O jornalista Fernando Gabeira escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Uma CPI em busca da pós-verdade


Estamos diante de uma comissão que vai usar as imagens para que as diferentes versões se imponham. Há poucos debates no horizonte, poucos documentos esclarecedores

Por Fernando Gabeira

A invasão do Capitólio, nos EUA, em 6 de janeiro de 2021, inspirou uma comissão no Congresso americano que, por sua vez, resultou num relatório de alguma repercussão no país. Num texto de 800 páginas, Donald Trump aparece como o principal responsável pelo ataque.

Era de esperar que, após o 8 de Janeiro no Brasil, também se formasse uma comissão com a tarefa de documentar um fato histórico sem precedentes na nossa democracia.

Caminhos tortuosos nos levaram à CPI. No princípio, o governo não a queria. Em tese, era um momento de acusar a extrema direita e responsabilizar seus líderes, sobretudo os que afirmaram, sem provas, que as urnas eletrônicas são viciadas. Mas para o governo a vida seguia seu rumo: ao invés de olhar para trás, era preciso resolver questões cruciais do futuro próximo – o arcabouço fiscal e a reforma tributária. Neste contexto, a CPI do 8 de Janeiro era uma dispersão de energia.

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Outro aspecto interessante: o autor do pedido de CPI é um deputado investigado precisamente por cumplicidade com o tríplice ataque de 8 de janeiro. Era evidente que o objetivo era, de certa forma, impor uma nova versão dos fatos, deslocando o governo da posição de vítima para a de responsável.

Na verdade, os bolsonaristas queriam produzir a magia de invadir Congresso, Supremo Tribunal Federal e Planalto, destruir o que encontraram pelo caminho e, em seguida, convencer o País de que foi tudo um complô do governo. Seria preciso muita competência, de um lado, e total apatia, do outro, para que os acontecimentos do 8 de Janeiro dessem esse salto acrobático e caíssem de cabeça para baixo.

Houve um fator que o governo subestimou. O 8 de Janeiro aconteceu num momento especial de nossa história tecnológica. Todos tinham smartphones para documentar o estrago. Os assaltantes filmaram, a polícia filmou, os curiosos filmaram e as câmeras dos três prédios também filmaram. São milhares de horas filmadas. Para quem vive o momento atual, era evidente que essas imagens eram, de certa forma, o caminho real das investigações, mas que também, numa época caracterizada pela pós-verdade, a manipulação do material daria o controle das versões sobre os fatos.

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As imagens do Planalto não foram divulgadas nem analisadas transparentemente pelo governo. Acabaram vazando e, com isso, precipitaram a queda do general Gonçalves Dias e a própria instalação da CPI.

De fato, os militares do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) se recusaram a combater os invasores e, com a desculpa de gerir uma crise, mostraram-se gentis com eles. Deveriam ser afastados todos, pois nenhum palácio presidencial do planeta cai sem resistência dos seus defensores, a não ser que haja um golpe interno, mas ainda assim há resistência de um setor leal.

Estamos, agora, diante de uma CPI que vai usar as imagens para que as diferentes versões se imponham. Há poucos debates no horizonte, poucos documentos esclarecedores.

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O momento é outro. Haverá muitos parlamentares com o telefone na mão, falando com suas bolhas, produzindo vídeos curtos estimulando o confronto nas redes sociais. Essa é uma atividade que se impôs no Brasil, sobretudo depois de 2018.

O interessante é que os fatos mesmo já são quase todos conhecidos. Sabemos quem atacou, por que atacou, por quem foi influenciado. Mas nada disso importa, sobretudo à extrema direita. Ela se alimenta de uma fração da sociedade que já não se interessa mais em separar fatos de fantasias.

Por isso a atividade política, talvez a atividade pública de um modo geral, se move hoje num campo minado. É preciso recuperar os fatos, fortalecer os argumentos, superar os equívocos, enfim, trabalhar dentro das regras democráticas.

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Mas, por outro lado, é preciso compreender as novas variáveis do jogo. A transparência teria dado ao governo uma posição muito mais cômoda, embora fosse preciso explicar a hesitação de seu ministro do GSI e demitir todos os que não resistiram aos invasores.

Grande parte das batalhas se dá em torno de imagens, memes e teorias conspiratórias. Exércitos de robôs se deslocam no espaço virtual, invadindo corações e mentes, ocupando extensos territórios da opinião. A tarefa de comunicar com clareza e exatidão se tornou mais necessária porque, na verdade, só uma atmosfera caótica como essa transforma uma CPI num incômodo para o governo atingido e motivo de excitação para as forças agressoras.

Desde o princípio, as teses dos teóricos da extrema direita – Steve Bannon entre eles – apontam o caminho do caos, a tática de confundir e ofender não só adversários políticos, mas todos os que querem profissionalmente apurar os fatos, confirmá-los com rigor.

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Não é fácil encontrar uma tática correta nesta confusão, mas ela precisa ser decifrada, como uma esfinge pronta para devorar a democracia.

