Jornalista, escritor (Prêmio Jabuti 2000 e 2005; Prêmio APCA 2004) e professor aposentado da Universidade de Brasília, Flávio Tavares escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Da cadeirada de agora ao Cacareco de ontem


Seguimos negando as evidências, como se a defesa do meio ambiente nada tivesse que ver com a área municipal

Por Flávio Tavares

No próximo domingo, celebram-se eleições para prefeitos em 5.570 municípios, além de 58 mil vereadores ao longo do País. Na cidade de São Paulo, a expectativa pelo resultado é redobrada e ecoa Brasil afora, mas não só porque se trata da maior cidade do País e da América Latina.

O motivo principal foi a campanha eleitoral ou, mais exatamente, a “cadeirada” que dominou um dos debates entre os candidatos a prefeito. Mais do que nunca, aplica-se naquele episódio o velho refrão “vivendo e aprendendo”. No entanto, os políticos parecem não ter entendido o significado de uma eleição, vendo toda a campanha eleitoral como se fosse apenas uma contagem para arrebanhar votos. Ou uma simples aposta na Mega-Sena acumulada…

A “cadeirada” mostrou a pobreza da campanha eleitoral e, mais do que tudo, revelou que os insultos verbais geram reações impensadas. Não ouso defender o autor da “cadeirada”. No entanto, prefiro vê-la como uma reação à mediocridade da campanha eleitoral (revelada naquele debate) e da qual ele próprio foi um dos protagonistas.

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Lembro-me agora do “resultado” da eleição à Câmara de Vereadores em 1959 na cidade de São Paulo. Naquela época não havia urna eletrônica como agora (quando usamos apenas números) e se votava escrevendo o nome do candidato preferido numa cédula de papel.

Pois, naquele ano de 1959, o rinoceronte Cacareco, do zoológico paulistano, obteve mais de 100 mil votos, transformando-se no vereador mais votado, suplantando mais de 450 candidatos à Câmara Municipal. A iniciativa e propaganda do rinoceronte-candidato foram inventadas pelo jornalista deste jornal Itaboraí Martins, e o Estadão encampou e divulgou.

Ali estava a crítica mais aguda à medíocre campanha eleitoral daquele 1959. Surgiu até uma canção para festejar o “candidato” que muitos entoavam pelas ruas. “Cansados de tanto sofrer / E de levar peteleco / Vamos agora responder / Votando no Cacareco”.

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Os meios de comunicação do mundo inteiro contaram do “êxito” de Cacareco, que mesmo sendo o candidato mais votado, com mais de 100 mil sufrágios para ocupar uma das 45 cadeiras de vereadores, obviamente não foi reconhecido pela Justiça Eleitoral. Os sufrágios a ele destinados foram anulados.

Agora não existem rinocerontes que tomem o lugar de Cacareco, que morreu anos atrás, mas cujo esqueleto se encontra à mostra no Museu de Anatomia da Universidade de São Paulo.

No País inteiro, os partidos políticos e os candidatos a prefeito, vice e vereadores receberam agora R$ 4,9 bilhões (repito, bilhões), nada menos do que 150% superior à verba das eleições municipais de 2020.

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Mundo afora, todos reconhecem que os municípios são a “célula mater” da administração pública. Lá, os problemas estão à mostra, ainda no nascedouro, antes de expandir-se pelo Estado e o País. Assim, é mais fácil resolvê-los. Entretanto, na maior cidade da América Latina a defesa do meio ambiente não apareceu na propaganda eleitoral ou foi apenas mencionada nos debates dos candidatos.

Assim, pergunto: será mesmo que estamos aprendendo com o desastre, ou continuamos na inércia, sem reagir à hecatombe da crise climática, que nós mesmos engendramos e fizemos nascer?

Nos anos 1970, em Belém do Pará, marcavam-se encontros para “antes” ou “depois” da chuva que despencava diariamente.

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Tudo isso está desaparecendo por uma devastação progressiva e predatória em que a mata nativa está sendo avassalada pela especulação imobiliária. Nas áreas de Cerrado estão a maioria de nossas vertentes hidrográficas, mas nem isso tratamos de preservar.

Ou o mais sensato ou verdadeiro será recorrer àquele antigo versinho que virou refrão popular?

