Opinião|Discussão necessária


O confronto dos custos dos benefícios dos militares com os dos trabalhadores civis deixa muitas indagações

Por Jorge J. Okubaro

A discussão sobre a necessidade de mudanças no sistema de proteção social dos militares pode criar mais problemas para o governo. Ao escolher um político com boas relações na cúpula das Forças Armadas para ocupar o Ministério da Defesa, o presidente Lula da Silva recebeu fortes críticas de companheiros do PT. Mas parecia ter aquietado um braço do Estado com o qual seu partido nem sempre mantém entendimento fluente. A comparação dos gastos com “o conjunto integrado de direitos, serviços e ações, permanentes e interativas, de remuneração, pensão, saúde e assistência” dos militares (como a legislação define o sistema de benefícios sociais e previdenciários desses profissionais) com o custo da Previdência dos servidores civis e dos demais trabalhadores, porém, mostrou disparidades tão gritantes que assustam. E podem gerar atritos políticos.

Utilizou-se a expressão legal que trata dos benefícios sociais dos militares porque eles não os consideram um regime previdenciário como o dos trabalhadores dos setores público e privado. Ainda que se reconheça a relevante diferença conceitual e de fonte de recursos (no caso das Forças Armadas, é o Tesouro Nacional), o confronto dos custos dos benefícios dos militares com os dos trabalhadores civis deixa muitas indagações. Trata-se de um sistema que mantém privilégios dos militares em relação aos demais trabalhadores ou de um regime jurídico que mitiga desvantagens impostas a esses servidores em razão das particularidades de sua profissão?

Em análise das contas públicas divulgada em junho, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Walton Alencar Rodrigues afirmou que, nas mudanças ocorridas nos últimos anos, “os militares das Forças Armadas foram os que preservaram as maiores vantagens”. Por isso, no seu entender, é imprescindível “implementar mudanças no SPSMFA, com o objetivo de torná-lo consentâneo com o contexto nacional, no qual a manutenção de privilégios, em relação aos demais trabalhadores, às custas da sociedade, é cada vez menos aceitável, diante da difícil situação fiscal do País e dos naturais anseios sociais pela moralidade e isonomia”. Esclareça-que SPSMFA é o Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas, que recebeu esse nome em 2019.

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No Caderno de Orientação aos Agentes da Administração sobre o SPSMFA, que estava na quarta edição em setembro, a Secretaria de Economia e Finanças do Exército ressalta que militar não é privilegiado, nem tem direito a aposentadoria. Num quadro didático sobre “ideias equivocadas e suas devidas correções”, afirma pelo menos quatro vezes que “militares das Forças Armadas não têm previdência”.

Segundo o Caderno, o regime jurídico dos militares não gera privilégio; “ao contrário, busca atenuar as desvantagens a esses profissionais pelas particularidades da profissão militar”. A carreira, diz ainda, exige habilidades técnicas e físicas; impõe desafios que demandam coragem, liderança e conhecimento especializado; e implica frequentes transferências, com mudanças constantes de residência. Além disso, dos militares são suprimidos certos direitos sociais, como os de greve, de sindicalização e de filiação a partidos.

Ainda que meritória, essa discussão não é suficiente para tornar esmaecidos alguns números levantados pelo TCU. São dados que podem até causar perplexidade. Em 2023, o déficit per capita do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), conhecido como Regime Geral de Previdência Social (RGPS), foi de R$ 9,4 mil; no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que abarca os servidores civis, de R$ 69 mil; e, no caso dos militares, de R$ 159 mil. O custo per capita do déficit do regime dos militares equivale a 17 vezes o do trabalhador comum.

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Quaisquer que sejam as justificativas para essa discrepância, ela propicia reflexões de natureza ética (essa disparidade acentua a desigualdade numa sociedade muito desigual) e, sobretudo, fiscal. Nestes tempos em que parte dos agentes econômicos, especialmente os vinculados a instituições financeiras, cobram do governo com veemência crescente o ajuste das contas públicas, essa não é uma questão a ser tratada com indiferença. Combater o déficit implica escolhas políticas. Cortar gastos com defesa, com infraestrutura, com programas sociais ou com benefícios tributários?

Há negociações para a redução da ampla distância entre os custos dos regimes de proteção social (chamemos assim) dos civis e dos militares. O presidente Lula pediu ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a inclusão do Ministério da Defesa no corte de despesas necessário para reduzir o déficit.

Já se discute a redução de benefícios como pensões de filhas solteiras de militares (com impacto até 2060), pagamento por mortes fictícias (devido a dependentes de militares expulsos por conduta inadequada) e remuneração aos que deixam o serviço ativo.

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Se as medidas forem aprovadas, seus efeitos serão lentos. Por isso, a despeito de politicamente perturbadora, a questão suscitada pelos números do TCU merece reflexão mais profunda da sociedade.

