Jornalista, escritor (Prêmio Jabuti 2000 e 2005; Prêmio APCA 2004) e professor aposentado da Universidade de Brasília, Flávio Tavares escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|A ressurreição e o poder


Na política, o frenesi provoca surdez. Ouve-se somente o que se quer escutar, jamais a realidade daquilo que nos dizem

Por Flávio Tavares

Existem figuras que permanecem ao longo da História como exemplo e modelo. Quem não se recorda do bacteriologista Alexander Fleming, que, ao desenvolver a penicilina, abriu o mundo novo dos antibióticos, revolucionando a Medicina e prolongando nossa vida?

Em contraposição, há o lado oposto, com figuras execráveis no exercício do poder, principalmente na política. Aí estão, por exemplo, Adolf Hitler, Josef Stalin e Pol Pot, que exerceram o mando com sangue e assassinatos, ou até os ditadores (mesmo em forma atenuada) que se revezaram no poder no Brasil a partir do golpe militar de 1964, que completará 60 anos em breve.

Tudo isso me faz recordar uma situação comum, antes ainda da eclosão da Segunda Guerra Mundial, nas pequenas cidades do Sul do Brasil habitadas por descendentes de alemães. Meninos e meninas ansiavam nas escolas pela “tríplice folgança” de 19, 20 e 21 de abril.

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Dia 19, data de aniversário do então presidente Getúlio Vargas, não havia aula, tão só discursos elogiosos dos professores. Dia 20, natalício de Adolf Hitler, os relatos sobre as “grandiosas virtudes” do Führer, propagadas pelos consulados da Alemanha, fechavam escolas e comércios. E, no dia 21, feriado nacional em homenagem a Tiradentes, mártir da Independência.

Depois, veio a guerra longa e atroz, com marchas e contramarchas, até que em 1945 a Alemanha nazista capitulou e o ditador Adolf Hitler suicidou-se no seu bunker em Berlim.

Vitoriosos, os três exércitos aliados (Estados Unidos, Inglaterra e União Soviética) sumiram com o cadáver dele, para apagá-lo do futuro e da memória histórica.

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Eis que agora, sob certos aspectos, Hitler ressuscita, ainda que numa visão crítica ao que o ditador nazista engendrou e patrocinou.

Em discurso na Cúpula da União Africana, o presidente Lula da Silva (convidado para a reunião) reinventou o chefão nazista ao comparar as ações militares do Estado de Israel sobre a população civil palestina na Faixa de Gaza ao terror desencadeado por Hitler contra os judeus na própria Alemanha.

Em termos históricos, a comparação é absurda. Na Alemanha de Hitler, os judeus eram cidadãos alemães enviados a “campos de trabalho” para serem exterminados ainda antes da Segunda Guerra Mundial. A funesta Noite dos Cristais, em novembro de 1938, iniciou o terror. Em Gaza, o exército de Israel bombardeia a população civil num ato que não se aplaude, mas em guerra contra o terrorismo do Hamas.

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O terror das guerras é a violência em si, em que matar, aniquilar e destruir é “gesto heroico”. Não importa sequer que, numa manobra, o chefe do governo israelense, Benjamin Netanyahu (acusado de corrupção anos atrás), coordene a guerra invocando patriotismo.

Ressuscitar Hitler, seja de que forma for, tão só revive um período brutal e tormentoso que deve ser atirado à podridão do lixo, para que não se repita.

Mais do que tudo, porém, a concentração bolsonarista de domingo passado na Avenida Paulista, com milhares de pessoas aplaudindo uma série de desgastados lugares-comuns, soou como a ressurreição do que não deve ser feito. Também Hitler foi tido e aplaudido como quem iria reerguer a Alemanha. Seu palavreado simulava coragem e decisão, fazendo com que multidões frenéticas o aplaudissem até em boa-fé.

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A fotografia da multidão que aplaudia Bolsonaro, estampada neste jornal dias atrás, me fez voltar aos anos 1930, em que a culta Alemanha seguia quem que lhe prometesse o Paraíso. Lembrei-me até de um filme documentário sobre a convenção do partido nazista em Nuremberg, em que a multidão, extasiada pelo palavreado do “chefe supremo e guia”, gritava seu nome e aplaudia freneticamente tudo o que ele dissesse, até as pausas.

Na política, o frenesi provoca surdez. Ouve-se somente o que se quer escutar, jamais a realidade daquilo que nos dizem.

A Operação Tempus Veritatis, da Polícia Federal, vem mostrando os fios da trama com que o então presidente Jair Bolsonaro buscou engendrar um golpe de Estado para manter-se no poder ou, talvez, até mesmo para nele se perpetuar. Nada do que aparece foi inventado ou nasceu de suposições ou aparências. Ao contrário, tudo foi revelado pelos próprios implicados, todos próximos do ex-presidente, a começar por seu ajudante de ordens.

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Os métodos de Bolsonaro têm raízes estranhas à política convencional e fazem relembrar até o incêndio do Parlamento alemão, em Berlim, para depois culpar os comunistas.

Mas agora, no Brasil, outro é o incêndio. Apela-se ao misticismo das igrejas pentecostais e (tal qual no comício da Avenida Paulista) o pastor Silas Malafaia diz tudo aquilo que Bolsonaro evita dizer, mas que no fundo do inconsciente talvez aplauda e pretenda fazer como se fosse um antecipado programa político apresentado ao público.

No entanto, a História só se repete como farsa, como já foi dito. Não creio, nem sequer penso, que o ex-presidente pretendesse ser sanguinário ditador, seja de que tipo for, mas buscava o horror para nele ressuscitar.

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JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA 2000 E 2005, PRÊMIO APCA 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Existem figuras que permanecem ao longo da História como exemplo e modelo. Quem não se recorda do bacteriologista Alexander Fleming, que, ao desenvolver a penicilina, abriu o mundo novo dos antibióticos, revolucionando a Medicina e prolongando nossa vida?

Em contraposição, há o lado oposto, com figuras execráveis no exercício do poder, principalmente na política. Aí estão, por exemplo, Adolf Hitler, Josef Stalin e Pol Pot, que exerceram o mando com sangue e assassinatos, ou até os ditadores (mesmo em forma atenuada) que se revezaram no poder no Brasil a partir do golpe militar de 1964, que completará 60 anos em breve.

Tudo isso me faz recordar uma situação comum, antes ainda da eclosão da Segunda Guerra Mundial, nas pequenas cidades do Sul do Brasil habitadas por descendentes de alemães. Meninos e meninas ansiavam nas escolas pela “tríplice folgança” de 19, 20 e 21 de abril.

Dia 19, data de aniversário do então presidente Getúlio Vargas, não havia aula, tão só discursos elogiosos dos professores. Dia 20, natalício de Adolf Hitler, os relatos sobre as “grandiosas virtudes” do Führer, propagadas pelos consulados da Alemanha, fechavam escolas e comércios. E, no dia 21, feriado nacional em homenagem a Tiradentes, mártir da Independência.

Depois, veio a guerra longa e atroz, com marchas e contramarchas, até que em 1945 a Alemanha nazista capitulou e o ditador Adolf Hitler suicidou-se no seu bunker em Berlim.

Vitoriosos, os três exércitos aliados (Estados Unidos, Inglaterra e União Soviética) sumiram com o cadáver dele, para apagá-lo do futuro e da memória histórica.

Eis que agora, sob certos aspectos, Hitler ressuscita, ainda que numa visão crítica ao que o ditador nazista engendrou e patrocinou.

Em discurso na Cúpula da União Africana, o presidente Lula da Silva (convidado para a reunião) reinventou o chefão nazista ao comparar as ações militares do Estado de Israel sobre a população civil palestina na Faixa de Gaza ao terror desencadeado por Hitler contra os judeus na própria Alemanha.

Em termos históricos, a comparação é absurda. Na Alemanha de Hitler, os judeus eram cidadãos alemães enviados a “campos de trabalho” para serem exterminados ainda antes da Segunda Guerra Mundial. A funesta Noite dos Cristais, em novembro de 1938, iniciou o terror. Em Gaza, o exército de Israel bombardeia a população civil num ato que não se aplaude, mas em guerra contra o terrorismo do Hamas.

O terror das guerras é a violência em si, em que matar, aniquilar e destruir é “gesto heroico”. Não importa sequer que, numa manobra, o chefe do governo israelense, Benjamin Netanyahu (acusado de corrupção anos atrás), coordene a guerra invocando patriotismo.

Ressuscitar Hitler, seja de que forma for, tão só revive um período brutal e tormentoso que deve ser atirado à podridão do lixo, para que não se repita.