“Por falta de prego perdeu-se a ferradura / Por falta da ferradura perdeu-se o cavalo / Por falta do cavalo perdeu-se o cavaleiro / Por falta do cavaleiro perdeu-se a batalha / E assim perdeu-se o reino inteiro.”

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Tudo está à mostra, mas parece não existir. O Cerrado sofre mais, atualmente, do que a Floresta Amazônica. As queimadas dos campos, em boa parte criminosas, aí estão espalhando minipartículas nas grandes e pequenas cidades. O Pantanal irá desaparecer até 2070, segundo cálculos da ciência climatológica. Quando conheci Belém do Pará nos anos 1970, lá chovia todos os dias. Atualmente, boa parte dos grandes rios estão secos ou assoreados. Já não há navegação nem pesca, coisas essenciais naquela região.

Em São Paulo, o Sistema Cantareira, que abastece grande parte da área metropolitana, está muito abaixo dos níveis normais. No entanto, continuamos a lavar calçadas com água tratada e potável ou seguimos lavando automóveis com a mesma água.

Seguimos, porém, negando as evidências, como se o assunto nada tivesse que ver com a área municipal. Poderemos negar as evidências, tal qual no passado não vimos que Cacareco era uma advertência?

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*

JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA 2000 e 2005, PRÊMIO APCA 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

No próximo domingo, celebram-se eleições para prefeitos em 5.570 municípios, além de 58 mil vereadores ao longo do País. Na cidade de São Paulo, a expectativa pelo resultado é redobrada e ecoa Brasil afora, mas não só porque se trata da maior cidade do País e da América Latina.

O motivo principal foi a campanha eleitoral ou, mais exatamente, a “cadeirada” que dominou um dos debates entre os candidatos a prefeito. Mais do que nunca, aplica-se naquele episódio o velho refrão “vivendo e aprendendo”. No entanto, os políticos parecem não ter entendido o significado de uma eleição, vendo toda a campanha eleitoral como se fosse apenas uma contagem para arrebanhar votos. Ou uma simples aposta na Mega-Sena acumulada…

A “cadeirada” mostrou a pobreza da campanha eleitoral e, mais do que tudo, revelou que os insultos verbais geram reações impensadas. Não ouso defender o autor da “cadeirada”. No entanto, prefiro vê-la como uma reação à mediocridade da campanha eleitoral (revelada naquele debate) e da qual ele próprio foi um dos protagonistas.

Lembro-me agora do “resultado” da eleição à Câmara de Vereadores em 1959 na cidade de São Paulo. Naquela época não havia urna eletrônica como agora (quando usamos apenas números) e se votava escrevendo o nome do candidato preferido numa cédula de papel.

Pois, naquele ano de 1959, o rinoceronte Cacareco, do zoológico paulistano, obteve mais de 100 mil votos, transformando-se no vereador mais votado, suplantando mais de 450 candidatos à Câmara Municipal. A iniciativa e propaganda do rinoceronte-candidato foram inventadas pelo jornalista deste jornal Itaboraí Martins, e o Estadão encampou e divulgou.

Ali estava a crítica mais aguda à medíocre campanha eleitoral daquele 1959. Surgiu até uma canção para festejar o “candidato” que muitos entoavam pelas ruas. “Cansados de tanto sofrer / E de levar peteleco / Vamos agora responder / Votando no Cacareco”.

Os meios de comunicação do mundo inteiro contaram do “êxito” de Cacareco, que mesmo sendo o candidato mais votado, com mais de 100 mil sufrágios para ocupar uma das 45 cadeiras de vereadores, obviamente não foi reconhecido pela Justiça Eleitoral. Os sufrágios a ele destinados foram anulados.

Agora não existem rinocerontes que tomem o lugar de Cacareco, que morreu anos atrás, mas cujo esqueleto se encontra à mostra no Museu de Anatomia da Universidade de São Paulo.

No País inteiro, os partidos políticos e os candidatos a prefeito, vice e vereadores receberam agora R$ 4,9 bilhões (repito, bilhões), nada menos do que 150% superior à verba das eleições municipais de 2020.

