Todo final de ano, cada um de nós se arrisca a um balanço do que vivemos, convencido de que isso nos guiará como farol na escuridão para não repetirmos os equívocos ou erros dos últimos 365 dias. Não se pense, porém, que isso é dezembro se despedindo, pois a ocorrência mais importante do ano (o resultado da eleição presidencial nos Estados Unidos) é algo ainda de novembro. Aí, porém, foi só o começo da surpresa, que pode transformar-se em início de horror. Tudo é ainda uma indagação, mas basta indagar para criar medo. Surge a pergunta crucial: o futuro presidente americano irá retirar os EUA do “Acordo Climático de Paris”, como o fez anos atrás, sem importar-se de que seja o documento fundamental para evitar o colapso do planeta?
O horror, no entanto, não é só isso, ainda que tenha dimensão planetária e incida sobre a vida como um todo. O horror também é doméstico e surge agora entre nós, no Brasil, com as revelações do inquérito da Polícia Federal (PF) sobre os preparativos de um golpe militar para prolongar o período de Jair Bolsonaro na Presidência da República alegando que o resultado da eleição de 2022 foi fraudulento. Todos os crimes do Código Penal aparecem agora reunidos nessa investigação, a começar pelo planejamento do mais horrendo deles, o assassinato do presidente Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
A história da América Latina está repleta de golpes de Estado. Nenhum deles, porém, com as perversas minúcias reveladas pelo inquérito da Polícia Federal, e que chegam a algo aberrante (como o assassinato) encontrado apenas em mentes enlouquecidas pelo poder. Sim, pois o assassinato é isso, com um agravante ainda maior e mais torpe ou brutal: os indiciados no inquérito (que planejaram a mortandade) são generais e militares de patentes superiores, como o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens do então presidente da República. Não são marginais, mas gente tida como responsável que exercia altas funções governamentais. É desnecessário repetir aqui os detalhes que este jornal e toda a imprensa já mostraram.
Não há nada mais horrendo do que o assassinato e, nele, o magnicídio é uma forma cruel por fazer chorar de angústia a milhares ou até milhões de pessoas que confiavam nas eventuais vítimas e nos executores do crime. Sem apontar qualquer equívoco no inquérito da Polícia Federal, Jair Bolsonaro o chamou de “historinha”, no diminutivo, tal qual (quando presidente) classificou de “gripezinha” a pandemia de covid-19…
Não é só por isso, porém, que se pode lamentar e chorar. Já lembrei aqui que no Brasil não existe pena de morte. Nem o mais minucioso processo judicial que comprove a sanha do criminoso pode condená-lo à morte. A polícia, porém, parece ter o “direito de matar”. De janeiro a setembro deste ano, a Polícia Militar (PM) de São Paulo matou 496 pessoas, entre elas uma criança de apenas 4 anos, Ryan Andrade, cujo nome friso aqui para que fique como registro histórico do absurdo enredado na barbárie. Ou outro mais recente, em que um PM atirou um homem de uma ponte.
Há outro fenômeno que envolve o planeta inteiro e, por isso, talvez mais grave que o assassinato ou o “direito de matar” atribuído à polícia. A Organização Meteorológica Mundial alertou que as concentrações de dióxido de carbono (principal causa do aquecimento global) crescem agora mais rápido do que em qualquer momento desde que a espécie humana evoluiu.
Atualmente, o potencial de aprisionamento de calor na atmosfera é 51,5% mais alto do que em 1990, data em que os cientistas da Organização das Nações Unidas (ONU) alertaram, pela primeira vez, que o planeta caminhava para mudanças climáticas catastróficas. Até agora, porém, não há no Brasil uma política de Estado para proteger a vida no planeta.
A recente reunião do G-20 no Rio de Janeiro deixou em aberto o compromisso com as mudanças climáticas que, de fato, já se transformaram em crise e caminham para algo ainda mais aterrador.
A COP-29, realizada dias atrás em Baku, no Azerbaijão, destinou US$ 300 bilhões para combater as mudanças climáticas, mas não explicou de onde sairá essa imensa quantia. Deu preferência, no entanto, ao chamado “mercado de carbono”, festejado inclusive por nossa ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Em realidade, porém, o “mercado de carbono” é um simples ajuste contábil ou estatístico, no qual os países que pouco ou nada poluem “vendem” créditos aos grandes poluidores, que continuarão a contaminar. Surge aí uma pergunta: isso reduzirá, em verdade, a poluição do planeta ou – ao contrário – apenas irá deslocá-la, numericamente, de um lugar a outro?
Em suma: para nos despedirmos de 2024 não basta apenas desejar “feliz ano-novo”, como costumamos fazer. Teremos de conhecer o presente para encarar o futuro e vencê-lo sem qualquer percalço, para que os absurdos atuais não se transformem em triunfo.
*
JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA 2000 E 2005, PRÊMIO APCA 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA