O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, escolheu a dedo a palavra para reabilitar o pacote de redução de gastos, que vinha caindo em descrédito após duas semanas de expectativas frustradas e demonstrações públicas de divisão no governo sobre a medida. O anúncio ainda terá de esperar o término do G-20, no próximo dia 22, mas será um corte “expressivo”, garantiu Haddad, salientando o termo que criou uma nova perspectiva para o esforço de contenção de despesas públicas.
Para refrear o pessimismo do mercado – e os consequentes efeitos sobre os juros e o câmbio –, a equipe econômica fez circular informações sobre mudanças no cálculo de correção do salário mínimo, que, desde o ano passado, tem reajuste calculado pela inflação do ano anterior mais a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. A nova proposta é adequá-lo à regra prevista no arcabouço fiscal, que permite um aumento real, mas limitado a um porcentual entre 0,6% e 2,5% ao ano acima da inflação.
A tese ganhou contornos de medida já definida quando Haddad, ao ser questionado se todas as despesas deverão ser incorporadas às normas do arcabouço fiscal, confirmou que devem seguir a mesma regra “ou alguma coisa parecida com isso”. Foi o suficiente para melhorar os ânimos.
Agora, a cifra que circula no mercado, e que o Ministério da Fazenda teria indicado às lideranças da Câmara e do Senado, é que as medidas como um todo, e que vão além do salário mínimo, poderiam gerar uma economia em torno de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos, dos quais R$ 30 bilhões já em 2025.
Pode ser de fato um avanço controlar a evolução do piso salarial. Afinal, como está destacado no projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa), cada R$ 1 a mais no salário mínimo gera um aumento de despesas de R$ 422 milhões no Orçamento. Uma das bandeiras levantadas por Lula da Silva, a política de valorização do salário mínimo, em pouco tempo, demonstrou não ter sustentabilidade ao não prever de onde sairão as receitas para custeá-la. É simples assim o planejamento orçamentário que o lulopetismo teima em não aceitar.
Pode-se dizer que a perspectiva de mudar o cálculo para o aumento do mínimo traz algum alívio, já que a fórmula atual tende a criar uma progressão difícil de ser contida. Imagine-se em 2026, o último do atual mandato de Lula, com o PIB de 2024 (dois anos antes) ficando de fato em torno de 3% e a inflação de 2025 em cerca de 4%, como mostram as projeções atuais. Hoje, essa conta parece impagável.
Mas ainda há outro fator estrutural que o governo resiste em abordar: a indexação do reajuste do mínimo aos benefícios previdenciários e assistenciais. Não há lógica atuarial que aceite aumentos de pagamentos de benefícios futuros sem lastro na arrecadação. A correção do mínimo impacta aposentadorias e pensões da Previdência Social e também o seguro-desemprego, o abono salarial e até o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, mesmo que nunca tenham contribuído para a Previdência.
BPC não é salário e tampouco aposentadoria, é um benefício assistencial. Sua distribuição é uma medida justa de auxílio a pessoas vulneráveis, mas deveria ter uma fórmula própria de correção, e não seguir o piso dos trabalhadores em atividade. Ademais, parece injusto dar a este auxílio o mesmo tratamento das aposentadorias de quem contribuiu durante toda a vida ativa para ter direito ao benefício mínimo. A visão populista eleitoreira de Lula da Silva impede que a desindexação nem sequer entre em pauta.
Aliás, tampouco está certo se o governo trocará o indexador do PIB pelo teto do arcabouço, o que mudaria a dinâmica dos ganhos daqui para a frente. Protelar é a especialidade do governo federal, na esperança de que o tema seja esquecido ou que seja substituído por outro menos incômodo. No caso do reequilíbrio fiscal, no entanto, tanto adiamento tem custado caro e impactado as expectativas de inflação, a cotação do dólar e a curva futura de juros. A pressa, portanto, deveria ser do governo.