Jornalista, escritor (Prêmio Jabuti 2000 e 2005; Prêmio APCA 2004) e professor aposentado da Universidade de Brasília, Flávio Tavares escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Nossa independência no abismo?


Dos desvios idiomáticos aos problemas enfrentados nas contas públicas, o Brasil corre o risco de perder sua independência

Por Flávio Tavares
Atualização:

O mês de agosto terminou há pouco, mas dele fica aquela rima que virou repetido refrão: “Agosto, mês do desgosto”. E há pretextos (ou até motivos) para isso: agosto foi o mês da bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945. Nove anos depois, aqui, no Brasil, o assassinato do major Rubens Vaz desencadeou uma crise política profunda que culminou, em 24 de agosto de 1954, com o suicídio do presidente Getúlio Vargas. Em 22 de agosto de 1976, vivíamos ainda sob ditadura quando o ex-presidente Juscelino Kubitschek morreu num acidente automobilístico na Via Dutra, nunca esclarecido e que, por isso, até hoje levanta suspeitas.

Mas agosto já passou, agora estamos em setembro e, amanhã, dia 7, festejamos 202 anos da proclamação da Independência do Brasil. É o “Dia da Pátria”, rememorando o histórico “grito do Ipiranga”, atualmente comemorado com desfiles militares e outras demonstrações de que somos independentes.

Vivemos hoje, no entanto, uma invasão estrangeira que pode transformar o estilo de vida e, especialmente, o idioma e as diferentes formas de comunicação. Se isso se consumar, perderemos nossa “independência”.

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O poeta Fernando Pessoa já escrevia que “minha pátria é a Língua Portuguesa”, atualmente invadida pelo idioma inglês, tal qual no século 19 fora, em parte, invadida pelo francês. Olavo Bilac tem um soneto sobre o idioma português que vai às origens da língua derivada do latim vulgar: “Última flor do Lácio, inculta e bela / és a um tempo esplendor e sepultura / ouro nativo que na ganga impura / a bruta mina entre os cascalhos vela”.

Corremos o risco de que a raiz e o cerne de nosso idioma sejam suprimidos ou desapareçam nas formas essenciais (como desapareceu o latim) numa avalanche que cresce quase diariamente.

A mais recente expressão inglesa incorporada ao nosso idioma é fake news, repetida pelos meios de comunicação e adotada até nas escolas, como se em nosso idioma não houvesse o termo “falsa notícia”.

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Porém a verdadeira aberração entre nós no Brasil é “mídia” (escrito assim, com “i” acentuado), que, de fato, é o termo latino media. Como em inglês escrevem media, mas pronunciam “mídia”, aqui passamos a escrever e dizer também assim, para significar “meios de comunicação”.

A internet despejou no idioma português uma série de expressões inglesas, desde streaming até outras mais, como on line ou Wi Fi. Não pretendo fazer, aqui, uma espécie de minidicionário de vocábulos ingleses hoje incorporados ao nosso idioma ou de uso corrente no dia a dia. Ou já praticamente intraduzíveis, como spray. Ou simplesmente adotados e de uso corrente, como shopping center e show, que substituíram aquilo que deveríamos chamar de “centro comercial” e “espetáculo”, em castiço português.

Há outros vocábulos ingleses que, pelo uso constante, foram já aportuguesados, tal qual stress (que escrevemos “estresse”) ou team, que escrevemos “time”, antes restrito ao futebol e, agora, generalizado. Na área desportiva os vocábulos ingleses se aportuguesaram quase totalmente, e talvez nos sobre apenas “natação”. Seria ridículo dizer ludopédio em vez de futebol, como sugeria meu professor de Português no ensino fundamental. Entretanto, no México (onde morei por cinco anos) dizem balonpié, traduzindo literalmente o termo inglês football. Aqui, joga-se vôlei e basquete, que antes chamávamos bola ao cesto.

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O uso do idioma inglês penetrou até no Poder Judiciário, onde antes usava-se um latinório quase incompreensível. Há poucos dias o culto ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso escreveu fishing expedition, expressão comum nas cortes dos EUA, para aqui significar a “busca de ilícito sem causa provável”.

Não é por isso, entretanto, que somos um país subdesenvolvido, mesmo com dimensões continentais. Tantos são os motivos que é difícil de enumerá-los. Seria infantil e absurdo culpar os desvios idiomáticos pelos problemas atuais ou, até mesmo, pelos vividos ao longo dos anos. Aí está a crise climática indicando que o problema é secular e abrange o planeta inteiro.

