Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, professor do IDP, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e o primeiro diretor executivo da IFI. Felipe Scudeler Salto escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Para retomar o grau de investimento


A sinalização fidedigna de retirada das contas do vermelho anularia a turbidez causada no curto prazo pelo descontingenciamento de gastos

Por Felipe Salto

Foram boas as declarações do ministro Fernando Haddad sobre o chamado grau de investimento. Por si só, evidenciaram que o governo preza por um bom ambiente econômico e deseja atrair investimentos de boa qualidade. Como chegar lá?

O grau de investimento é uma espécie de selo conferido pelas agências de classificação de risco. Ele atesta o baixo risco de calote na dívida pública. Nesse sentido, o Brasil está habilitado a reaver a nota mais alta na caderneta dos classificadores. Contudo, recomenda-se um programa de ajuste fiscal permanente.

A divulgação do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do quarto bimestre, na segunda-feira, trouxe certo pessimismo. O mercado financeiro reage a notícias negativas e positivas de maneira rápida e, por vezes, errada. Em parte, foi o que ocorreu com essa divulgação. Distorce-se a visão geral, que não deveria ser propriamente rósea, mas que tampouco indica o apocalipse das contas públicas brasileiras.

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O relatório não trouxe grandes novidades em matéria de números e projeções. Mostrou-se, ali, que o déficit primário (receita menos despesa sem contar os juros da dívida) deverá ficar em R$ 68,8 bilhões em 2024. Descontados os gastos com o Rio Grande do Sul, na forma de créditos extraordinários (R$ 40,5 bilhões), a meta fiscal deste ano seria cumprida. No entanto, será preciso usar a banda inferior da meta zero, de menos R$ 28,8 bilhões.

Duas preocupações procedem em relação ao relatório bimestral do Orçamento. A primeira associa-se ao grande volume de receitas atípicas contabilizado para atingir a meta. Trata-se de dividendos extraordinários do BNDES e de outras receitas de depósitos judiciais. Essa arrecadação não é recorrente. Revela-se, assim, certa dependência de medidas ad hoc para atender aos objetivos legais.

A segunda preocupação decorre do descongelamento de gastos não obrigatórios, em R$ 3,8 bilhões, que haviam sido contingenciados após a publicação do relatório do terceiro bimestre. Ora, se a projeção do próprio governo é um déficit de R$ 68,8 bilhões, não se recomenda liberar mais gastos.

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Ao contrário, o ideal é que o contingenciamento fosse aumentado, de modo que a meta zero, e não apenas a meta alargada pela banda inferior, fosse cumprida. A banda inferior, vale dizer, deveria servir para acomodar choques, eventos não previstos, receitas não materializadas de última hora ou gastos emergenciais.

Da forma como o relatório foi apresentado, passou-se a impressão errada de que o governo estaria operando no fio da navalha, no limite do limite. O objetivo maior da política fiscal tem de ser o alcance das condições de sustentabilidade da dívida pública em proporção do PIB. Ainda estamos distantes de atingir esses requisitos. O resultado primário precisaria ser positivo, em maior ou menor grau, a depender dos juros reais e do crescimento econômico.

Esperava-se um sinal de aperto fiscal e o relatório bimestral, de certo modo, flexibilizou o gasto frente à estimativa de receitas não administradas maiores (como a dos dividendos). É verdade que as receitas administradas (impostos, contribuições, etc.) estimadas tornaram-se mais realistas nesta quarta edição do acompanhamento orçamentário. Fato é que o saldo líquido de todas as alterações foi um aumento do déficit projetado pelo próprio governo em mais de R$ 7 bilhões.

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Certo distanciamento desses números de curto prazo permite uma avaliação mais justa, entretanto, a respeito do quadro fiscal geral.

O déficit primário diminuirá, entre 2023 e 2024, de R$ 230,2 bilhões para R$ 68,8 bilhões. A despeito da dependência de uma agenda de receitas novas, em parte temporárias, é um feito a ser reconhecido. A dívida pública, por outro lado, segue em nível elevado e crescente, mas não em trajetória indefinida ou explosiva. O caixa do Tesouro nunca foi tão polpudo, o que lhe permite tranquilidade para gerenciar as novas emissões, cobrir déficits adicionais e refinanciar a dívida vincenda.