Mais do que tudo, porém, a concentração bolsonarista de domingo passado na Avenida Paulista, com milhares de pessoas aplaudindo uma série de desgastados lugares-comuns, soou como a ressurreição do que não deve ser feito. Também Hitler foi tido e aplaudido como quem iria reerguer a Alemanha. Seu palavreado simulava coragem e decisão, fazendo com que multidões frenéticas o aplaudissem até em boa-fé.

A fotografia da multidão que aplaudia Bolsonaro, estampada neste jornal dias atrás, me fez voltar aos anos 1930, em que a culta Alemanha seguia quem que lhe prometesse o Paraíso. Lembrei-me até de um filme documentário sobre a convenção do partido nazista em Nuremberg, em que a multidão, extasiada pelo palavreado do “chefe supremo e guia”, gritava seu nome e aplaudia freneticamente tudo o que ele dissesse, até as pausas.

Na política, o frenesi provoca surdez. Ouve-se somente o que se quer escutar, jamais a realidade daquilo que nos dizem.

A Operação Tempus Veritatis, da Polícia Federal, vem mostrando os fios da trama com que o então presidente Jair Bolsonaro buscou engendrar um golpe de Estado para manter-se no poder ou, talvez, até mesmo para nele se perpetuar. Nada do que aparece foi inventado ou nasceu de suposições ou aparências. Ao contrário, tudo foi revelado pelos próprios implicados, todos próximos do ex-presidente, a começar por seu ajudante de ordens.

Os métodos de Bolsonaro têm raízes estranhas à política convencional e fazem relembrar até o incêndio do Parlamento alemão, em Berlim, para depois culpar os comunistas.

Mas agora, no Brasil, outro é o incêndio. Apela-se ao misticismo das igrejas pentecostais e (tal qual no comício da Avenida Paulista) o pastor Silas Malafaia diz tudo aquilo que Bolsonaro evita dizer, mas que no fundo do inconsciente talvez aplauda e pretenda fazer como se fosse um antecipado programa político apresentado ao público.

No entanto, a História só se repete como farsa, como já foi dito. Não creio, nem sequer penso, que o ex-presidente pretendesse ser sanguinário ditador, seja de que tipo for, mas buscava o horror para nele ressuscitar.

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JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA 2000 E 2005, PRÊMIO APCA 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Existem figuras que permanecem ao longo da História como exemplo e modelo. Quem não se recorda do bacteriologista Alexander Fleming, que, ao desenvolver a penicilina, abriu o mundo novo dos antibióticos, revolucionando a Medicina e prolongando nossa vida?

Em contraposição, há o lado oposto, com figuras execráveis no exercício do poder, principalmente na política. Aí estão, por exemplo, Adolf Hitler, Josef Stalin e Pol Pot, que exerceram o mando com sangue e assassinatos, ou até os ditadores (mesmo em forma atenuada) que se revezaram no poder no Brasil a partir do golpe militar de 1964, que completará 60 anos em breve.

Tudo isso me faz recordar uma situação comum, antes ainda da eclosão da Segunda Guerra Mundial, nas pequenas cidades do Sul do Brasil habitadas por descendentes de alemães. Meninos e meninas ansiavam nas escolas pela “tríplice folgança” de 19, 20 e 21 de abril.

Dia 19, data de aniversário do então presidente Getúlio Vargas, não havia aula, tão só discursos elogiosos dos professores. Dia 20, natalício de Adolf Hitler, os relatos sobre as “grandiosas virtudes” do Führer, propagadas pelos consulados da Alemanha, fechavam escolas e comércios. E, no dia 21, feriado nacional em homenagem a Tiradentes, mártir da Independência.

Depois, veio a guerra longa e atroz, com marchas e contramarchas, até que em 1945 a Alemanha nazista capitulou e o ditador Adolf Hitler suicidou-se no seu bunker em Berlim.

Vitoriosos, os três exércitos aliados (Estados Unidos, Inglaterra e União Soviética) sumiram com o cadáver dele, para apagá-lo do futuro e da memória histórica.

Eis que agora, sob certos aspectos, Hitler ressuscita, ainda que numa visão crítica ao que o ditador nazista engendrou e patrocinou.

Em discurso na Cúpula da União Africana, o presidente Lula da Silva (convidado para a reunião) reinventou o chefão nazista ao comparar as ações militares do Estado de Israel sobre a população civil palestina na Faixa de Gaza ao terror desencadeado por Hitler contra os judeus na própria Alemanha.