Fiquemos, porém, com os problemas e desacertos recentes. Não me refiro aos crimes comuns, como o feminicídio, o roubo ou os incêndios florestais criminosos, cuja fumaça chega até a cidades como São Paulo. Saliento, porém, as responsabilidades dos governantes. Passamos da desastrosa gestão de Jair Bolsonaro ao esperançoso governo de Lula da Silva, mas a máquina governamental continua lenta, parecendo até que nada mudou.

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Nessa lentidão, em que a ociosa burocracia se sobrepõe à realidade, em 2023 a área governamental gastou mais de 45% do Produto Interno Bruto (PIB) – em 2022 foram 43,4% do PIB. A dívida líquida da União (externa mais interna) em julho deste ano chegou a R$ 6,962 trilhões, mesmo que tenha caído a 61,9% do PIB.

Também em julho de 2024, o Banco Central acumulava uma dívida de US$ 378,7 bilhões (para evitar dúvidas, repito, dólares). Só isso já basta para indagar se nossa independência não estará à beira do abismo.

*

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JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA 2000 E 2005, PRÊMIO APCA 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Nota: na versão impressa do jornal, o poema de Olavo Bilac foi erroneamente atribuído a Camões.

O mês de agosto terminou há pouco, mas dele fica aquela rima que virou repetido refrão: “Agosto, mês do desgosto”. E há pretextos (ou até motivos) para isso: agosto foi o mês da bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945. Nove anos depois, aqui, no Brasil, o assassinato do major Rubens Vaz desencadeou uma crise política profunda que culminou, em 24 de agosto de 1954, com o suicídio do presidente Getúlio Vargas. Em 22 de agosto de 1976, vivíamos ainda sob ditadura quando o ex-presidente Juscelino Kubitschek morreu num acidente automobilístico na Via Dutra, nunca esclarecido e que, por isso, até hoje levanta suspeitas.

Mas agosto já passou, agora estamos em setembro e, amanhã, dia 7, festejamos 202 anos da proclamação da Independência do Brasil. É o “Dia da Pátria”, rememorando o histórico “grito do Ipiranga”, atualmente comemorado com desfiles militares e outras demonstrações de que somos independentes.

Vivemos hoje, no entanto, uma invasão estrangeira que pode transformar o estilo de vida e, especialmente, o idioma e as diferentes formas de comunicação. Se isso se consumar, perderemos nossa “independência”.

O poeta Fernando Pessoa já escrevia que “minha pátria é a Língua Portuguesa”, atualmente invadida pelo idioma inglês, tal qual no século 19 fora, em parte, invadida pelo francês. Olavo Bilac tem um soneto sobre o idioma português que vai às origens da língua derivada do latim vulgar: “Última flor do Lácio, inculta e bela / és a um tempo esplendor e sepultura / ouro nativo que na ganga impura / a bruta mina entre os cascalhos vela”.

Corremos o risco de que a raiz e o cerne de nosso idioma sejam suprimidos ou desapareçam nas formas essenciais (como desapareceu o latim) numa avalanche que cresce quase diariamente.

A mais recente expressão inglesa incorporada ao nosso idioma é fake news, repetida pelos meios de comunicação e adotada até nas escolas, como se em nosso idioma não houvesse o termo “falsa notícia”.

Porém a verdadeira aberração entre nós no Brasil é “mídia” (escrito assim, com “i” acentuado), que, de fato, é o termo latino media. Como em inglês escrevem media, mas pronunciam “mídia”, aqui passamos a escrever e dizer também assim, para significar “meios de comunicação”.

A internet despejou no idioma português uma série de expressões inglesas, desde streaming até outras mais, como on line ou Wi Fi. Não pretendo fazer, aqui, uma espécie de minidicionário de vocábulos ingleses hoje incorporados ao nosso idioma ou de uso corrente no dia a dia. Ou já praticamente intraduzíveis, como spray. Ou simplesmente adotados e de uso corrente, como shopping center e show, que substituíram aquilo que deveríamos chamar de “centro comercial” e “espetáculo”, em castiço português.