Os juros são elevados, é verdade, mas não há nem cheiro de uma crise de solvência, de ausência de demanda por títulos públicos. O diagnóstico de uma situação fiscal desafiadora e o receituário de que a dívida precisa estabilizar-se e, depois, diminuir não contradizem a avaliação de que estamos distantes de um quadro de insolvência do setor público.

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O balanço das contas externas é confortável, a balança comercial é relativamente robusta e as reservas internacionais, elevadas. Uma dose de compromisso intertemporal com a responsabilidade fiscal, inclusive por meio de um programa de corte de gastos e de revisão de despesas ineficientes, seria providencial para o convencimento das agências de classificação de risco.

Minha sugestão ao governo: apresente um programa de ajuste fiscal intertemporal em linha com as diretrizes do novo arcabouço fiscal (Lei Complementar n.º 200). É preciso mostrar quando as condições de sustentabilidade da dívida/PIB serão alcançadas. E convencer.

Essa sinalização fidedigna de retirada das contas do vermelho anularia a turbidez causada no curto prazo pelo descontingenciamento de gastos. Cabe ao governo segurar as despesas. O grau de investimento chegaria naturalmente e coroaria esse processo.

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ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN INVESTIMENTOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E O PRIMEIRO DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI. EM 2023, FOI ELEITO O ECONOMISTA DO ANO PELA ORDEM DOS ECONOMISTAS DO BRASIL (OEB)

Foram boas as declarações do ministro Fernando Haddad sobre o chamado grau de investimento. Por si só, evidenciaram que o governo preza por um bom ambiente econômico e deseja atrair investimentos de boa qualidade. Como chegar lá?

O grau de investimento é uma espécie de selo conferido pelas agências de classificação de risco. Ele atesta o baixo risco de calote na dívida pública. Nesse sentido, o Brasil está habilitado a reaver a nota mais alta na caderneta dos classificadores. Contudo, recomenda-se um programa de ajuste fiscal permanente.

A divulgação do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do quarto bimestre, na segunda-feira, trouxe certo pessimismo. O mercado financeiro reage a notícias negativas e positivas de maneira rápida e, por vezes, errada. Em parte, foi o que ocorreu com essa divulgação. Distorce-se a visão geral, que não deveria ser propriamente rósea, mas que tampouco indica o apocalipse das contas públicas brasileiras.

O relatório não trouxe grandes novidades em matéria de números e projeções. Mostrou-se, ali, que o déficit primário (receita menos despesa sem contar os juros da dívida) deverá ficar em R$ 68,8 bilhões em 2024. Descontados os gastos com o Rio Grande do Sul, na forma de créditos extraordinários (R$ 40,5 bilhões), a meta fiscal deste ano seria cumprida. No entanto, será preciso usar a banda inferior da meta zero, de menos R$ 28,8 bilhões.

Duas preocupações procedem em relação ao relatório bimestral do Orçamento. A primeira associa-se ao grande volume de receitas atípicas contabilizado para atingir a meta. Trata-se de dividendos extraordinários do BNDES e de outras receitas de depósitos judiciais. Essa arrecadação não é recorrente. Revela-se, assim, certa dependência de medidas ad hoc para atender aos objetivos legais.

A segunda preocupação decorre do descongelamento de gastos não obrigatórios, em R$ 3,8 bilhões, que haviam sido contingenciados após a publicação do relatório do terceiro bimestre. Ora, se a projeção do próprio governo é um déficit de R$ 68,8 bilhões, não se recomenda liberar mais gastos.

Ao contrário, o ideal é que o contingenciamento fosse aumentado, de modo que a meta zero, e não apenas a meta alargada pela banda inferior, fosse cumprida. A banda inferior, vale dizer, deveria servir para acomodar choques, eventos não previstos, receitas não materializadas de última hora ou gastos emergenciais.

Da forma como o relatório foi apresentado, passou-se a impressão errada de que o governo estaria operando no fio da navalha, no limite do limite. O objetivo maior da política fiscal tem de ser o alcance das condições de sustentabilidade da dívida pública em proporção do PIB. Ainda estamos distantes de atingir esses requisitos. O resultado primário precisaria ser positivo, em maior ou menor grau, a depender dos juros reais e do crescimento econômico.

Esperava-se um sinal de aperto fiscal e o relatório bimestral, de certo modo, flexibilizou o gasto frente à estimativa de receitas não administradas maiores (como a dos dividendos). É verdade que as receitas administradas (impostos, contribuições, etc.) estimadas tornaram-se mais realistas nesta quarta edição do acompanhamento orçamentário. Fato é que o saldo líquido de todas as alterações foi um aumento do déficit projetado pelo próprio governo em mais de R$ 7 bilhões.

Certo distanciamento desses números de curto prazo permite uma avaliação mais justa, entretanto, a respeito do quadro fiscal geral.

O déficit primário diminuirá, entre 2023 e 2024, de R$ 230,2 bilhões para R$ 68,8 bilhões. A despeito da dependência de uma agenda de receitas novas, em parte temporárias, é um feito a ser reconhecido. A dívida pública, por outro lado, segue em nível elevado e crescente, mas não em trajetória indefinida ou explosiva. O caixa do Tesouro nunca foi tão polpudo, o que lhe permite tranquilidade para gerenciar as novas emissões, cobrir déficits adicionais e refinanciar a dívida vincenda.

Os juros são elevados, é verdade, mas não há nem cheiro de uma crise de solvência, de ausência de demanda por títulos públicos. O diagnóstico de uma situação fiscal desafiadora e o receituário de que a dívida precisa estabilizar-se e, depois, diminuir não contradizem a avaliação de que estamos distantes de um quadro de insolvência do setor público.

O balanço das contas externas é confortável, a balança comercial é relativamente robusta e as reservas internacionais, elevadas. Uma dose de compromisso intertemporal com a responsabilidade fiscal, inclusive por meio de um programa de corte de gastos e de revisão de despesas ineficientes, seria providencial para o convencimento das agências de classificação de risco.

Minha sugestão ao governo: apresente um programa de ajuste fiscal intertemporal em linha com as diretrizes do novo arcabouço fiscal (Lei Complementar n.º 200). É preciso mostrar quando as condições de sustentabilidade da dívida/PIB serão alcançadas. E convencer.

Essa sinalização fidedigna de retirada das contas do vermelho anularia a turbidez causada no curto prazo pelo descontingenciamento de gastos. Cabe ao governo segurar as despesas. O grau de investimento chegaria naturalmente e coroaria esse processo.

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ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN INVESTIMENTOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E O PRIMEIRO DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI. EM 2023, FOI ELEITO O ECONOMISTA DO ANO PELA ORDEM DOS ECONOMISTAS DO BRASIL (OEB)

Foram boas as declarações do ministro Fernando Haddad sobre o chamado grau de investimento. Por si só, evidenciaram que o governo preza por um bom ambiente econômico e deseja atrair investimentos de boa qualidade. Como chegar lá?

O grau de investimento é uma espécie de selo conferido pelas agências de classificação de risco. Ele atesta o baixo risco de calote na dívida pública. Nesse sentido, o Brasil está habilitado a reaver a nota mais alta na caderneta dos classificadores. Contudo, recomenda-se um programa de ajuste fiscal permanente.

A divulgação do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do quarto bimestre, na segunda-feira, trouxe certo pessimismo. O mercado financeiro reage a notícias negativas e positivas de maneira rápida e, por vezes, errada. Em parte, foi o que ocorreu com essa divulgação. Distorce-se a visão geral, que não deveria ser propriamente rósea, mas que tampouco indica o apocalipse das contas públicas brasileiras.

O relatório não trouxe grandes novidades em matéria de números e projeções. Mostrou-se, ali, que o déficit primário (receita menos despesa sem contar os juros da dívida) deverá ficar em R$ 68,8 bilhões em 2024. Descontados os gastos com o Rio Grande do Sul, na forma de créditos extraordinários (R$ 40,5 bilhões), a meta fiscal deste ano seria cumprida. No entanto, será preciso usar a banda inferior da meta zero, de menos R$ 28,8 bilhões.

Duas preocupações procedem em relação ao relatório bimestral do Orçamento. A primeira associa-se ao grande volume de receitas atípicas contabilizado para atingir a meta. Trata-se de dividendos extraordinários do BNDES e de outras receitas de depósitos judiciais. Essa arrecadação não é recorrente. Revela-se, assim, certa dependência de medidas ad hoc para atender aos objetivos legais.