É obvio que é preciso muita luta. Mas, nessas circunstâncias, a luta apenas não resolve se não for informada por muita reflexão e coragem para inovar.

*

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JORNALISTA

A invasão do Capitólio, nos EUA, em 6 de janeiro de 2021, inspirou uma comissão no Congresso americano que, por sua vez, resultou num relatório de alguma repercussão no país. Num texto de 800 páginas, Donald Trump aparece como o principal responsável pelo ataque.

Era de esperar que, após o 8 de Janeiro no Brasil, também se formasse uma comissão com a tarefa de documentar um fato histórico sem precedentes na nossa democracia.

Caminhos tortuosos nos levaram à CPI. No princípio, o governo não a queria. Em tese, era um momento de acusar a extrema direita e responsabilizar seus líderes, sobretudo os que afirmaram, sem provas, que as urnas eletrônicas são viciadas. Mas para o governo a vida seguia seu rumo: ao invés de olhar para trás, era preciso resolver questões cruciais do futuro próximo – o arcabouço fiscal e a reforma tributária. Neste contexto, a CPI do 8 de Janeiro era uma dispersão de energia.

Outro aspecto interessante: o autor do pedido de CPI é um deputado investigado precisamente por cumplicidade com o tríplice ataque de 8 de janeiro. Era evidente que o objetivo era, de certa forma, impor uma nova versão dos fatos, deslocando o governo da posição de vítima para a de responsável.

Na verdade, os bolsonaristas queriam produzir a magia de invadir Congresso, Supremo Tribunal Federal e Planalto, destruir o que encontraram pelo caminho e, em seguida, convencer o País de que foi tudo um complô do governo. Seria preciso muita competência, de um lado, e total apatia, do outro, para que os acontecimentos do 8 de Janeiro dessem esse salto acrobático e caíssem de cabeça para baixo.

Houve um fator que o governo subestimou. O 8 de Janeiro aconteceu num momento especial de nossa história tecnológica. Todos tinham smartphones para documentar o estrago. Os assaltantes filmaram, a polícia filmou, os curiosos filmaram e as câmeras dos três prédios também filmaram. São milhares de horas filmadas. Para quem vive o momento atual, era evidente que essas imagens eram, de certa forma, o caminho real das investigações, mas que também, numa época caracterizada pela pós-verdade, a manipulação do material daria o controle das versões sobre os fatos.

As imagens do Planalto não foram divulgadas nem analisadas transparentemente pelo governo. Acabaram vazando e, com isso, precipitaram a queda do general Gonçalves Dias e a própria instalação da CPI.

De fato, os militares do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) se recusaram a combater os invasores e, com a desculpa de gerir uma crise, mostraram-se gentis com eles. Deveriam ser afastados todos, pois nenhum palácio presidencial do planeta cai sem resistência dos seus defensores, a não ser que haja um golpe interno, mas ainda assim há resistência de um setor leal.

Estamos, agora, diante de uma CPI que vai usar as imagens para que as diferentes versões se imponham. Há poucos debates no horizonte, poucos documentos esclarecedores.

O momento é outro. Haverá muitos parlamentares com o telefone na mão, falando com suas bolhas, produzindo vídeos curtos estimulando o confronto nas redes sociais. Essa é uma atividade que se impôs no Brasil, sobretudo depois de 2018.

O interessante é que os fatos mesmo já são quase todos conhecidos. Sabemos quem atacou, por que atacou, por quem foi influenciado. Mas nada disso importa, sobretudo à extrema direita. Ela se alimenta de uma fração da sociedade que já não se interessa mais em separar fatos de fantasias.

Por isso a atividade política, talvez a atividade pública de um modo geral, se move hoje num campo minado. É preciso recuperar os fatos, fortalecer os argumentos, superar os equívocos, enfim, trabalhar dentro das regras democráticas.

Mas, por outro lado, é preciso compreender as novas variáveis do jogo. A transparência teria dado ao governo uma posição muito mais cômoda, embora fosse preciso explicar a hesitação de seu ministro do GSI e demitir todos os que não resistiram aos invasores.

Grande parte das batalhas se dá em torno de imagens, memes e teorias conspiratórias. Exércitos de robôs se deslocam no espaço virtual, invadindo corações e mentes, ocupando extensos territórios da opinião. A tarefa de comunicar com clareza e exatidão se tornou mais necessária porque, na verdade, só uma atmosfera caótica como essa transforma uma CPI num incômodo para o governo atingido e motivo de excitação para as forças agressoras.

Desde o princípio, as teses dos teóricos da extrema direita – Steve Bannon entre eles – apontam o caminho do caos, a tática de confundir e ofender não só adversários políticos, mas todos os que querem profissionalmente apurar os fatos, confirmá-los com rigor.

Não é fácil encontrar uma tática correta nesta confusão, mas ela precisa ser decifrada, como uma esfinge pronta para devorar a democracia.