*

JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO ‘O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!)’ (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

A discussão sobre a necessidade de mudanças no sistema de proteção social dos militares pode criar mais problemas para o governo. Ao escolher um político com boas relações na cúpula das Forças Armadas para ocupar o Ministério da Defesa, o presidente Lula da Silva recebeu fortes críticas de companheiros do PT. Mas parecia ter aquietado um braço do Estado com o qual seu partido nem sempre mantém entendimento fluente. A comparação dos gastos com “o conjunto integrado de direitos, serviços e ações, permanentes e interativas, de remuneração, pensão, saúde e assistência” dos militares (como a legislação define o sistema de benefícios sociais e previdenciários desses profissionais) com o custo da Previdência dos servidores civis e dos demais trabalhadores, porém, mostrou disparidades tão gritantes que assustam. E podem gerar atritos políticos.

Utilizou-se a expressão legal que trata dos benefícios sociais dos militares porque eles não os consideram um regime previdenciário como o dos trabalhadores dos setores público e privado. Ainda que se reconheça a relevante diferença conceitual e de fonte de recursos (no caso das Forças Armadas, é o Tesouro Nacional), o confronto dos custos dos benefícios dos militares com os dos trabalhadores civis deixa muitas indagações. Trata-se de um sistema que mantém privilégios dos militares em relação aos demais trabalhadores ou de um regime jurídico que mitiga desvantagens impostas a esses servidores em razão das particularidades de sua profissão?

Em análise das contas públicas divulgada em junho, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Walton Alencar Rodrigues afirmou que, nas mudanças ocorridas nos últimos anos, “os militares das Forças Armadas foram os que preservaram as maiores vantagens”. Por isso, no seu entender, é imprescindível “implementar mudanças no SPSMFA, com o objetivo de torná-lo consentâneo com o contexto nacional, no qual a manutenção de privilégios, em relação aos demais trabalhadores, às custas da sociedade, é cada vez menos aceitável, diante da difícil situação fiscal do País e dos naturais anseios sociais pela moralidade e isonomia”. Esclareça-que SPSMFA é o Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas, que recebeu esse nome em 2019.

No Caderno de Orientação aos Agentes da Administração sobre o SPSMFA, que estava na quarta edição em setembro, a Secretaria de Economia e Finanças do Exército ressalta que militar não é privilegiado, nem tem direito a aposentadoria. Num quadro didático sobre “ideias equivocadas e suas devidas correções”, afirma pelo menos quatro vezes que “militares das Forças Armadas não têm previdência”.

Segundo o Caderno, o regime jurídico dos militares não gera privilégio; “ao contrário, busca atenuar as desvantagens a esses profissionais pelas particularidades da profissão militar”. A carreira, diz ainda, exige habilidades técnicas e físicas; impõe desafios que demandam coragem, liderança e conhecimento especializado; e implica frequentes transferências, com mudanças constantes de residência. Além disso, dos militares são suprimidos certos direitos sociais, como os de greve, de sindicalização e de filiação a partidos.

Ainda que meritória, essa discussão não é suficiente para tornar esmaecidos alguns números levantados pelo TCU. São dados que podem até causar perplexidade. Em 2023, o déficit per capita do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), conhecido como Regime Geral de Previdência Social (RGPS), foi de R$ 9,4 mil; no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que abarca os servidores civis, de R$ 69 mil; e, no caso dos militares, de R$ 159 mil. O custo per capita do déficit do regime dos militares equivale a 17 vezes o do trabalhador comum.

Quaisquer que sejam as justificativas para essa discrepância, ela propicia reflexões de natureza ética (essa disparidade acentua a desigualdade numa sociedade muito desigual) e, sobretudo, fiscal. Nestes tempos em que parte dos agentes econômicos, especialmente os vinculados a instituições financeiras, cobram do governo com veemência crescente o ajuste das contas públicas, essa não é uma questão a ser tratada com indiferença. Combater o déficit implica escolhas políticas. Cortar gastos com defesa, com infraestrutura, com programas sociais ou com benefícios tributários?

Há negociações para a redução da ampla distância entre os custos dos regimes de proteção social (chamemos assim) dos civis e dos militares. O presidente Lula pediu ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a inclusão do Ministério da Defesa no corte de despesas necessário para reduzir o déficit.

Já se discute a redução de benefícios como pensões de filhas solteiras de militares (com impacto até 2060), pagamento por mortes fictícias (devido a dependentes de militares expulsos por conduta inadequada) e remuneração aos que deixam o serviço ativo.

Se as medidas forem aprovadas, seus efeitos serão lentos. Por isso, a despeito de politicamente perturbadora, a questão suscitada pelos números do TCU merece reflexão mais profunda da sociedade.

