O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, inaugurou anteontem um ilegítimo mandato como presidente da Venezuela após ter sido fragorosamente derrotado nas urnas pelo oposicionista Edmundo González Urrutia. No falso juramento perante a Assembleia Nacional, o ditador prometeu uma era de “paz e prosperidade”, além de anunciar o início de uma “nova democracia”, eufemismo para uma ditadura tão velha quanto abjeta.
Um processo eleitoral fraudado do início ao fim para favorecer Maduro e, ademais, marcado pela violenta repressão aos opositores e à imprensa profissional não podia mesmo resultar em outra coisa a não ser naquele embuste travestido de cerimônia de posse.
Maduro foi entronizado no poder que usurpou por um séquito de aduladores, civis e militares, que lhe prestam vassalagem em troca das polpudas benesses estatais que costumam comprar a associação dos pusilânimes com regimes de força, como o que ele comanda com mãos de ferro há quase 12 anos. Caso conclua o atual mandato, Maduro será o mais longevo líder da Venezuela na história do país, superando seu padrinho político, o coronel Hugo Chávez (1999-2013), e até Simón Bolívar (1819-1830).
A patacoada foi completamente esvaziada de líderes de peso, um retrato do absoluto isolamento internacional de Maduro, tratado como pária. Nem a China nem a Rússia, os dois mais poderosos aliados do ditador venezuelano, enviaram autoridades de alto escalão para prestigiar o tirano. Por outro lado, como não poderia deixar de ser, os ditadores de Cuba, Miguel Diáz-Canel, e da Nicarágua, Daniel Ortega, fizeram questão de assistir pessoalmente à sagração de Maduro.
O presidente Lula da Silva, como se sabe, não foi aclamar o companheiro venezuelano, mas nem por isso deixou de envergonhar o Brasil. Depois de adotar uma atitude ambígua em relação à eleição, dizendo que reconheceria a vitória de Maduro no instante em que ele apresentasse as atas eleitorais – o que nunca fez –, o governo enviou a embaixadora Glivânia Maria de Oliveira para representar o País na “posse”, um gesto que, nas palavras do chanceler de facto Celso Amorim à CNN Brasil, não passou de mero cumprimento de “um ritual diplomático entre Estados”.
Ao fazê-lo, o Brasil, na prática, reconheceu a vitória eleitoral de Maduro e seu novo mandato, conquistado na base da roubalheira e da violência. Havia alternativa: o Chile, por exemplo, não mandou ninguém para prestigiar o ditador, porque, nas palavras do presidente Gabriel Boric, a “posse” era “desprovida de legitimidade democrática”.
Recorde-se que Boric é de esquerda – mas, ao contrário de outros líderes de esquerda na América Latina, como Lula, considera inaceitável que um regime se perpetue no poder à base da força, ainda que esse regime seja esquerdista. Boric entendeu muito bem que enviar um representante à culminação da farsa eleitoral na Venezuela significaria, na prática, reconhecer a autoridade de um presidente ilegítimo.
Mesmo que Lula fosse lúcido como Boric e tivesse deixado vazia a cadeira reservada ao representante brasileiro na “posse” de Maduro, não mudaria o fato incontestável de que o petista foi um dos principais avalistas da degeneração da democracia venezuelana. A Venezuela não se transformou em ditadura agora: há anos se sabe que o país é governado por uma feroz e corrupta tirania, disfarçada por vitórias eleitorais fabricadas para comprovar o suposto apoio popular.
Apesar das gritantes evidências, Lula chegou a dizer que aquele país tinha “excesso de democracia”. Mais recentemente, justificou o apoio da esquerda à ditadura venezuelana dizendo que “a Venezuela tem mais eleições que o Brasil” e que “o conceito de democracia é relativo”. O mesmo Lula, depois de receber Maduro com honras de chefe de Estado em 2023, quando já se sabia que o tirano preparava sua vitória eleitoral na marra, disse ao companheiro que ele precisava “construir sua narrativa” para se contrapor à “narrativa que eles têm contado contra você”.
Maduro seguiu o conselho de Lula e construiu sua “narrativa”: a de que ganhou a eleição presidencial de maneira limpa. Aqui é Lula quem tenta construir a “narrativa” de que salvou a democracia brasileira. Em ambos os casos, só os sabujos e os incautos acreditam.