Opinião|A década que nunca termina


É difícil imaginar que, depois de tanto tempo de conformismo, surja na América Latina e no Caribe uma onda de modernização e de crescimento como a preconizada pela Cepal

Por Jorge J. Okubaro

Sombrio é como alguns jornais descrevem o ambiente econômico na China. A desaceleração da atividade econômica é acentuada. A produção industrial e as vendas no varejo crescem menos que o esperado, o desemprego começa a subir, o mercado de ações despenca. O resto do mundo acompanha com apreensão esse desenrolar. Países desenvolvidos temem que, necessitando estimular a economia, a China adote medidas protecionistas ou práticas comerciais não convencionais. Outra parte do mundo será afetada pela queda da demanda da China.

Embora seja o segundo maior destino dos produtos exportados pela América Latina (e o principal mercado para as exportações brasileiras), a China não preocupa os analistas nesta parte do mundo. A maioria deles prevê queda no ritmo de crescimento da economia chinesa, como constatou a mais recente sondagem trimestral do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que consultou centenas de especialistas em mais de dez países. Mas a percepção predominante entre eles é a de que, para a maioria dos países, o impacto da desaceleração da China será médio. No Brasil, em particular, metade dos consultados prevê impacto baixo.

Se a China não é – ou ainda não é – problema que mereça maior atenção dos latino-americanos, há outros que há muito deveriam ter sido resolvidos. Como não foram, tornaram-se crônicos e parecem condenar a região à estagnação. Por cansaço ou conformismo, mesmo tendo sido fortemente prejudicada, a sociedade tolera a persistente omissão dos responsáveis por políticas públicas.

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O resultado é um cenário sombrio, mais do que na China. No estudo econômico que lançou no mês passado, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) destacou que a região continua presa numa armadilha de baixo crescimento, caracterizada por pouco investimento, baixa produtividade do trabalho e carência de recursos públicos para políticas estimuladoras da atividade econômica. E isso ocorre num cenário de incerteza global, no qual pesam a perda de dinamismo da economia chinesa e conflitos ainda de natureza localizada, mas com potencial para se ampliarem, além do risco de mudanças políticas bruscas nos Estados Unidos.

O estudo da Cepal mostra que, entre 2015 e 2024, a região teve baixo crescimento, na média de 0,9% ao ano. É uma expansão menor do que a de 2,0% registrada na década de 1980, que foi chamada de “a década perdida”. Parece uma década que nunca termina.

Para escapar da armadilha de baixo crescimento, aumentar o nível de emprego e gerar postos de trabalho de maior produtividade, é preciso que haja políticas eficazes de desenvolvimento produtivo, complementadas por políticas macroeconômicas adequadas e políticas trabalhistas que estimulem a geração de emprego sem ferir direitos, recomendou o secretário executivo da Cepal, José Manuel Salazar-Xirinachs, ao apresentar o estudo.

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Além dos desafios conhecidos, e nunca convenientemente enfrentados pela maioria dos países da América Latina, o secretário executivo da Cepal advertiu para a existência de outro: o da adaptação às mudanças climáticas e de mitigação de seus efeitos.

Como observou o estudo, a maioria dos países latino-americanos está situada em zonas geográficas muito expostas aos efeitos das mudanças hidrometeorológicas ou à ocorrência de fenômenos meteorológicos extremos. A região tem elevada dependência de atividades econômicas muito sujeitas aos efeitos das mudanças climáticas, como agricultura, mineração e turismo.

Numa simulação dos impactos das mudanças climáticas, a Cepal montou um cenário básico no qual estimou o desempenho dos países que adotaram as medidas necessárias para se adaptar a elas e mitigar seus impactos e projetou o que ocorreria caso esses países tivessem sido negligentes na questão ambiental. Em cerca de 25 anos, o PIB dos países negligentes seria 12,5% menor do que teria sido caso tivessem tomado as medidas necessárias para o enfrentamento das mudanças climáticas. O número de pessoas ocupadas seria 11,2% menor do que o que se alcançaria no cenário básico.

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São projeções, é verdade, mas podem nos dar ideia do tamanho do desafio que, apenas na atividade econômica e no nível de emprego, as mudanças climáticas impõem a governantes e à sociedade. Os desafios para a preservação das condições de vida no planeta são ainda mais dramáticos.

Em outro trabalho, divulgado há poucas semanas, a Cepal fez um apelo aos países da região para ampliar e melhorar as políticas de desenvolvimento produtivo que impulsionem a produtividade de maneira eficaz, pois até agora os esforços têm sido apenas marginais se comparados com as necessidades e com o que outros países fizeram e estão fazendo.

É difícil imaginar que, depois de tanto tempo de conformismo, surja na região uma onda de modernização e de crescimento como a preconizada pela Cepal. Mas quem sabe possa surgir?