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JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO ‘O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!)’ (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

A discussão sobre a necessidade de mudanças no sistema de proteção social dos militares pode criar mais problemas para o governo. Ao escolher um político com boas relações na cúpula das Forças Armadas para ocupar o Ministério da Defesa, o presidente Lula da Silva recebeu fortes críticas de companheiros do PT. Mas parecia ter aquietado um braço do Estado com o qual seu partido nem sempre mantém entendimento fluente. A comparação dos gastos com “o conjunto integrado de direitos, serviços e ações, permanentes e interativas, de remuneração, pensão, saúde e assistência” dos militares (como a legislação define o sistema de benefícios sociais e previdenciários desses profissionais) com o custo da Previdência dos servidores civis e dos demais trabalhadores, porém, mostrou disparidades tão gritantes que assustam. E podem gerar atritos políticos.

Utilizou-se a expressão legal que trata dos benefícios sociais dos militares porque eles não os consideram um regime previdenciário como o dos trabalhadores dos setores público e privado. Ainda que se reconheça a relevante diferença conceitual e de fonte de recursos (no caso das Forças Armadas, é o Tesouro Nacional), o confronto dos custos dos benefícios dos militares com os dos trabalhadores civis deixa muitas indagações. Trata-se de um sistema que mantém privilégios dos militares em relação aos demais trabalhadores ou de um regime jurídico que mitiga desvantagens impostas a esses servidores em razão das particularidades de sua profissão?

Em análise das contas públicas divulgada em junho, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Walton Alencar Rodrigues afirmou que, nas mudanças ocorridas nos últimos anos, “os militares das Forças Armadas foram os que preservaram as maiores vantagens”. Por isso, no seu entender, é imprescindível “implementar mudanças no SPSMFA, com o objetivo de torná-lo consentâneo com o contexto nacional, no qual a manutenção de privilégios, em relação aos demais trabalhadores, às custas da sociedade, é cada vez menos aceitável, diante da difícil situação fiscal do País e dos naturais anseios sociais pela moralidade e isonomia”. Esclareça-que SPSMFA é o Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas, que recebeu esse nome em 2019.

No Caderno de Orientação aos Agentes da Administração sobre o SPSMFA, que estava na quarta edição em setembro, a Secretaria de Economia e Finanças do Exército ressalta que militar não é privilegiado, nem tem direito a aposentadoria. Num quadro didático sobre “ideias equivocadas e suas devidas correções”, afirma pelo menos quatro vezes que “militares das Forças Armadas não têm previdência”.

Segundo o Caderno, o regime jurídico dos militares não gera privilégio; “ao contrário, busca atenuar as desvantagens a esses profissionais pelas particularidades da profissão militar”. A carreira, diz ainda, exige habilidades técnicas e físicas; impõe desafios que demandam coragem, liderança e conhecimento especializado; e implica frequentes transferências, com mudanças constantes de residência. Além disso, dos militares são suprimidos certos direitos sociais, como os de greve, de sindicalização e de filiação a partidos.

Ainda que meritória, essa discussão não é suficiente para tornar esmaecidos alguns números levantados pelo TCU. São dados que podem até causar perplexidade. Em 2023, o déficit per capita do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), conhecido como Regime Geral de Previdência Social (RGPS), foi de R$ 9,4 mil; no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que abarca os servidores civis, de R$ 69 mil; e, no caso dos militares, de R$ 159 mil. O custo per capita do déficit do regime dos militares equivale a 17 vezes o do trabalhador comum.

Quaisquer que sejam as justificativas para essa discrepância, ela propicia reflexões de natureza ética (essa disparidade acentua a desigualdade numa sociedade muito desigual) e, sobretudo, fiscal. Nestes tempos em que parte dos agentes econômicos, especialmente os vinculados a instituições financeiras, cobram do governo com veemência crescente o ajuste das contas públicas, essa não é uma questão a ser tratada com indiferença. Combater o déficit implica escolhas políticas. Cortar gastos com defesa, com infraestrutura, com programas sociais ou com benefícios tributários?

Há negociações para a redução da ampla distância entre os custos dos regimes de proteção social (chamemos assim) dos civis e dos militares. O presidente Lula pediu ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a inclusão do Ministério da Defesa no corte de despesas necessário para reduzir o déficit.

Já se discute a redução de benefícios como pensões de filhas solteiras de militares (com impacto até 2060), pagamento por mortes fictícias (devido a dependentes de militares expulsos por conduta inadequada) e remuneração aos que deixam o serviço ativo.

Se as medidas forem aprovadas, seus efeitos serão lentos. Por isso, a despeito de politicamente perturbadora, a questão suscitada pelos números do TCU merece reflexão mais profunda da sociedade.

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JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO ‘O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!)’ (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

Opinião por Jorge J. Okubaro

Jornalista, é autor, entre outros, do livro 'O Súdito (Banzai, Massateru!)' (Editora Terceiro Nome)

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