É obvio que é preciso muita luta. Mas, nessas circunstâncias, a luta apenas não resolve se não for informada por muita reflexão e coragem para inovar.

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JORNALISTA

A invasão do Capitólio, nos EUA, em 6 de janeiro de 2021, inspirou uma comissão no Congresso americano que, por sua vez, resultou num relatório de alguma repercussão no país. Num texto de 800 páginas, Donald Trump aparece como o principal responsável pelo ataque.

Era de esperar que, após o 8 de Janeiro no Brasil, também se formasse uma comissão com a tarefa de documentar um fato histórico sem precedentes na nossa democracia.

Caminhos tortuosos nos levaram à CPI. No princípio, o governo não a queria. Em tese, era um momento de acusar a extrema direita e responsabilizar seus líderes, sobretudo os que afirmaram, sem provas, que as urnas eletrônicas são viciadas. Mas para o governo a vida seguia seu rumo: ao invés de olhar para trás, era preciso resolver questões cruciais do futuro próximo – o arcabouço fiscal e a reforma tributária. Neste contexto, a CPI do 8 de Janeiro era uma dispersão de energia.

Outro aspecto interessante: o autor do pedido de CPI é um deputado investigado precisamente por cumplicidade com o tríplice ataque de 8 de janeiro. Era evidente que o objetivo era, de certa forma, impor uma nova versão dos fatos, deslocando o governo da posição de vítima para a de responsável.

Na verdade, os bolsonaristas queriam produzir a magia de invadir Congresso, Supremo Tribunal Federal e Planalto, destruir o que encontraram pelo caminho e, em seguida, convencer o País de que foi tudo um complô do governo. Seria preciso muita competência, de um lado, e total apatia, do outro, para que os acontecimentos do 8 de Janeiro dessem esse salto acrobático e caíssem de cabeça para baixo.

Houve um fator que o governo subestimou. O 8 de Janeiro aconteceu num momento especial de nossa história tecnológica. Todos tinham smartphones para documentar o estrago. Os assaltantes filmaram, a polícia filmou, os curiosos filmaram e as câmeras dos três prédios também filmaram. São milhares de horas filmadas. Para quem vive o momento atual, era evidente que essas imagens eram, de certa forma, o caminho real das investigações, mas que também, numa época caracterizada pela pós-verdade, a manipulação do material daria o controle das versões sobre os fatos.

As imagens do Planalto não foram divulgadas nem analisadas transparentemente pelo governo. Acabaram vazando e, com isso, precipitaram a queda do general Gonçalves Dias e a própria instalação da CPI.

De fato, os militares do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) se recusaram a combater os invasores e, com a desculpa de gerir uma crise, mostraram-se gentis com eles. Deveriam ser afastados todos, pois nenhum palácio presidencial do planeta cai sem resistência dos seus defensores, a não ser que haja um golpe interno, mas ainda assim há resistência de um setor leal.

Estamos, agora, diante de uma CPI que vai usar as imagens para que as diferentes versões se imponham. Há poucos debates no horizonte, poucos documentos esclarecedores.

O momento é outro. Haverá muitos parlamentares com o telefone na mão, falando com suas bolhas, produzindo vídeos curtos estimulando o confronto nas redes sociais. Essa é uma atividade que se impôs no Brasil, sobretudo depois de 2018.

O interessante é que os fatos mesmo já são quase todos conhecidos. Sabemos quem atacou, por que atacou, por quem foi influenciado. Mas nada disso importa, sobretudo à extrema direita. Ela se alimenta de uma fração da sociedade que já não se interessa mais em separar fatos de fantasias.

Por isso a atividade política, talvez a atividade pública de um modo geral, se move hoje num campo minado. É preciso recuperar os fatos, fortalecer os argumentos, superar os equívocos, enfim, trabalhar dentro das regras democráticas.

Mas, por outro lado, é preciso compreender as novas variáveis do jogo. A transparência teria dado ao governo uma posição muito mais cômoda, embora fosse preciso explicar a hesitação de seu ministro do GSI e demitir todos os que não resistiram aos invasores.

Grande parte das batalhas se dá em torno de imagens, memes e teorias conspiratórias. Exércitos de robôs se deslocam no espaço virtual, invadindo corações e mentes, ocupando extensos territórios da opinião. A tarefa de comunicar com clareza e exatidão se tornou mais necessária porque, na verdade, só uma atmosfera caótica como essa transforma uma CPI num incômodo para o governo atingido e motivo de excitação para as forças agressoras.

Desde o princípio, as teses dos teóricos da extrema direita – Steve Bannon entre eles – apontam o caminho do caos, a tática de confundir e ofender não só adversários políticos, mas todos os que querem profissionalmente apurar os fatos, confirmá-los com rigor.

Não é fácil encontrar uma tática correta nesta confusão, mas ela precisa ser decifrada, como uma esfinge pronta para devorar a democracia.

É obvio que é preciso muita luta. Mas, nessas circunstâncias, a luta apenas não resolve se não for informada por muita reflexão e coragem para inovar.

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