A segunda preocupação decorre do descongelamento de gastos não obrigatórios, em R$ 3,8 bilhões, que haviam sido contingenciados após a publicação do relatório do terceiro bimestre. Ora, se a projeção do próprio governo é um déficit de R$ 68,8 bilhões, não se recomenda liberar mais gastos.

Ao contrário, o ideal é que o contingenciamento fosse aumentado, de modo que a meta zero, e não apenas a meta alargada pela banda inferior, fosse cumprida. A banda inferior, vale dizer, deveria servir para acomodar choques, eventos não previstos, receitas não materializadas de última hora ou gastos emergenciais.

Da forma como o relatório foi apresentado, passou-se a impressão errada de que o governo estaria operando no fio da navalha, no limite do limite. O objetivo maior da política fiscal tem de ser o alcance das condições de sustentabilidade da dívida pública em proporção do PIB. Ainda estamos distantes de atingir esses requisitos. O resultado primário precisaria ser positivo, em maior ou menor grau, a depender dos juros reais e do crescimento econômico.

Esperava-se um sinal de aperto fiscal e o relatório bimestral, de certo modo, flexibilizou o gasto frente à estimativa de receitas não administradas maiores (como a dos dividendos). É verdade que as receitas administradas (impostos, contribuições, etc.) estimadas tornaram-se mais realistas nesta quarta edição do acompanhamento orçamentário. Fato é que o saldo líquido de todas as alterações foi um aumento do déficit projetado pelo próprio governo em mais de R$ 7 bilhões.

Certo distanciamento desses números de curto prazo permite uma avaliação mais justa, entretanto, a respeito do quadro fiscal geral.

O déficit primário diminuirá, entre 2023 e 2024, de R$ 230,2 bilhões para R$ 68,8 bilhões. A despeito da dependência de uma agenda de receitas novas, em parte temporárias, é um feito a ser reconhecido. A dívida pública, por outro lado, segue em nível elevado e crescente, mas não em trajetória indefinida ou explosiva. O caixa do Tesouro nunca foi tão polpudo, o que lhe permite tranquilidade para gerenciar as novas emissões, cobrir déficits adicionais e refinanciar a dívida vincenda.

Os juros são elevados, é verdade, mas não há nem cheiro de uma crise de solvência, de ausência de demanda por títulos públicos. O diagnóstico de uma situação fiscal desafiadora e o receituário de que a dívida precisa estabilizar-se e, depois, diminuir não contradizem a avaliação de que estamos distantes de um quadro de insolvência do setor público.

O balanço das contas externas é confortável, a balança comercial é relativamente robusta e as reservas internacionais, elevadas. Uma dose de compromisso intertemporal com a responsabilidade fiscal, inclusive por meio de um programa de corte de gastos e de revisão de despesas ineficientes, seria providencial para o convencimento das agências de classificação de risco.

Minha sugestão ao governo: apresente um programa de ajuste fiscal intertemporal em linha com as diretrizes do novo arcabouço fiscal (Lei Complementar n.º 200). É preciso mostrar quando as condições de sustentabilidade da dívida/PIB serão alcançadas. E convencer.

Essa sinalização fidedigna de retirada das contas do vermelho anularia a turbidez causada no curto prazo pelo descontingenciamento de gastos. Cabe ao governo segurar as despesas. O grau de investimento chegaria naturalmente e coroaria esse processo.

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ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN INVESTIMENTOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E O PRIMEIRO DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI. EM 2023, FOI ELEITO O ECONOMISTA DO ANO PELA ORDEM DOS ECONOMISTAS DO BRASIL (OEB)

Foram boas as declarações do ministro Fernando Haddad sobre o chamado grau de investimento. Por si só, evidenciaram que o governo preza por um bom ambiente econômico e deseja atrair investimentos de boa qualidade. Como chegar lá?

O grau de investimento é uma espécie de selo conferido pelas agências de classificação de risco. Ele atesta o baixo risco de calote na dívida pública. Nesse sentido, o Brasil está habilitado a reaver a nota mais alta na caderneta dos classificadores. Contudo, recomenda-se um programa de ajuste fiscal permanente.

A divulgação do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do quarto bimestre, na segunda-feira, trouxe certo pessimismo. O mercado financeiro reage a notícias negativas e positivas de maneira rápida e, por vezes, errada. Em parte, foi o que ocorreu com essa divulgação. Distorce-se a visão geral, que não deveria ser propriamente rósea, mas que tampouco indica o apocalipse das contas públicas brasileiras.

