria possível ou desejável. Feitas as contas, é bastante razoável supor uma regra para a despesa, com vistas a uma trajetória de dívida fidedigna e que ajude a ancorar as expectativas do mercado.

Para atingir esse resultado, sugerimos que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) contemplem a trajetória de dívida esperada pelo governo, acompanhada das medidas necessárias para cumpri-la. O resultado primário requerido, bem como as projeções de receitas e as medidas do lado do gasto deverão ser explicitados. A regra de gastos (inflação mais um incremento real, por exemplo) poderia ser fixada em lei complementar, mas já contemplada na LDO para 2024.

Na LOA, eventual descumprimento da trajetória de dívida teria de ser explicitada e as medidas de ajuste, acionadas. Recomendamos que se utilizasse o próprio conjunto de gatilhos introduzidos na Constituição federal pela Emenda n.º 109. Não há segredo: em caso de expansão fiscal não prevista, o gasto tem de crescer menos. O ministro da Fazenda teria de explicar ao Congresso, na mesma lógica do regime de metas à inflação, os desvios em relação às estimativas.

Finalmente, propomos a criação de um fundo de reserva fiscal, composto pelos eventuais excedentes de arrecadação em relação ao resultado primário calculado e fixado para produzir determinada dinâmica de dívida. A IFI seria constitucionalizada e passaria a ter a obrigação de acompanhar todos os cálculos deste novo regime, inclusive cotejando metas, resultados e estimativas oficiais aos produzidos pelo órgão.

Eis um caminho.

*

ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN RENA, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI

A dívida pública precisa estacionar em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e, num segundo momento, diminuir. Esse tem de ser o objetivo geral do novo arcabouço fiscal, no lugar do teto de gastos. A nova regra precisa combinar: transparência, previsão de sanções para o caso de descumprimento, flexibilidade e mecanismos que colaborem para manter a nau no rumo mesmo quando os ventos não forem bons.

A título de sugestão, levei ao ministro Fernando Haddad, no mês passado, uma proposta formulada por mim em parceria com o economista e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) Josué Pellegrini. Na empreitada, contamos com a colaboração e comentários de outros especialistas: Renato Ramalho, Fernando Facury Scaff, José Roberto Afonso, Cristiane Coelho e Eduardo Walmsley Carneiro.

Não há regra tão boa a produzir, por si só, responsabilidade fiscal permanente. A literatura relevante mostra que o compromisso político em torno das leis é fundamental para o funcionamento do arcabouço fiscal. Então, o desenho importa tanto quanto o pendor dos governos pelo controle das contas públicas. E essa predisposição, quando não há ou é mais modesta, precisa ser motivada por sistemas de incentivos apropriados.

Nada trivial. Em 2019, o economista Alberto Alesina esteve em Brasília para prestigiar a cerimônia de entrega do Prêmio de Monografias do Tesouro Nacional. Fiz a seguinte pergunta: “Por que, no Brasil, temos Lei de Responsabilidade Fiscal, teto de gastos, regra de ouro (aquela segundo a qual só se pode fazer dívida para investir) e outras regras auxiliares, mas não conseguimos superar o problema fiscal?”. Ele foi muito didático: “Países que não precisam de regras, por já apresentarem boa situação fiscal, as cumprem; já aqueles que precisam, isto é, têm dívida alta e crescente, as desrespeitam na maior parte do tempo”.

As regras devem funcionar como balizas para o gasto e a receita, a fim de combater o chamado viés deficitário típico dos governos. Vamo-nos entender: os governos existem para realizar políticas públicas e todas elas têm custo. Em maior ou menor grau, portanto, há sempre um programa de governo a ser executado e, para isso, é necessário arrecadar e endividar-se. Assim, sem regras fiscais, o risco fiscal é maior.

Nossa proposta tem dois objetivos: 1) entre dezembro de 2023 e 2026, a dívida bruta em porcentual do PIB deve desacelerar em relação à taxa de aumento já contratada para o ano corrente; 2) num segundo momento, de 2027 a 2036, a dívida deve diminuir, sempre em relação ao PIB, até convergir para patamares compatíveis com a média dos países emergentes.

Em 2023, a dívida tende a crescer algo como quatro pontos porcentuais do PIB, atingindo cerca de 77%. Se, até 2026, a dívida subir outros cinco pontos, atingiríamos um pico de 82% do PIB, para então iniciar trajetória de redução até 75% em 2036. Essa dinâmica requereria um esforço fiscal primário relevante nos próximos anos. Isto é, seria preciso conter o crescimento dos gastos e contar com arrecadação adicional.

Nas nossas contas, o gasto primário aumentaria pela inflação, mas acrescida de uma taxa real equivalente à metade do crescimento econômico dos últimos cinco anos. Dessa forma, ao mesmo tempo que se alcançaria o controle do gasto, haveria espaço para ampliá-lo de modo sustentável, abaixo do ritmo do PIB. Não se trata de um ajuste brusco, nem isso seria possível ou desejável. Feitas as contas, é bastante razoável supor uma regra para a despesa, com vistas a uma trajetória de dívida fidedigna e que ajude a ancorar as expectativas do mercado.

Para atingir esse resultado, sugerimos que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) contemplem a trajetória de dívida esperada pelo governo, acompanhada das medidas necessárias para cumpri-la. O resultado primário requerido, bem como as projeções de receitas e as medidas do lado do gasto deverão ser explicitados. A regra de gastos (inflação mais um incremento real, por exemplo) poderia ser fixada em lei complementar, mas já contemplada na LDO para 2024.

Na LOA, eventual descumprimento da trajetória de dívida teria de ser explicitada e as medidas de ajuste, acionadas. Recomendamos que se utilizasse o próprio conjunto de gatilhos introduzidos na Constituição federal pela Emenda n.º 109. Não há segredo: em caso de expansão fiscal não prevista, o gasto tem de crescer menos. O ministro da Fazenda teria de explicar ao Congresso, na mesma lógica do regime de metas à inflação, os desvios em relação às estimativas.

Finalmente, propomos a criação de um fundo de reserva fiscal, composto pelos eventuais excedentes de arrecadação em relação ao resultado primário calculado e fixado para produzir determinada dinâmica de dívida. A IFI seria constitucionalizada e passaria a ter a obrigação de acompanhar todos os cálculos deste novo regime, inclusive cotejando metas, resultados e estimativas oficiais aos produzidos pelo órgão.

Eis um caminho.

*

ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN RENA, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI

A dívida pública precisa estacionar em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e, num segundo momento, diminuir. Esse tem de ser o objetivo geral do novo arcabouço fiscal, no lugar do teto de gastos. A nova regra precisa combinar: transparência, previsão de sanções para o caso de descumprimento, flexibilidade e mecanismos que colaborem para manter a nau no rumo mesmo quando os ventos não forem bons.

A título de sugestão, levei ao ministro Fernando Haddad, no mês passado, uma proposta formulada por mim em parceria com o economista e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) Josué Pellegrini. Na empreitada, contamos com a colaboração e comentários de outros especialistas: Renato Ramalho, Fernando Facury Scaff, José Roberto Afonso, Cristiane Coelho e Eduardo Walmsley Carneiro.

Não há regra tão boa a produzir, por si só, responsabilidade fiscal permanente. A literatura relevante mostra que o compromisso político em torno das leis é fundamental para o funcionamento do arcabouço fiscal. Então, o desenho importa tanto quanto o pendor dos governos pelo controle das contas públicas. E essa predisposição, quando não há ou é mais modesta, precisa ser motivada por sistemas de incentivos apropriados.

Nada trivial. Em 2019, o economista Alberto Alesina esteve em Brasília para prestigiar a cerimônia de entrega do Prêmio de Monografias do Tesouro Nacional. Fiz a seguinte pergunta: “Por que, no Brasil, temos Lei de Responsabilidade Fiscal, teto de gastos, regra de ouro (aquela segundo a qual só se pode fazer dívida para investir) e outras regras auxiliares, mas não conseguimos superar o problema fiscal?”. Ele foi muito didático: “Países que não precisam de regras, por já apresentarem boa situação fiscal, as cumprem; já aqueles que precisam, isto é, têm dívida alta e crescente, as desrespeitam na maior parte do tempo”.