Há outros vocábulos ingleses que, pelo uso constante, foram já aportuguesados, tal qual stress (que escrevemos “estresse”) ou team, que escrevemos “time”, antes restrito ao futebol e, agora, generalizado. Na área desportiva os vocábulos ingleses se aportuguesaram quase totalmente, e talvez nos sobre apenas “natação”. Seria ridículo dizer ludopédio em vez de futebol, como sugeria meu professor de Português no ensino fundamental. Entretanto, no México (onde morei por cinco anos) dizem balonpié, traduzindo literalmente o termo inglês football. Aqui, joga-se vôlei e basquete, que antes chamávamos bola ao cesto.

O uso do idioma inglês penetrou até no Poder Judiciário, onde antes usava-se um latinório quase incompreensível. Há poucos dias o culto ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso escreveu fishing expedition, expressão comum nas cortes dos EUA, para aqui significar a “busca de ilícito sem causa provável”.

Não é por isso, entretanto, que somos um país subdesenvolvido, mesmo com dimensões continentais. Tantos são os motivos que é difícil de enumerá-los. Seria infantil e absurdo culpar os desvios idiomáticos pelos problemas atuais ou, até mesmo, pelos vividos ao longo dos anos. Aí está a crise climática indicando que o problema é secular e abrange o planeta inteiro.

Fiquemos, porém, com os problemas e desacertos recentes. Não me refiro aos crimes comuns, como o feminicídio, o roubo ou os incêndios florestais criminosos, cuja fumaça chega até a cidades como São Paulo. Saliento, porém, as responsabilidades dos governantes. Passamos da desastrosa gestão de Jair Bolsonaro ao esperançoso governo de Lula da Silva, mas a máquina governamental continua lenta, parecendo até que nada mudou.

Nessa lentidão, em que a ociosa burocracia se sobrepõe à realidade, em 2023 a área governamental gastou mais de 45% do Produto Interno Bruto (PIB) – em 2022 foram 43,4% do PIB. A dívida líquida da União (externa mais interna) em julho deste ano chegou a R$ 6,962 trilhões, mesmo que tenha caído a 61,9% do PIB.

Também em julho de 2024, o Banco Central acumulava uma dívida de US$ 378,7 bilhões (para evitar dúvidas, repito, dólares). Só isso já basta para indagar se nossa independência não estará à beira do abismo.

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JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA 2000 E 2005, PRÊMIO APCA 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Nota: na versão impressa do jornal, o poema de Olavo Bilac foi erroneamente atribuído a Camões.

O mês de agosto terminou há pouco, mas dele fica aquela rima que virou repetido refrão: “Agosto, mês do desgosto”. E há pretextos (ou até motivos) para isso: agosto foi o mês da bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945. Nove anos depois, aqui, no Brasil, o assassinato do major Rubens Vaz desencadeou uma crise política profunda que culminou, em 24 de agosto de 1954, com o suicídio do presidente Getúlio Vargas. Em 22 de agosto de 1976, vivíamos ainda sob ditadura quando o ex-presidente Juscelino Kubitschek morreu num acidente automobilístico na Via Dutra, nunca esclarecido e que, por isso, até hoje levanta suspeitas.

Mas agosto já passou, agora estamos em setembro e, amanhã, dia 7, festejamos 202 anos da proclamação da Independência do Brasil. É o “Dia da Pátria”, rememorando o histórico “grito do Ipiranga”, atualmente comemorado com desfiles militares e outras demonstrações de que somos independentes.

Vivemos hoje, no entanto, uma invasão estrangeira que pode transformar o estilo de vida e, especialmente, o idioma e as diferentes formas de comunicação. Se isso se consumar, perderemos nossa “independência”.

O poeta Fernando Pessoa já escrevia que “minha pátria é a Língua Portuguesa”, atualmente invadida pelo idioma inglês, tal qual no século 19 fora, em parte, invadida pelo francês. Olavo Bilac tem um soneto sobre o idioma português que vai às origens da língua derivada do latim vulgar: “Última flor do Lácio, inculta e bela / és a um tempo esplendor e sepultura / ouro nativo que na ganga impura / a bruta mina entre os cascalhos vela”.

Corremos o risco de que a raiz e o cerne de nosso idioma sejam suprimidos ou desapareçam nas formas essenciais (como desapareceu o latim) numa avalanche que cresce quase diariamente.

A mais recente expressão inglesa incorporada ao nosso idioma é fake news, repetida pelos meios de comunicação e adotada até nas escolas, como se em nosso idioma não houvesse o termo “falsa notícia”.

Porém a verdadeira aberração entre nós no Brasil é “mídia” (escrito assim, com “i” acentuado), que, de fato, é o termo latino media. Como em inglês escrevem media, mas pronunciam “mídia”, aqui passamos a escrever e dizer também assim, para significar “meios de comunicação”.

A internet despejou no idioma português uma série de expressões inglesas, desde streaming até outras mais, como on line ou Wi Fi. Não pretendo fazer, aqui, uma espécie de minidicionário de vocábulos ingleses hoje incorporados ao nosso idioma ou de uso corrente no dia a dia. Ou já praticamente intraduzíveis, como spray. Ou simplesmente adotados e de uso corrente, como shopping center e show, que substituíram aquilo que deveríamos chamar de “centro comercial” e “espetáculo”, em castiço português.

Há outros vocábulos ingleses que, pelo uso constante, foram já aportuguesados, tal qual stress (que escrevemos “estresse”) ou team, que escrevemos “time”, antes restrito ao futebol e, agora, generalizado. Na área desportiva os vocábulos ingleses se aportuguesaram quase totalmente, e talvez nos sobre apenas “natação”. Seria ridículo dizer ludopédio em vez de futebol, como sugeria meu professor de Português no ensino fundamental. Entretanto, no México (onde morei por cinco anos) dizem balonpié, traduzindo literalmente o termo inglês football. Aqui, joga-se vôlei e basquete, que antes chamávamos bola ao cesto.

O uso do idioma inglês penetrou até no Poder Judiciário, onde antes usava-se um latinório quase incompreensível. Há poucos dias o culto ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso escreveu fishing expedition, expressão comum nas cortes dos EUA, para aqui significar a “busca de ilícito sem causa provável”.

Não é por isso, entretanto, que somos um país subdesenvolvido, mesmo com dimensões continentais. Tantos são os motivos que é difícil de enumerá-los. Seria infantil e absurdo culpar os desvios idiomáticos pelos problemas atuais ou, até mesmo, pelos vividos ao longo dos anos. Aí está a crise climática indicando que o problema é secular e abrange o planeta inteiro.

Fiquemos, porém, com os problemas e desacertos recentes. Não me refiro aos crimes comuns, como o feminicídio, o roubo ou os incêndios florestais criminosos, cuja fumaça chega até a cidades como São Paulo. Saliento, porém, as responsabilidades dos governantes. Passamos da desastrosa gestão de Jair Bolsonaro ao esperançoso governo de Lula da Silva, mas a máquina governamental continua lenta, parecendo até que nada mudou.

Nessa lentidão, em que a ociosa burocracia se sobrepõe à realidade, em 2023 a área governamental gastou mais de 45% do Produto Interno Bruto (PIB) – em 2022 foram 43,4% do PIB. A dívida líquida da União (externa mais interna) em julho deste ano chegou a R$ 6,962 trilhões, mesmo que tenha caído a 61,9% do PIB.

Também em julho de 2024, o Banco Central acumulava uma dívida de US$ 378,7 bilhões (para evitar dúvidas, repito, dólares). Só isso já basta para indagar se nossa independência não estará à beira do abismo.

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JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA 2000 E 2005, PRÊMIO APCA 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Nota: na versão impressa do jornal, o poema de Olavo Bilac foi erroneamente atribuído a Camões.

O mês de agosto terminou há pouco, mas dele fica aquela rima que virou repetido refrão: “Agosto, mês do desgosto”. E há pretextos (ou até motivos) para isso: agosto foi o mês da bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945. Nove anos depois, aqui, no Brasil, o assassinato do major Rubens Vaz desencadeou uma crise política profunda que culminou, em 24 de agosto de 1954, com o suicídio do presidente Getúlio Vargas. Em 22 de agosto de 1976, vivíamos ainda sob ditadura quando o ex-presidente Juscelino Kubitschek morreu num acidente automobilístico na Via Dutra, nunca esclarecido e que, por isso, até hoje levanta suspeitas.

Mas agosto já passou, agora estamos em setembro e, amanhã, dia 7, festejamos 202 anos da proclamação da Independência do Brasil. É o “Dia da Pátria”, rememorando o histórico “grito do Ipiranga”, atualmente comemorado com desfiles militares e outras demonstrações de que somos independentes.

Vivemos hoje, no entanto, uma invasão estrangeira que pode transformar o estilo de vida e, especialmente, o idioma e as diferentes formas de comunicação. Se isso se consumar, perderemos nossa “independência”.