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JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!) (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

Sombrio é como alguns jornais descrevem o ambiente econômico na China. A desaceleração da atividade econômica é acentuada. A produção industrial e as vendas no varejo crescem menos que o esperado, o desemprego começa a subir, o mercado de ações despenca. O resto do mundo acompanha com apreensão esse desenrolar. Países desenvolvidos temem que, necessitando estimular a economia, a China adote medidas protecionistas ou práticas comerciais não convencionais. Outra parte do mundo será afetada pela queda da demanda da China.

Embora seja o segundo maior destino dos produtos exportados pela América Latina (e o principal mercado para as exportações brasileiras), a China não preocupa os analistas nesta parte do mundo. A maioria deles prevê queda no ritmo de crescimento da economia chinesa, como constatou a mais recente sondagem trimestral do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que consultou centenas de especialistas em mais de dez países. Mas a percepção predominante entre eles é a de que, para a maioria dos países, o impacto da desaceleração da China será médio. No Brasil, em particular, metade dos consultados prevê impacto baixo.

Se a China não é – ou ainda não é – problema que mereça maior atenção dos latino-americanos, há outros que há muito deveriam ter sido resolvidos. Como não foram, tornaram-se crônicos e parecem condenar a região à estagnação. Por cansaço ou conformismo, mesmo tendo sido fortemente prejudicada, a sociedade tolera a persistente omissão dos responsáveis por políticas públicas.

O resultado é um cenário sombrio, mais do que na China. No estudo econômico que lançou no mês passado, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) destacou que a região continua presa numa armadilha de baixo crescimento, caracterizada por pouco investimento, baixa produtividade do trabalho e carência de recursos públicos para políticas estimuladoras da atividade econômica. E isso ocorre num cenário de incerteza global, no qual pesam a perda de dinamismo da economia chinesa e conflitos ainda de natureza localizada, mas com potencial para se ampliarem, além do risco de mudanças políticas bruscas nos Estados Unidos.

O estudo da Cepal mostra que, entre 2015 e 2024, a região teve baixo crescimento, na média de 0,9% ao ano. É uma expansão menor do que a de 2,0% registrada na década de 1980, que foi chamada de “a década perdida”. Parece uma década que nunca termina.

Para escapar da armadilha de baixo crescimento, aumentar o nível de emprego e gerar postos de trabalho de maior produtividade, é preciso que haja políticas eficazes de desenvolvimento produtivo, complementadas por políticas macroeconômicas adequadas e políticas trabalhistas que estimulem a geração de emprego sem ferir direitos, recomendou o secretário executivo da Cepal, José Manuel Salazar-Xirinachs, ao apresentar o estudo.

Além dos desafios conhecidos, e nunca convenientemente enfrentados pela maioria dos países da América Latina, o secretário executivo da Cepal advertiu para a existência de outro: o da adaptação às mudanças climáticas e de mitigação de seus efeitos.

Como observou o estudo, a maioria dos países latino-americanos está situada em zonas geográficas muito expostas aos efeitos das mudanças hidrometeorológicas ou à ocorrência de fenômenos meteorológicos extremos. A região tem elevada dependência de atividades econômicas muito sujeitas aos efeitos das mudanças climáticas, como agricultura, mineração e turismo.

Numa simulação dos impactos das mudanças climáticas, a Cepal montou um cenário básico no qual estimou o desempenho dos países que adotaram as medidas necessárias para se adaptar a elas e mitigar seus impactos e projetou o que ocorreria caso esses países tivessem sido negligentes na questão ambiental. Em cerca de 25 anos, o PIB dos países negligentes seria 12,5% menor do que teria sido caso tivessem tomado as medidas necessárias para o enfrentamento das mudanças climáticas. O número de pessoas ocupadas seria 11,2% menor do que o que se alcançaria no cenário básico.

São projeções, é verdade, mas podem nos dar ideia do tamanho do desafio que, apenas na atividade econômica e no nível de emprego, as mudanças climáticas impõem a governantes e à sociedade. Os desafios para a preservação das condições de vida no planeta são ainda mais dramáticos.

Em outro trabalho, divulgado há poucas semanas, a Cepal fez um apelo aos países da região para ampliar e melhorar as políticas de desenvolvimento produtivo que impulsionem a produtividade de maneira eficaz, pois até agora os esforços têm sido apenas marginais se comparados com as necessidades e com o que outros países fizeram e estão fazendo.

É difícil imaginar que, depois de tanto tempo de conformismo, surja na região uma onda de modernização e de crescimento como a preconizada pela Cepal. Mas quem sabe possa surgir?

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JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!) (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

Sombrio é como alguns jornais descrevem o ambiente econômico na China. A desaceleração da atividade econômica é acentuada. A produção industrial e as vendas no varejo crescem menos que o esperado, o desemprego começa a subir, o mercado de ações despenca. O resto do mundo acompanha com apreensão esse desenrolar. Países desenvolvidos temem que, necessitando estimular a economia, a China adote medidas protecionistas ou práticas comerciais não convencionais. Outra parte do mundo será afetada pela queda da demanda da China.

Embora seja o segundo maior destino dos produtos exportados pela América Latina (e o principal mercado para as exportações brasileiras), a China não preocupa os analistas nesta parte do mundo. A maioria deles prevê queda no ritmo de crescimento da economia chinesa, como constatou a mais recente sondagem trimestral do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que consultou centenas de especialistas em mais de dez países. Mas a percepção predominante entre eles é a de que, para a maioria dos países, o impacto da desaceleração da China será médio. No Brasil, em particular, metade dos consultados prevê impacto baixo.

Se a China não é – ou ainda não é – problema que mereça maior atenção dos latino-americanos, há outros que há muito deveriam ter sido resolvidos. Como não foram, tornaram-se crônicos e parecem condenar a região à estagnação. Por cansaço ou conformismo, mesmo tendo sido fortemente prejudicada, a sociedade tolera a persistente omissão dos responsáveis por políticas públicas.

O resultado é um cenário sombrio, mais do que na China. No estudo econômico que lançou no mês passado, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) destacou que a região continua presa numa armadilha de baixo crescimento, caracterizada por pouco investimento, baixa produtividade do trabalho e carência de recursos públicos para políticas estimuladoras da atividade econômica. E isso ocorre num cenário de incerteza global, no qual pesam a perda de dinamismo da economia chinesa e conflitos ainda de natureza localizada, mas com potencial para se ampliarem, além do risco de mudanças políticas bruscas nos Estados Unidos.

O estudo da Cepal mostra que, entre 2015 e 2024, a região teve baixo crescimento, na média de 0,9% ao ano. É uma expansão menor do que a de 2,0% registrada na década de 1980, que foi chamada de “a década perdida”. Parece uma década que nunca termina.

Para escapar da armadilha de baixo crescimento, aumentar o nível de emprego e gerar postos de trabalho de maior produtividade, é preciso que haja políticas eficazes de desenvolvimento produtivo, complementadas por políticas macroeconômicas adequadas e políticas trabalhistas que estimulem a geração de emprego sem ferir direitos, recomendou o secretário executivo da Cepal, José Manuel Salazar-Xirinachs, ao apresentar o estudo.

Além dos desafios conhecidos, e nunca convenientemente enfrentados pela maioria dos países da América Latina, o secretário executivo da Cepal advertiu para a existência de outro: o da adaptação às mudanças climáticas e de mitigação de seus efeitos.

Como observou o estudo, a maioria dos países latino-americanos está situada em zonas geográficas muito expostas aos efeitos das mudanças hidrometeorológicas ou à ocorrência de fenômenos meteorológicos extremos. A região tem elevada dependência de atividades econômicas muito sujeitas aos efeitos das mudanças climáticas, como agricultura, mineração e turismo.

Numa simulação dos impactos das mudanças climáticas, a Cepal montou um cenário básico no qual estimou o desempenho dos países que adotaram as medidas necessárias para se adaptar a elas e mitigar seus impactos e projetou o que ocorreria caso esses países tivessem sido negligentes na questão ambiental. Em cerca de 25 anos, o PIB dos países negligentes seria 12,5% menor do que teria sido caso tivessem tomado as medidas necessárias para o enfrentamento das mudanças climáticas. O número de pessoas ocupadas seria 11,2% menor do que o que se alcançaria no cenário básico.

São projeções, é verdade, mas podem nos dar ideia do tamanho do desafio que, apenas na atividade econômica e no nível de emprego, as mudanças climáticas impõem a governantes e à sociedade. Os desafios para a preservação das condições de vida no planeta são ainda mais dramáticos.

Em outro trabalho, divulgado há poucas semanas, a Cepal fez um apelo aos países da região para ampliar e melhorar as políticas de desenvolvimento produtivo que impulsionem a produtividade de maneira eficaz, pois até agora os esforços têm sido apenas marginais se comparados com as necessidades e com o que outros países fizeram e estão fazendo.

É difícil imaginar que, depois de tanto tempo de conformismo, surja na região uma onda de modernização e de crescimento como a preconizada pela Cepal. Mas quem sabe possa surgir?

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JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!) (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

Opinião por Jorge J. Okubaro

Jornalista, é autor, entre outros, do livro 'O Súdito (Banzai, Massateru!)' (Editora Terceiro Nome)

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