Em termos históricos, a comparação é absurda. Na Alemanha de Hitler, os judeus eram cidadãos alemães enviados a “campos de trabalho” para serem exterminados ainda antes da Segunda Guerra Mundial. A funesta Noite dos Cristais, em novembro de 1938, iniciou o terror. Em Gaza, o exército de Israel bombardeia a população civil num ato que não se aplaude, mas em guerra contra o terrorismo do Hamas.

O terror das guerras é a violência em si, em que matar, aniquilar e destruir é “gesto heroico”. Não importa sequer que, numa manobra, o chefe do governo israelense, Benjamin Netanyahu (acusado de corrupção anos atrás), coordene a guerra invocando patriotismo.

Ressuscitar Hitler, seja de que forma for, tão só revive um período brutal e tormentoso que deve ser atirado à podridão do lixo, para que não se repita.

Mais do que tudo, porém, a concentração bolsonarista de domingo passado na Avenida Paulista, com milhares de pessoas aplaudindo uma série de desgastados lugares-comuns, soou como a ressurreição do que não deve ser feito. Também Hitler foi tido e aplaudido como quem iria reerguer a Alemanha. Seu palavreado simulava coragem e decisão, fazendo com que multidões frenéticas o aplaudissem até em boa-fé.

A fotografia da multidão que aplaudia Bolsonaro, estampada neste jornal dias atrás, me fez voltar aos anos 1930, em que a culta Alemanha seguia quem que lhe prometesse o Paraíso. Lembrei-me até de um filme documentário sobre a convenção do partido nazista em Nuremberg, em que a multidão, extasiada pelo palavreado do “chefe supremo e guia”, gritava seu nome e aplaudia freneticamente tudo o que ele dissesse, até as pausas.

Na política, o frenesi provoca surdez. Ouve-se somente o que se quer escutar, jamais a realidade daquilo que nos dizem.

A Operação Tempus Veritatis, da Polícia Federal, vem mostrando os fios da trama com que o então presidente Jair Bolsonaro buscou engendrar um golpe de Estado para manter-se no poder ou, talvez, até mesmo para nele se perpetuar. Nada do que aparece foi inventado ou nasceu de suposições ou aparências. Ao contrário, tudo foi revelado pelos próprios implicados, todos próximos do ex-presidente, a começar por seu ajudante de ordens.

Os métodos de Bolsonaro têm raízes estranhas à política convencional e fazem relembrar até o incêndio do Parlamento alemão, em Berlim, para depois culpar os comunistas.

Mas agora, no Brasil, outro é o incêndio. Apela-se ao misticismo das igrejas pentecostais e (tal qual no comício da Avenida Paulista) o pastor Silas Malafaia diz tudo aquilo que Bolsonaro evita dizer, mas que no fundo do inconsciente talvez aplauda e pretenda fazer como se fosse um antecipado programa político apresentado ao público.

No entanto, a História só se repete como farsa, como já foi dito. Não creio, nem sequer penso, que o ex-presidente pretendesse ser sanguinário ditador, seja de que tipo for, mas buscava o horror para nele ressuscitar.

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JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA 2000 E 2005, PRÊMIO APCA 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Existem figuras que permanecem ao longo da História como exemplo e modelo. Quem não se recorda do bacteriologista Alexander Fleming, que, ao desenvolver a penicilina, abriu o mundo novo dos antibióticos, revolucionando a Medicina e prolongando nossa vida?

Em contraposição, há o lado oposto, com figuras execráveis no exercício do poder, principalmente na política. Aí estão, por exemplo, Adolf Hitler, Josef Stalin e Pol Pot, que exerceram o mando com sangue e assassinatos, ou até os ditadores (mesmo em forma atenuada) que se revezaram no poder no Brasil a partir do golpe militar de 1964, que completará 60 anos em breve.

Tudo isso me faz recordar uma situação comum, antes ainda da eclosão da Segunda Guerra Mundial, nas pequenas cidades do Sul do Brasil habitadas por descendentes de alemães. Meninos e meninas ansiavam nas escolas pela “tríplice folgança” de 19, 20 e 21 de abril.

Dia 19, data de aniversário do então presidente Getúlio Vargas, não havia aula, tão só discursos elogiosos dos professores. Dia 20, natalício de Adolf Hitler, os relatos sobre as “grandiosas virtudes” do Führer, propagadas pelos consulados da Alemanha, fechavam escolas e comércios. E, no dia 21, feriado nacional em homenagem a Tiradentes, mártir da Independência.