Mundo afora, todos reconhecem que os municípios são a “célula mater” da administração pública. Lá, os problemas estão à mostra, ainda no nascedouro, antes de expandir-se pelo Estado e o País. Assim, é mais fácil resolvê-los. Entretanto, na maior cidade da América Latina a defesa do meio ambiente não apareceu na propaganda eleitoral ou foi apenas mencionada nos debates dos candidatos.

Assim, pergunto: será mesmo que estamos aprendendo com o desastre, ou continuamos na inércia, sem reagir à hecatombe da crise climática, que nós mesmos engendramos e fizemos nascer?

Nos anos 1970, em Belém do Pará, marcavam-se encontros para “antes” ou “depois” da chuva que despencava diariamente.

Tudo isso está desaparecendo por uma devastação progressiva e predatória em que a mata nativa está sendo avassalada pela especulação imobiliária. Nas áreas de Cerrado estão a maioria de nossas vertentes hidrográficas, mas nem isso tratamos de preservar.

Ou o mais sensato ou verdadeiro será recorrer àquele antigo versinho que virou refrão popular?

“Por falta de prego perdeu-se a ferradura / Por falta da ferradura perdeu-se o cavalo / Por falta do cavalo perdeu-se o cavaleiro / Por falta do cavaleiro perdeu-se a batalha / E assim perdeu-se o reino inteiro.”

Tudo está à mostra, mas parece não existir. O Cerrado sofre mais, atualmente, do que a Floresta Amazônica. As queimadas dos campos, em boa parte criminosas, aí estão espalhando minipartículas nas grandes e pequenas cidades. O Pantanal irá desaparecer até 2070, segundo cálculos da ciência climatológica. Quando conheci Belém do Pará nos anos 1970, lá chovia todos os dias. Atualmente, boa parte dos grandes rios estão secos ou assoreados. Já não há navegação nem pesca, coisas essenciais naquela região.

Em São Paulo, o Sistema Cantareira, que abastece grande parte da área metropolitana, está muito abaixo dos níveis normais. No entanto, continuamos a lavar calçadas com água tratada e potável ou seguimos lavando automóveis com a mesma água.

Seguimos, porém, negando as evidências, como se o assunto nada tivesse que ver com a área municipal. Poderemos negar as evidências, tal qual no passado não vimos que Cacareco era uma advertência?

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JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA 2000 e 2005, PRÊMIO APCA 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

No próximo domingo, celebram-se eleições para prefeitos em 5.570 municípios, além de 58 mil vereadores ao longo do País. Na cidade de São Paulo, a expectativa pelo resultado é redobrada e ecoa Brasil afora, mas não só porque se trata da maior cidade do País e da América Latina.

O motivo principal foi a campanha eleitoral ou, mais exatamente, a “cadeirada” que dominou um dos debates entre os candidatos a prefeito. Mais do que nunca, aplica-se naquele episódio o velho refrão “vivendo e aprendendo”. No entanto, os políticos parecem não ter entendido o significado de uma eleição, vendo toda a campanha eleitoral como se fosse apenas uma contagem para arrebanhar votos. Ou uma simples aposta na Mega-Sena acumulada…

A “cadeirada” mostrou a pobreza da campanha eleitoral e, mais do que tudo, revelou que os insultos verbais geram reações impensadas. Não ouso defender o autor da “cadeirada”. No entanto, prefiro vê-la como uma reação à mediocridade da campanha eleitoral (revelada naquele debate) e da qual ele próprio foi um dos protagonistas.

Lembro-me agora do “resultado” da eleição à Câmara de Vereadores em 1959 na cidade de São Paulo. Naquela época não havia urna eletrônica como agora (quando usamos apenas números) e se votava escrevendo o nome do candidato preferido numa cédula de papel.

Pois, naquele ano de 1959, o rinoceronte Cacareco, do zoológico paulistano, obteve mais de 100 mil votos, transformando-se no vereador mais votado, suplantando mais de 450 candidatos à Câmara Municipal. A iniciativa e propaganda do rinoceronte-candidato foram inventadas pelo jornalista deste jornal Itaboraí Martins, e o Estadão encampou e divulgou.

Ali estava a crítica mais aguda à medíocre campanha eleitoral daquele 1959. Surgiu até uma canção para festejar o “candidato” que muitos entoavam pelas ruas. “Cansados de tanto sofrer / E de levar peteleco / Vamos agora responder / Votando no Cacareco”.