O relatório não trouxe grandes novidades em matéria de números e projeções. Mostrou-se, ali, que o déficit primário (receita menos despesa sem contar os juros da dívida) deverá ficar em R$ 68,8 bilhões em 2024. Descontados os gastos com o Rio Grande do Sul, na forma de créditos extraordinários (R$ 40,5 bilhões), a meta fiscal deste ano seria cumprida. No entanto, será preciso usar a banda inferior da meta zero, de menos R$ 28,8 bilhões.

Duas preocupações procedem em relação ao relatório bimestral do Orçamento. A primeira associa-se ao grande volume de receitas atípicas contabilizado para atingir a meta. Trata-se de dividendos extraordinários do BNDES e de outras receitas de depósitos judiciais. Essa arrecadação não é recorrente. Revela-se, assim, certa dependência de medidas ad hoc para atender aos objetivos legais.

A segunda preocupação decorre do descongelamento de gastos não obrigatórios, em R$ 3,8 bilhões, que haviam sido contingenciados após a publicação do relatório do terceiro bimestre. Ora, se a projeção do próprio governo é um déficit de R$ 68,8 bilhões, não se recomenda liberar mais gastos.

Ao contrário, o ideal é que o contingenciamento fosse aumentado, de modo que a meta zero, e não apenas a meta alargada pela banda inferior, fosse cumprida. A banda inferior, vale dizer, deveria servir para acomodar choques, eventos não previstos, receitas não materializadas de última hora ou gastos emergenciais.

Da forma como o relatório foi apresentado, passou-se a impressão errada de que o governo estaria operando no fio da navalha, no limite do limite. O objetivo maior da política fiscal tem de ser o alcance das condições de sustentabilidade da dívida pública em proporção do PIB. Ainda estamos distantes de atingir esses requisitos. O resultado primário precisaria ser positivo, em maior ou menor grau, a depender dos juros reais e do crescimento econômico.

Esperava-se um sinal de aperto fiscal e o relatório bimestral, de certo modo, flexibilizou o gasto frente à estimativa de receitas não administradas maiores (como a dos dividendos). É verdade que as receitas administradas (impostos, contribuições, etc.) estimadas tornaram-se mais realistas nesta quarta edição do acompanhamento orçamentário. Fato é que o saldo líquido de todas as alterações foi um aumento do déficit projetado pelo próprio governo em mais de R$ 7 bilhões.

Certo distanciamento desses números de curto prazo permite uma avaliação mais justa, entretanto, a respeito do quadro fiscal geral.

O déficit primário diminuirá, entre 2023 e 2024, de R$ 230,2 bilhões para R$ 68,8 bilhões. A despeito da dependência de uma agenda de receitas novas, em parte temporárias, é um feito a ser reconhecido. A dívida pública, por outro lado, segue em nível elevado e crescente, mas não em trajetória indefinida ou explosiva. O caixa do Tesouro nunca foi tão polpudo, o que lhe permite tranquilidade para gerenciar as novas emissões, cobrir déficits adicionais e refinanciar a dívida vincenda.

Os juros são elevados, é verdade, mas não há nem cheiro de uma crise de solvência, de ausência de demanda por títulos públicos. O diagnóstico de uma situação fiscal desafiadora e o receituário de que a dívida precisa estabilizar-se e, depois, diminuir não contradizem a avaliação de que estamos distantes de um quadro de insolvência do setor público.

O balanço das contas externas é confortável, a balança comercial é relativamente robusta e as reservas internacionais, elevadas. Uma dose de compromisso intertemporal com a responsabilidade fiscal, inclusive por meio de um programa de corte de gastos e de revisão de despesas ineficientes, seria providencial para o convencimento das agências de classificação de risco.

Minha sugestão ao governo: apresente um programa de ajuste fiscal intertemporal em linha com as diretrizes do novo arcabouço fiscal (Lei Complementar n.º 200). É preciso mostrar quando as condições de sustentabilidade da dívida/PIB serão alcançadas. E convencer.

Essa sinalização fidedigna de retirada das contas do vermelho anularia a turbidez causada no curto prazo pelo descontingenciamento de gastos. Cabe ao governo segurar as despesas. O grau de investimento chegaria naturalmente e coroaria esse processo.

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