Com espantosa naturalidade e incrível ligeireza, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, disse ao jornal O Globo que a articulação de um golpe de Estado – nada menos – foi tema de conversas corriqueiras em Brasília após a eleição do presidente Lula da Silva.
“Isso tinha na casa de todo mundo”, disse o sr. Valdemar, decerto sem ruborizar, ao se referir à minuta de decreto de estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral, encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Ele acrescentou que propostas como aquela circulavam “direto” entre pessoas do governo e que pessoalmente recebeu “várias propostas, que vinham pelos Correios” ou então em eventos políticos. “Tinha gente que colocava (o papel) no meu bolso, dizendo que era como tirar o Lula do governo.”
Não se sabe se as declarações do sr. Valdemar devem ser levadas a sério ou se é apenas uma artimanha para tentar livrar a cara do ex-ministro Anderson Torres e, por extensão, do principal puxador de votos do PL, o ex-presidente Jair Bolsonaro; afinal, se “todo mundo” recebeu alguma sugestão de golpe, como disse o chefão do PL, então nem Anderson nem Bolsonaro poderiam ser particularmente responsabilizados.
Conhecendo o sr. Valdemar como o Brasil bem conhece, é difícil saber o que está por trás dessa declaração tão irresponsável. Mas isso não importa. O que interessa é que o líder do maior partido político do Brasil tratou uma suposta conspiração contra a soberania da vontade popular como algo banal, quase inconsequente. É como se o sr. Valdemar estivesse tratando de propostas para mudar o nome de uma avenida.
A rigor, a própria reabilitação do ex-mensaleiro Valdemar diz muito sobre o longo caminho que a sociedade ainda precisa percorrer até atingir um grau de maturidade política que impeça que os alicerces da República, a começar pelo respeito ao resultado das eleições, sejam carcomidos pela ação insidiosa dos cupins da democracia.
Mesmo assim, não deixa de ser estupefaciente que o golpismo escancarado seja tratado como uma agenda trivial pelo dirigente de um partido que terá 99 deputados federais e 14 senadores a partir da próxima quarta-feira, quando terá início a nova legislatura.
Portanto, é uma leviandade que o golpismo, ao invés de ser enfática e vigorosamente condenado pelo líder de uma bancada tão expressiva de parlamentares democraticamente eleitos, seja tratado pelo sr. Valdemar com essa inconsequência.
A pretexto de “defender” Bolsonaro, Valdemar Costa Neto ainda revelou que, por ser tido como alguém “muito valente, meio alterado, meio louco”, o ex-presidente recebeu muitas sugestões de medidas para impedir a posse de Lula da Silva. Só não o fez, disse o chefão do PL, “porque não viu maneira de fazer”. Que alívio.
A esta altura já está claro que só não houve um golpe de Estado no Brasil após a derrota de Bolsonaro por absoluta rejeição das forças vivas da Nação ao espírito golpista que sempre animou o ex-presidente e muitos de seus apoiadores, entre os quais Valdemar Costa Neto. E também, por óbvio, porque Bolsonaro não logrou reunir apoios e meios não apenas para dar um golpe de Estado, como para sustentá-lo.
Vindo de alguém que se mostrou capaz de afrontar as instituições democráticas do País com aquela molecagem de “auditoria independente” das urnas eletrônicas, com o único objetivo de tumultuar as eleições de outubro passado, as declarações do sr. Valdemar não chegam a surpreender, mas são lamentáveis. É inacreditável que alguém que já deu reiteradas mostras de que seu projeto pessoal de poder está muito acima dos interesses nacionais continue tendo não apenas voz ativa no debate público, mas, sobretudo, influência direta na definição dos rumos do País.
Valdemar Costa Neto pode estar quites com a Justiça. Todavia, seu prestígio político, empregado, entre outras coisas, para banalizar tentativas de golpes de Estado, decorre diretamente do apoio que ele e seus correligionários ainda recebem de muitos eleitores. Nesse ponto, a sociedade ainda tem muito a evoluir.