A reforma do Estado é central na agenda do desenvolvimento nacional. O governo Fernando Henrique Cardoso, com o ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, avançou muito. Lembremo-nos sempre. Assim como na questão tributária, propostas megalômanas na questão administrativa e de organização do Estado podem levar a feiosos monstrengos. Comamos, então, pelas beiradas.
O objetivo final é a modernização do Estado e a sua reorientação a modelos mais eficientes, capazes de produzir melhores políticas públicas, de modo fiscalmente responsável e sustentável. O Estado, como diz o professor Bresser-Pereira, é a ordem jurídica e a burocracia – eleita e não eleita – que garante a sua execução. Exemplo: o SUS está previsto na Constituição, mas ele só saiu do papel quando os políticos tomaram essa decisão e mobilizaram os técnicos para colocá-lo de pé.
A produtividade do funcionalismo e a qualidade dos serviços nas mais diversas políticas e atividades públicas, nos Três Poderes e nas três esferas federativas, têm de melhorar muito. Um terceiro aspecto é a organização das carreiras existentes e como elas estão ou não alinhadas às necessidades da própria máquina e dos objetivos fixados nas leis e na Constituição. Mas este último tópico eu abordarei em outra ocasião.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 32/2020, que trata de forma pouco objetiva a reforma do serviço público, tem sido utilizada pelo Parlamento para pressionar o governo trabalhista vigente. Esqueçam-na. Em 2007, no segundo governo Lula, foi constituída uma comissão de juristas para propor uma reforma mais geral. O relatório da comissão foi acompanhado de um extenso anteprojeto de lei, com o objetivo de substituir o antigo Decreto-lei n.º 200, de 1967.
O debate não avançou e o projeto de lei jamais foi encaminhado ao Congresso. Importante ressaltar que não se tratava de uma emenda à Constituição, mas de lei ordinária, com tramitação simples. Ocorre que muitas das propostas da comissão foram deliberadas, de forma não sistêmica, e convertidas em lei, por exemplo: o Estatuto Jurídico das Empresas Estatais, de 2016; o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, de 2014; o Contrato de Desempenho e o novo ordenamento para as agências reguladoras, ambos de 2019.
Avançar pelas beiradas é mais promissor, quando se trata de democracia consolidada e complexa como a brasileira. Avanços, aqui, e retrocessos, acolá, ainda não resolvemos a matéria central: como obter melhores serviços públicos.
Em 1995, no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, um dos focos da proposta tratava da execução de políticas públicas não exclusivas de Estado, ou seja, que não eram privativas do poder público. E dispunha de dois caminhos: o modelo de organização social e o modelo de fundação estatal.
O modelo de organização social foi adotado em 1997 por medida provisória, convertida na Lei n.º 9.637, de 1998, e avançou de forma significativa em Estados e municípios, ao longo do País, em especial na saúde, mas nos últimos anos se propagou também por outras áreas: cultura, educação e ciência e tecnologia.
Trata-se de entidades criadas pela sociedade civil sem fins lucrativos, com requisitos especiais de governança, para atuar em parceria com o poder público na implementação de políticas públicas, mediante contrato de gestão. Há inúmeros modelos de organizações sociais pelo País, que se difundiram a partir da experiência paulista.
Em geral, o modelo se mostrou adequado para entregar serviços públicos de qualidade, claro, onde foi corretamente implementado. Os problemas, obviamente, devem ser corrigidos, a partir do diagnóstico das experiências mencionadas e das avaliações já consignadas pelas decisões e entendimentos do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Outra possibilidade interessante para destravar boas políticas públicas é o modelo de fundação estatal, isto é, de fundação de direito privado instituída pelo poder público, modelo restabelecido pela Emenda Constitucional n.º 19, de 1998. O debate chegou a ser iniciado pelo Congresso, em 2007, mediante proposta encaminhada pelo Poder Executivo no segundo governo Lula. Faltou consenso. Diversos Estados e municípios adotaram a ideia com algum sucesso, mas, como boa parte das limitações ou restrições à execução na gestão de pessoas, fornecedores e finanças depende de regras federais ainda inexistentes, as experiências ficaram muito distantes de sua potencialidade.
As fundações são privadas e seu pessoal é contratado pela CLT com estabilidade vinculada à qualidade e à produtividade, assim como no modelo de organização social. Tudo pode ser regulado por contratos de gestão, com rédea curta e comando e controle do Estado.
O leitor já percebeu que minha proposta é modesta. Seria uma profunda, silenciosa e simples reforma da administração, focada em aperfeiçoar, corrigir e modernizar os modelos de organização social e de fundação estatal, este que ainda pende de regulamentação federal. Ganharíamos muito em qualidade de serviços públicos, sem prejuízo de avanços em outros tópicos importantes da temática em tela.
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ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN INVESTIMENTOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO