Quando o arcabouço fiscal, desenhado pelo governo Lula da Silva, foi aprovado pelo Congresso, em agosto de 2023, o compromisso assumido foi o de que já em 2024 os gastos públicos se equiparariam ao nível das receitas e o País daria adeus aos resultados deficitários. A partir de 2025, a ideia era manter o saldo positivo das contas de forma perene, deixando de herança para as próximas gestões a fórmula para obtenção do superávit fiscal e estabilização da dívida brasileira.
O governo chega agora à metade do mandato enxergando de forma cada vez mais longínqua essa possibilidade. Economistas que previam, na melhor das hipóteses, chance de estabilização entre 2026 e 2027 – extrapolando, portanto, a atual gestão – reveem cálculos e já a projetam para o final do próximo governo, mesmo com o pacote de cortes proposto pelo governo, cuja medida de maior impacto foi a revisão do modelo de reajuste real do salário mínimo. Em entrevista ao Estadão, o coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do Ibre/FGV, Manoel Pires, situou este horizonte em 2030, a depender das premissas.
A bem da verdade, o arcabouço fiscal – que substituiu o teto de gastos como regime limitador dos gastos públicos da União – nunca desfrutou de muita credibilidade junto ao mercado e, é possível imaginar, à sociedade como um todo. Desde sua apresentação, teve mais torcida do que confiança de fato nas metas ambiciosas da equipe econômica. Quando as mesmas metas foram “flexibilizadas”, para usar o eufemismo mais adotado pelo governo, menos de um ano após a aprovação, a desconfiança se alastrou de vez.
A maior virtude da nova legislação era justamente vincular o crescimento das despesas – condicionado ao cumprimento das metas fiscais – ao aumento das receitas. Seria esse o caminho para a busca da sustentabilidade, como ressalta o próprio texto da lei: “A política fiscal da União deve ser conduzida de modo a manter a dívida pública em níveis sustentáveis, prevenindo riscos e promovendo medidas de ajuste fiscal em caso de desvios, garantindo a solvência e a sustentabilidade intertemporal das contas públicas”.
O fisiologismo que grassa na política federal, aliado ao apreço desmedido do governo Lula por gastos eleitoreiros, provou que, na prática, o objetivo pretendido era mais difícil do que aparentava. Medidas tidas como impopulares, como a readequação de benefícios distribuídos pelo governo, causam especial aversão, tanto no Planalto quanto no Congresso, mesmo que amparadas em bases convincentes, como é o caso da importância de desindexar gastos do reajuste do salário mínimo.
De publicação anual, o Relatório de Riscos Fiscais da União, elaborado pelo Tesouro Nacional, tenta ajudar a restabelecer a sustentabilidade fiscal do País. Na divulgação do ano passado, advertiu que cada R$ 1 de aumento no salário mínimo representaria alta de R$ 349,9 milhões nas despesas do governo em 2024. O valor do mínimo, que no início de 2023 era R$ 1.302, neste ano está em R$ 1.412. Por essa conta simples, chega-se a R$ 38,5 bilhões adicionais nos gastos públicos.
No projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA) enviado em agosto ao Congresso, o governo estimou para 2025 o valor de R$ 1.509 para o salário mínimo, com base no modelo de valorização atualmente em vigor, que leva em conta a inflação e o crescimento do PIB dos dois anos anteriores. Como o IBGE recalibrou de 2,9% para 3,2% a alta do PIB em 2023, o valor sobe para R$ 1.528. Por óbvio o modelo de valorização real do mínimo, lançado no ano passado e que o governo tenta agora modificar no Congresso, não seria sustentável.
A pesquisa Prisma Fiscal do Ministério da Fazenda mostra que a dívida pública caminha para chegar a 100% do PIB em menos de dez anos. No programa de governo que registrou no TSE durante a campanha de 2022, Lula da Silva dedicou um trecho a críticas ao teto de gastos e garantiu que iria construir “um novo regime fiscal, que disponha de credibilidade, previsibilidade e sustentabilidade”. Até agora, está em dívida com os três objetivos.