O poeta Fernando Pessoa já escrevia que “minha pátria é a Língua Portuguesa”, atualmente invadida pelo idioma inglês, tal qual no século 19 fora, em parte, invadida pelo francês. Olavo Bilac tem um soneto sobre o idioma português que vai às origens da língua derivada do latim vulgar: “Última flor do Lácio, inculta e bela / és a um tempo esplendor e sepultura / ouro nativo que na ganga impura / a bruta mina entre os cascalhos vela”.

Corremos o risco de que a raiz e o cerne de nosso idioma sejam suprimidos ou desapareçam nas formas essenciais (como desapareceu o latim) numa avalanche que cresce quase diariamente.

A mais recente expressão inglesa incorporada ao nosso idioma é fake news, repetida pelos meios de comunicação e adotada até nas escolas, como se em nosso idioma não houvesse o termo “falsa notícia”.

Porém a verdadeira aberração entre nós no Brasil é “mídia” (escrito assim, com “i” acentuado), que, de fato, é o termo latino media. Como em inglês escrevem media, mas pronunciam “mídia”, aqui passamos a escrever e dizer também assim, para significar “meios de comunicação”.

A internet despejou no idioma português uma série de expressões inglesas, desde streaming até outras mais, como on line ou Wi Fi. Não pretendo fazer, aqui, uma espécie de minidicionário de vocábulos ingleses hoje incorporados ao nosso idioma ou de uso corrente no dia a dia. Ou já praticamente intraduzíveis, como spray. Ou simplesmente adotados e de uso corrente, como shopping center e show, que substituíram aquilo que deveríamos chamar de “centro comercial” e “espetáculo”, em castiço português.

Há outros vocábulos ingleses que, pelo uso constante, foram já aportuguesados, tal qual stress (que escrevemos “estresse”) ou team, que escrevemos “time”, antes restrito ao futebol e, agora, generalizado. Na área desportiva os vocábulos ingleses se aportuguesaram quase totalmente, e talvez nos sobre apenas “natação”. Seria ridículo dizer ludopédio em vez de futebol, como sugeria meu professor de Português no ensino fundamental. Entretanto, no México (onde morei por cinco anos) dizem balonpié, traduzindo literalmente o termo inglês football. Aqui, joga-se vôlei e basquete, que antes chamávamos bola ao cesto.

O uso do idioma inglês penetrou até no Poder Judiciário, onde antes usava-se um latinório quase incompreensível. Há poucos dias o culto ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso escreveu fishing expedition, expressão comum nas cortes dos EUA, para aqui significar a “busca de ilícito sem causa provável”.

Não é por isso, entretanto, que somos um país subdesenvolvido, mesmo com dimensões continentais. Tantos são os motivos que é difícil de enumerá-los. Seria infantil e absurdo culpar os desvios idiomáticos pelos problemas atuais ou, até mesmo, pelos vividos ao longo dos anos. Aí está a crise climática indicando que o problema é secular e abrange o planeta inteiro.

Fiquemos, porém, com os problemas e desacertos recentes. Não me refiro aos crimes comuns, como o feminicídio, o roubo ou os incêndios florestais criminosos, cuja fumaça chega até a cidades como São Paulo. Saliento, porém, as responsabilidades dos governantes. Passamos da desastrosa gestão de Jair Bolsonaro ao esperançoso governo de Lula da Silva, mas a máquina governamental continua lenta, parecendo até que nada mudou.

Nessa lentidão, em que a ociosa burocracia se sobrepõe à realidade, em 2023 a área governamental gastou mais de 45% do Produto Interno Bruto (PIB) – em 2022 foram 43,4% do PIB. A dívida líquida da União (externa mais interna) em julho deste ano chegou a R$ 6,962 trilhões, mesmo que tenha caído a 61,9% do PIB.

Também em julho de 2024, o Banco Central acumulava uma dívida de US$ 378,7 bilhões (para evitar dúvidas, repito, dólares). Só isso já basta para indagar se nossa independência não estará à beira do abismo.

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JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA 2000 E 2005, PRÊMIO APCA 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Nota: na versão impressa do jornal, o poema de Olavo Bilac foi erroneamente atribuído a Camões.

Opinião por Flávio Tavares

Jornalista, escritor (Prêmio Jabuti 2000 e 2005; Prêmio APCA 2004) e professor aposentado da Universidade de Brasília, Flávio Tavares escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

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