Depois, veio a guerra longa e atroz, com marchas e contramarchas, até que em 1945 a Alemanha nazista capitulou e o ditador Adolf Hitler suicidou-se no seu bunker em Berlim.

Vitoriosos, os três exércitos aliados (Estados Unidos, Inglaterra e União Soviética) sumiram com o cadáver dele, para apagá-lo do futuro e da memória histórica.

Eis que agora, sob certos aspectos, Hitler ressuscita, ainda que numa visão crítica ao que o ditador nazista engendrou e patrocinou.

Em discurso na Cúpula da União Africana, o presidente Lula da Silva (convidado para a reunião) reinventou o chefão nazista ao comparar as ações militares do Estado de Israel sobre a população civil palestina na Faixa de Gaza ao terror desencadeado por Hitler contra os judeus na própria Alemanha.

Em termos históricos, a comparação é absurda. Na Alemanha de Hitler, os judeus eram cidadãos alemães enviados a “campos de trabalho” para serem exterminados ainda antes da Segunda Guerra Mundial. A funesta Noite dos Cristais, em novembro de 1938, iniciou o terror. Em Gaza, o exército de Israel bombardeia a população civil num ato que não se aplaude, mas em guerra contra o terrorismo do Hamas.

O terror das guerras é a violência em si, em que matar, aniquilar e destruir é “gesto heroico”. Não importa sequer que, numa manobra, o chefe do governo israelense, Benjamin Netanyahu (acusado de corrupção anos atrás), coordene a guerra invocando patriotismo.

Ressuscitar Hitler, seja de que forma for, tão só revive um período brutal e tormentoso que deve ser atirado à podridão do lixo, para que não se repita.

Mais do que tudo, porém, a concentração bolsonarista de domingo passado na Avenida Paulista, com milhares de pessoas aplaudindo uma série de desgastados lugares-comuns, soou como a ressurreição do que não deve ser feito. Também Hitler foi tido e aplaudido como quem iria reerguer a Alemanha. Seu palavreado simulava coragem e decisão, fazendo com que multidões frenéticas o aplaudissem até em boa-fé.

A fotografia da multidão que aplaudia Bolsonaro, estampada neste jornal dias atrás, me fez voltar aos anos 1930, em que a culta Alemanha seguia quem que lhe prometesse o Paraíso. Lembrei-me até de um filme documentário sobre a convenção do partido nazista em Nuremberg, em que a multidão, extasiada pelo palavreado do “chefe supremo e guia”, gritava seu nome e aplaudia freneticamente tudo o que ele dissesse, até as pausas.

Na política, o frenesi provoca surdez. Ouve-se somente o que se quer escutar, jamais a realidade daquilo que nos dizem.

A Operação Tempus Veritatis, da Polícia Federal, vem mostrando os fios da trama com que o então presidente Jair Bolsonaro buscou engendrar um golpe de Estado para manter-se no poder ou, talvez, até mesmo para nele se perpetuar. Nada do que aparece foi inventado ou nasceu de suposições ou aparências. Ao contrário, tudo foi revelado pelos próprios implicados, todos próximos do ex-presidente, a começar por seu ajudante de ordens.

Os métodos de Bolsonaro têm raízes estranhas à política convencional e fazem relembrar até o incêndio do Parlamento alemão, em Berlim, para depois culpar os comunistas.

Mas agora, no Brasil, outro é o incêndio. Apela-se ao misticismo das igrejas pentecostais e (tal qual no comício da Avenida Paulista) o pastor Silas Malafaia diz tudo aquilo que Bolsonaro evita dizer, mas que no fundo do inconsciente talvez aplauda e pretenda fazer como se fosse um antecipado programa político apresentado ao público.

No entanto, a História só se repete como farsa, como já foi dito. Não creio, nem sequer penso, que o ex-presidente pretendesse ser sanguinário ditador, seja de que tipo for, mas buscava o horror para nele ressuscitar.

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JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA 2000 E 2005, PRÊMIO APCA 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Opinião por Flávio Tavares

Jornalista, escritor (Prêmio Jabuti 2000 e 2005; Prêmio APCA 2004) e professor aposentado da Universidade de Brasília, Flávio Tavares escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

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