Os meios de comunicação do mundo inteiro contaram do “êxito” de Cacareco, que mesmo sendo o candidato mais votado, com mais de 100 mil sufrágios para ocupar uma das 45 cadeiras de vereadores, obviamente não foi reconhecido pela Justiça Eleitoral. Os sufrágios a ele destinados foram anulados.

Agora não existem rinocerontes que tomem o lugar de Cacareco, que morreu anos atrás, mas cujo esqueleto se encontra à mostra no Museu de Anatomia da Universidade de São Paulo.

No País inteiro, os partidos políticos e os candidatos a prefeito, vice e vereadores receberam agora R$ 4,9 bilhões (repito, bilhões), nada menos do que 150% superior à verba das eleições municipais de 2020.

Mundo afora, todos reconhecem que os municípios são a “célula mater” da administração pública. Lá, os problemas estão à mostra, ainda no nascedouro, antes de expandir-se pelo Estado e o País. Assim, é mais fácil resolvê-los. Entretanto, na maior cidade da América Latina a defesa do meio ambiente não apareceu na propaganda eleitoral ou foi apenas mencionada nos debates dos candidatos.

Assim, pergunto: será mesmo que estamos aprendendo com o desastre, ou continuamos na inércia, sem reagir à hecatombe da crise climática, que nós mesmos engendramos e fizemos nascer?

Nos anos 1970, em Belém do Pará, marcavam-se encontros para “antes” ou “depois” da chuva que despencava diariamente.

Tudo isso está desaparecendo por uma devastação progressiva e predatória em que a mata nativa está sendo avassalada pela especulação imobiliária. Nas áreas de Cerrado estão a maioria de nossas vertentes hidrográficas, mas nem isso tratamos de preservar.

Ou o mais sensato ou verdadeiro será recorrer àquele antigo versinho que virou refrão popular?

“Por falta de prego perdeu-se a ferradura / Por falta da ferradura perdeu-se o cavalo / Por falta do cavalo perdeu-se o cavaleiro / Por falta do cavaleiro perdeu-se a batalha / E assim perdeu-se o reino inteiro.”

Tudo está à mostra, mas parece não existir. O Cerrado sofre mais, atualmente, do que a Floresta Amazônica. As queimadas dos campos, em boa parte criminosas, aí estão espalhando minipartículas nas grandes e pequenas cidades. O Pantanal irá desaparecer até 2070, segundo cálculos da ciência climatológica. Quando conheci Belém do Pará nos anos 1970, lá chovia todos os dias. Atualmente, boa parte dos grandes rios estão secos ou assoreados. Já não há navegação nem pesca, coisas essenciais naquela região.

Em São Paulo, o Sistema Cantareira, que abastece grande parte da área metropolitana, está muito abaixo dos níveis normais. No entanto, continuamos a lavar calçadas com água tratada e potável ou seguimos lavando automóveis com a mesma água.

Seguimos, porém, negando as evidências, como se o assunto nada tivesse que ver com a área municipal. Poderemos negar as evidências, tal qual no passado não vimos que Cacareco era uma advertência?

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JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA 2000 e 2005, PRÊMIO APCA 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

No próximo domingo, celebram-se eleições para prefeitos em 5.570 municípios, além de 58 mil vereadores ao longo do País. Na cidade de São Paulo, a expectativa pelo resultado é redobrada e ecoa Brasil afora, mas não só porque se trata da maior cidade do País e da América Latina.

O motivo principal foi a campanha eleitoral ou, mais exatamente, a “cadeirada” que dominou um dos debates entre os candidatos a prefeito. Mais do que nunca, aplica-se naquele episódio o velho refrão “vivendo e aprendendo”. No entanto, os políticos parecem não ter entendido o significado de uma eleição, vendo toda a campanha eleitoral como se fosse apenas uma contagem para arrebanhar votos. Ou uma simples aposta na Mega-Sena acumulada…

A “cadeirada” mostrou a pobreza da campanha eleitoral e, mais do que tudo, revelou que os insultos verbais geram reações impensadas. Não ouso defender o autor da “cadeirada”. No entanto, prefiro vê-la como uma reação à mediocridade da campanha eleitoral (revelada naquele debate) e da qual ele próprio foi um dos protagonistas.

