Opinião|Na energia, um lado apagado da pobreza


EPE, Ministério de Minas e Energia e BID anunciaram um programa destinado a levantar dados sobre pobreza energética que possam ajudar a enfrentar o problema

Por Jorge J. Okubaro

Eficiência, confiabilidade, sustentabilidade e acessibilidade são propriedades usualmente associadas à transição energética que assegure as condições ambientais indispensáveis para as próximas gerações. Energia mais limpa, mais barata, mais bem distribuída, de modo a melhorar a vida de todas as camadas da população, tornou-se, mais do que anseio, necessidade mundial. É o sétimo dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos no encontro de cúpula das Nações Unidas de 2015.

O que se busca com os ODS é a erradicação da pobreza, segurança alimentar, igualdade de gênero, energia limpa e acessível, padrões sustentáveis de desenvolvimento e redução das desigualdades. Essas e outras metas são destinadas a tornar o mundo melhor, ou pelo menos a evitar que as condições de vida no planeta continuem a se deteriorar. Desde 1992, quando sediou a primeira Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (a Rio 92), o Brasil tem tido papel fundamental na implementação dos ODS, como destaca o Ministério das Relações Exteriores.

No detalhamento do objetivo número sete, documentos das Nações Unidas falam em acesso universal e a preços toleráveis a serviços de energia de fontes renováveis, limpas e mais eficientes. O fato de, no Brasil, o sistema de distribuição de energia elétrica alcançar praticamente toda a população pode sugerir que, nesse item, o País está muito bem. Também o fato de, no Brasil, as fontes renováveis responderem por 47,4% da matriz energética, ante apenas 2,7% na matriz energética mundial, mostra que aqui a situação é mais confortável do que em outros países.

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Mas são dados que, embora apreciáveis, não escondem deficiências graves. A frequência com que o fornecimento de energia elétrica tem sido interrompido em bairros centrais de São Paulo desde novembro mostra um sistema de distribuição muito suscetível a falhas. Por afetar boa parte da população e impor custos e perdas a empreendimentos comerciais variados, é questão tratada com atenção pelos meios de comunicação.

Embora dificulte a vida de milhões de brasileiros, de maneira persistente e não apenas ocasional, outro problema não tem merecido tanta atenção. Por isso, é quase desconhecido do grande público. Trata-se do que os especialistas chamam de pobreza energética. “A pobreza energética refere-se à ausência de acesso aos serviços energéticos modernos por pessoas ou grupos”, define um texto disponível no portal do Ministério da Fazenda. O custo pode ser um fator determinante para o uso de fontes pouco eficientes e mais poluentes, que é um dos aspectos mais visíveis da pobreza energética.

De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, lenha e carvão respondem por 9,0% da matriz energética do Brasil. Essa fatia é comparável à da energia hidráulica, de 12,5%. É um dado que pode causar alguma estranheza, pois é sabido que a energia elétrica produzida no País é predominantemente de origem hidráulica.

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Não surpreende, porém, que a eletricidade seja a principal fonte da matriz energética do setor residencial, de acordo com a EPE. A eletricidade responde por mais de 45% da energia consumida nos lares. Mas é até inesperada a constatação de que a lenha e o carvão vegetal estão à frente do gás de cozinha no consumo residencial.

Entre 2013 e 2016, o uso de lenha/carvão e o de gás liquefeito de petróleo nas residências eram praticamente iguais no Brasil. A partir de 2018, no entanto, o consumo de lenha e carvão aumentou e se descolou do de gás de cozinha. É possível que o aumento dos derivados de petróleo em decorrência da nova política de preços da Petrobras, de vinculação do valor interno dos derivados à variação da cotação internacional do petróleo, tenha desestimulado o uso do gás de cozinha.

A perda de qualidade é nítida. De acordo com a EPE, a eficiência dos fogões a lenha corresponde a apenas cerca de 10% da eficiência dos fogões a gás. Além disso, a combustão de lenha ou carvão é mais poluente do que a do gás liquefeito de petróleo. Vê-se, aí, uma notória inversão de resultados na comparação com os ODS na área de energia, quanto a eficiência e limpeza.

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Há outros problemas associados ao aumento proporcional do consumo de lenha e carvão nos lares. Gasta-se mais tempo na preparação da comida, o que reduz a disponibilidade de tempo para outras tarefas produtivas ou descanso. E a família fica exposta a gases tóxicos ou prejudiciais à saúde, o que aumenta os gastos domésticos e onera os serviços públicos.

Programas de transferência de renda para estimular o uso de gás de cozinha não deram todo o resultado esperado. Em vez de substituir o fogão a lenha por um a gás, os beneficiados usaram a renda destinada a esse fim para cobrir outras despesas. Há duas semanas, a EPE, o Ministério de Minas e Energia e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) anunciaram um programa destinado a levantar dados sobre pobreza energética que possam contribuir para enfrentar o problema. Embora pouco conhecido, ele é amplo.