As regras devem funcionar como balizas para o gasto e a receita, a fim de combater o chamado viés deficitário típico dos governos. Vamo-nos entender: os governos existem para realizar políticas públicas e todas elas têm custo. Em maior ou menor grau, portanto, há sempre um programa de governo a ser executado e, para isso, é necessário arrecadar e endividar-se. Assim, sem regras fiscais, o risco fiscal é maior.

Nossa proposta tem dois objetivos: 1) entre dezembro de 2023 e 2026, a dívida bruta em porcentual do PIB deve desacelerar em relação à taxa de aumento já contratada para o ano corrente; 2) num segundo momento, de 2027 a 2036, a dívida deve diminuir, sempre em relação ao PIB, até convergir para patamares compatíveis com a média dos países emergentes.

Em 2023, a dívida tende a crescer algo como quatro pontos porcentuais do PIB, atingindo cerca de 77%. Se, até 2026, a dívida subir outros cinco pontos, atingiríamos um pico de 82% do PIB, para então iniciar trajetória de redução até 75% em 2036. Essa dinâmica requereria um esforço fiscal primário relevante nos próximos anos. Isto é, seria preciso conter o crescimento dos gastos e contar com arrecadação adicional.

Nas nossas contas, o gasto primário aumentaria pela inflação, mas acrescida de uma taxa real equivalente à metade do crescimento econômico dos últimos cinco anos. Dessa forma, ao mesmo tempo que se alcançaria o controle do gasto, haveria espaço para ampliá-lo de modo sustentável, abaixo do ritmo do PIB. Não se trata de um ajuste brusco, nem isso seria possível ou desejável. Feitas as contas, é bastante razoável supor uma regra para a despesa, com vistas a uma trajetória de dívida fidedigna e que ajude a ancorar as expectativas do mercado.

Para atingir esse resultado, sugerimos que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) contemplem a trajetória de dívida esperada pelo governo, acompanhada das medidas necessárias para cumpri-la. O resultado primário requerido, bem como as projeções de receitas e as medidas do lado do gasto deverão ser explicitados. A regra de gastos (inflação mais um incremento real, por exemplo) poderia ser fixada em lei complementar, mas já contemplada na LDO para 2024.

Na LOA, eventual descumprimento da trajetória de dívida teria de ser explicitada e as medidas de ajuste, acionadas. Recomendamos que se utilizasse o próprio conjunto de gatilhos introduzidos na Constituição federal pela Emenda n.º 109. Não há segredo: em caso de expansão fiscal não prevista, o gasto tem de crescer menos. O ministro da Fazenda teria de explicar ao Congresso, na mesma lógica do regime de metas à inflação, os desvios em relação às estimativas.

Finalmente, propomos a criação de um fundo de reserva fiscal, composto pelos eventuais excedentes de arrecadação em relação ao resultado primário calculado e fixado para produzir determinada dinâmica de dívida. A IFI seria constitucionalizada e passaria a ter a obrigação de acompanhar todos os cálculos deste novo regime, inclusive cotejando metas, resultados e estimativas oficiais aos produzidos pelo órgão.

Eis um caminho.

*

ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN RENA, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI

A dívida pública precisa estacionar em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e, num segundo momento, diminuir. Esse tem de ser o objetivo geral do novo arcabouço fiscal, no lugar do teto de gastos. A nova regra precisa combinar: transparência, previsão de sanções para o caso de descumprimento, flexibilidade e mecanismos que colaborem para manter a nau no rumo mesmo quando os ventos não forem bons.

A título de sugestão, levei ao ministro Fernando Haddad, no mês passado, uma proposta formulada por mim em parceria com o economista e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) Josué Pellegrini. Na empreitada, contamos com a colaboração e comentários de outros especialistas: Renato Ramalho, Fernando Facury Scaff, José Roberto Afonso, Cristiane Coelho e Eduardo Walmsley Carneiro.

Não há regra tão boa a produzir, por si só, responsabilidade fiscal permanente. A literatura relevante mostra que o compromisso político em torno das leis é fundamental para o funcionamento do arcabouço fiscal. Então, o desenho importa tanto quanto o pendor dos governos pelo controle das contas públicas. E essa predisposição, quando não há ou é mais modesta, precisa ser motivada por sistemas de incentivos apropriados.

Nada trivial. Em 2019, o economista Alberto Alesina esteve em Brasília para prestigiar a cerimônia de entrega do Prêmio de Monografias do Tesouro Nacional. Fiz a seguinte pergunta: “Por que, no Brasil, temos Lei de Responsabilidade Fiscal, teto de gastos, regra de ouro (aquela segundo a qual só se pode fazer dívida para investir) e outras regras auxiliares, mas não conseguimos superar o problema fiscal?”. Ele foi muito didático: “Países que não precisam de regras, por já apresentarem boa situação fiscal, as cumprem; já aqueles que precisam, isto é, têm dívida alta e crescente, as desrespeitam na maior parte do tempo”.

As regras devem funcionar como balizas para o gasto e a receita, a fim de combater o chamado viés deficitário típico dos governos. Vamo-nos entender: os governos existem para realizar políticas públicas e todas elas têm custo. Em maior ou menor grau, portanto, há sempre um programa de governo a ser executado e, para isso, é necessário arrecadar e endividar-se. Assim, sem regras fiscais, o risco fiscal é maior.

Nossa proposta tem dois objetivos: 1) entre dezembro de 2023 e 2026, a dívida bruta em porcentual do PIB deve desacelerar em relação à taxa de aumento já contratada para o ano corrente; 2) num segundo momento, de 2027 a 2036, a dívida deve diminuir, sempre em relação ao PIB, até convergir para patamares compatíveis com a média dos países emergentes.

Em 2023, a dívida tende a crescer algo como quatro pontos porcentuais do PIB, atingindo cerca de 77%. Se, até 2026, a dívida subir outros cinco pontos, atingiríamos um pico de 82% do PIB, para então iniciar trajetória de redução até 75% em 2036. Essa dinâmica requereria um esforço fiscal primário relevante nos próximos anos. Isto é, seria preciso conter o crescimento dos gastos e contar com arrecadação adicional.

Nas nossas contas, o gasto primário aumentaria pela inflação, mas acrescida de uma taxa real equivalente à metade do crescimento econômico dos últimos cinco anos. Dessa forma, ao mesmo tempo que se alcançaria o controle do gasto, haveria espaço para ampliá-lo de modo sustentável, abaixo do ritmo do PIB. Não se trata de um ajuste brusco, nem isso seria possível ou desejável. Feitas as contas, é bastante razoável supor uma regra para a despesa, com vistas a uma trajetória de dívida fidedigna e que ajude a ancorar as expectativas do mercado.

Para atingir esse resultado, sugerimos que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) contemplem a trajetória de dívida esperada pelo governo, acompanhada das medidas necessárias para cumpri-la. O resultado primário requerido, bem como as projeções de receitas e as medidas do lado do gasto deverão ser explicitados. A regra de gastos (inflação mais um incremento real, por exemplo) poderia ser fixada em lei complementar, mas já contemplada na LDO para 2024.

Na LOA, eventual descumprimento da trajetória de dívida teria de ser explicitada e as medidas de ajuste, acionadas. Recomendamos que se utilizasse o próprio conjunto de gatilhos introduzidos na Constituição federal pela Emenda n.º 109. Não há segredo: em caso de expansão fiscal não prevista, o gasto tem de crescer menos. O ministro da Fazenda teria de explicar ao Congresso, na mesma lógica do regime de metas à inflação, os desvios em relação às estimativas.

Finalmente, propomos a criação de um fundo de reserva fiscal, composto pelos eventuais excedentes de arrecadação em relação ao resultado primário calculado e fixado para produzir determinada dinâmica de dívida. A IFI seria constitucionalizada e passaria a ter a obrigação de acompanhar todos os cálculos deste novo regime, inclusive cotejando metas, resultados e estimativas oficiais aos produzidos pelo órgão.

Eis um caminho.

*

ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN RENA, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI

Opinião por Felipe Salto

Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.