Lembro-me agora do “resultado” da eleição à Câmara de Vereadores em 1959 na cidade de São Paulo. Naquela época não havia urna eletrônica como agora (quando usamos apenas números) e se votava escrevendo o nome do candidato preferido numa cédula de papel.

Pois, naquele ano de 1959, o rinoceronte Cacareco, do zoológico paulistano, obteve mais de 100 mil votos, transformando-se no vereador mais votado, suplantando mais de 450 candidatos à Câmara Municipal. A iniciativa e propaganda do rinoceronte-candidato foram inventadas pelo jornalista deste jornal Itaboraí Martins, e o Estadão encampou e divulgou.

Ali estava a crítica mais aguda à medíocre campanha eleitoral daquele 1959. Surgiu até uma canção para festejar o “candidato” que muitos entoavam pelas ruas. “Cansados de tanto sofrer / E de levar peteleco / Vamos agora responder / Votando no Cacareco”.

Os meios de comunicação do mundo inteiro contaram do “êxito” de Cacareco, que mesmo sendo o candidato mais votado, com mais de 100 mil sufrágios para ocupar uma das 45 cadeiras de vereadores, obviamente não foi reconhecido pela Justiça Eleitoral. Os sufrágios a ele destinados foram anulados.

Agora não existem rinocerontes que tomem o lugar de Cacareco, que morreu anos atrás, mas cujo esqueleto se encontra à mostra no Museu de Anatomia da Universidade de São Paulo.

No País inteiro, os partidos políticos e os candidatos a prefeito, vice e vereadores receberam agora R$ 4,9 bilhões (repito, bilhões), nada menos do que 150% superior à verba das eleições municipais de 2020.

Mundo afora, todos reconhecem que os municípios são a “célula mater” da administração pública. Lá, os problemas estão à mostra, ainda no nascedouro, antes de expandir-se pelo Estado e o País. Assim, é mais fácil resolvê-los. Entretanto, na maior cidade da América Latina a defesa do meio ambiente não apareceu na propaganda eleitoral ou foi apenas mencionada nos debates dos candidatos.

Assim, pergunto: será mesmo que estamos aprendendo com o desastre, ou continuamos na inércia, sem reagir à hecatombe da crise climática, que nós mesmos engendramos e fizemos nascer?

Nos anos 1970, em Belém do Pará, marcavam-se encontros para “antes” ou “depois” da chuva que despencava diariamente.

Tudo isso está desaparecendo por uma devastação progressiva e predatória em que a mata nativa está sendo avassalada pela especulação imobiliária. Nas áreas de Cerrado estão a maioria de nossas vertentes hidrográficas, mas nem isso tratamos de preservar.

Ou o mais sensato ou verdadeiro será recorrer àquele antigo versinho que virou refrão popular?

“Por falta de prego perdeu-se a ferradura / Por falta da ferradura perdeu-se o cavalo / Por falta do cavalo perdeu-se o cavaleiro / Por falta do cavaleiro perdeu-se a batalha / E assim perdeu-se o reino inteiro.”

Tudo está à mostra, mas parece não existir. O Cerrado sofre mais, atualmente, do que a Floresta Amazônica. As queimadas dos campos, em boa parte criminosas, aí estão espalhando minipartículas nas grandes e pequenas cidades. O Pantanal irá desaparecer até 2070, segundo cálculos da ciência climatológica. Quando conheci Belém do Pará nos anos 1970, lá chovia todos os dias. Atualmente, boa parte dos grandes rios estão secos ou assoreados. Já não há navegação nem pesca, coisas essenciais naquela região.

Em São Paulo, o Sistema Cantareira, que abastece grande parte da área metropolitana, está muito abaixo dos níveis normais. No entanto, continuamos a lavar calçadas com água tratada e potável ou seguimos lavando automóveis com a mesma água.

Seguimos, porém, negando as evidências, como se o assunto nada tivesse que ver com a área municipal. Poderemos negar as evidências, tal qual no passado não vimos que Cacareco era uma advertência?

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JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA 2000 e 2005, PRÊMIO APCA 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

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Jornalista, escritor (Prêmio Jabuti 2000 e 2005; Prêmio APCA 2004) e professor aposentado da Universidade de Brasília, Flávio Tavares escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

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