O longo imbróglio da desoneração da folha de pagamento de setores econômicos e municípios terminou na manhã de ontem. Depois de uma batalha que envolveu a aprovação de um projeto de lei, veto presidencial, derrubada de veto, edição de medida provisória pelo Executivo, devolução de trechos da proposta pelo Congresso e até mesmo a participação do Supremo Tribunal Federal (STF), finalmente se chegou a um acordo sobre o tema e uma nova proposta foi aprovada prevendo a reoneração gradual, a partir do ano que vem, e a compensação parcial da renúncia tributária associada à medida.
De início, o Senado queria manter a desoneração integralmente até 2027, enquanto a equipe econômica lutava pela reoneração completa já a partir deste ano. O Ministério da Fazenda cobrou dos parlamentares que propusessem ações para repor as perdas, mas o Legislativo rejeitou a maioria delas, sobretudo as que representavam aumento de impostos, e aprovou uma série de medidas que dificilmente vão cobrir o buraco.
De todas, a mais controversa, proposta pelo Senado com a conivência da Fazenda, era a permissão para que o governo se apropriasse de R$ 8,6 bilhões em recursos de pessoas físicas e empresas esquecidos em contas de instituições financeiras e contabilizasse o montante como receita primária para fins de apuração da meta fiscal. Quando todas as resistências haviam sido vencidas e o caminho parecia livre, o Banco Central (BC) entrou na história e jogou um balde de água fria nas pretensões do Executivo e do Senado.
Por meio de nota técnica, o BC – a quem cabe o cálculo para apuração da meta – recomendou aos deputados a rejeição integral desse trecho do projeto de lei, que estava em “flagrante desacordo” com a metodologia estatística utilizada pela instituição para o cálculo das contas públicas, as orientações do Tribunal de Contas da União e o entendimento do STF sobre o tema.
Fato é que o BC tinha razão. O dinheiro oriundo dessas contas, se contabilizado, deveria ser registrado como ajuste patrimonial, e não receita primária – ou seja, sem impacto no cálculo da meta fiscal. O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), teve de assumir a relatoria da proposta para que fosse possível chegar a um acordo. Oficialmente, todos os envolvidos tiveram de ceder um pouco, mas o governo foi quem mais perdeu.
O Senado conseguiu manter um cronograma para que os setores e municípios tenham tempo para se adequar ao fim do benefício e não precisou se desgastar com medidas arrecadatórias. O BC manteve a dignidade e não será obrigado a deturpar os resultados fiscais. Já o Ministério da Fazenda poderá divulgar outro número, diferente do calculado pelo BC, para sustentar que cumpriu a meta.
A Fazenda, que entrou atrasada no debate, recorreu ao STF para forçar o Congresso a negociar, mas não conseguiu nem reonerar a folha como desejava nem aprovar as medidas para repor as perdas. Ao fim dessa disputa, julga ter obtido uma vitória ao poder apregoar o cumprimento da meta fiscal com mais uma exceção à regra, mas ignora que essa manobra pode ter um custo bem mais alto – a perda de sua credibilidade.