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JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!) (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

Eficiência, confiabilidade, sustentabilidade e acessibilidade são propriedades usualmente associadas à transição energética que assegure as condições ambientais indispensáveis para as próximas gerações. Energia mais limpa, mais barata, mais bem distribuída, de modo a melhorar a vida de todas as camadas da população, tornou-se, mais do que anseio, necessidade mundial. É o sétimo dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos no encontro de cúpula das Nações Unidas de 2015.

O que se busca com os ODS é a erradicação da pobreza, segurança alimentar, igualdade de gênero, energia limpa e acessível, padrões sustentáveis de desenvolvimento e redução das desigualdades. Essas e outras metas são destinadas a tornar o mundo melhor, ou pelo menos a evitar que as condições de vida no planeta continuem a se deteriorar. Desde 1992, quando sediou a primeira Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (a Rio 92), o Brasil tem tido papel fundamental na implementação dos ODS, como destaca o Ministério das Relações Exteriores.

No detalhamento do objetivo número sete, documentos das Nações Unidas falam em acesso universal e a preços toleráveis a serviços de energia de fontes renováveis, limpas e mais eficientes. O fato de, no Brasil, o sistema de distribuição de energia elétrica alcançar praticamente toda a população pode sugerir que, nesse item, o País está muito bem. Também o fato de, no Brasil, as fontes renováveis responderem por 47,4% da matriz energética, ante apenas 2,7% na matriz energética mundial, mostra que aqui a situação é mais confortável do que em outros países.

Mas são dados que, embora apreciáveis, não escondem deficiências graves. A frequência com que o fornecimento de energia elétrica tem sido interrompido em bairros centrais de São Paulo desde novembro mostra um sistema de distribuição muito suscetível a falhas. Por afetar boa parte da população e impor custos e perdas a empreendimentos comerciais variados, é questão tratada com atenção pelos meios de comunicação.

Embora dificulte a vida de milhões de brasileiros, de maneira persistente e não apenas ocasional, outro problema não tem merecido tanta atenção. Por isso, é quase desconhecido do grande público. Trata-se do que os especialistas chamam de pobreza energética. “A pobreza energética refere-se à ausência de acesso aos serviços energéticos modernos por pessoas ou grupos”, define um texto disponível no portal do Ministério da Fazenda. O custo pode ser um fator determinante para o uso de fontes pouco eficientes e mais poluentes, que é um dos aspectos mais visíveis da pobreza energética.

De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, lenha e carvão respondem por 9,0% da matriz energética do Brasil. Essa fatia é comparável à da energia hidráulica, de 12,5%. É um dado que pode causar alguma estranheza, pois é sabido que a energia elétrica produzida no País é predominantemente de origem hidráulica.

Não surpreende, porém, que a eletricidade seja a principal fonte da matriz energética do setor residencial, de acordo com a EPE. A eletricidade responde por mais de 45% da energia consumida nos lares. Mas é até inesperada a constatação de que a lenha e o carvão vegetal estão à frente do gás de cozinha no consumo residencial.

Entre 2013 e 2016, o uso de lenha/carvão e o de gás liquefeito de petróleo nas residências eram praticamente iguais no Brasil. A partir de 2018, no entanto, o consumo de lenha e carvão aumentou e se descolou do de gás de cozinha. É possível que o aumento dos derivados de petróleo em decorrência da nova política de preços da Petrobras, de vinculação do valor interno dos derivados à variação da cotação internacional do petróleo, tenha desestimulado o uso do gás de cozinha.

A perda de qualidade é nítida. De acordo com a EPE, a eficiência dos fogões a lenha corresponde a apenas cerca de 10% da eficiência dos fogões a gás. Além disso, a combustão de lenha ou carvão é mais poluente do que a do gás liquefeito de petróleo. Vê-se, aí, uma notória inversão de resultados na comparação com os ODS na área de energia, quanto a eficiência e limpeza.

Há outros problemas associados ao aumento proporcional do consumo de lenha e carvão nos lares. Gasta-se mais tempo na preparação da comida, o que reduz a disponibilidade de tempo para outras tarefas produtivas ou descanso. E a família fica exposta a gases tóxicos ou prejudiciais à saúde, o que aumenta os gastos domésticos e onera os serviços públicos.

Programas de transferência de renda para estimular o uso de gás de cozinha não deram todo o resultado esperado. Em vez de substituir o fogão a lenha por um a gás, os beneficiados usaram a renda destinada a esse fim para cobrir outras despesas. Há duas semanas, a EPE, o Ministério de Minas e Energia e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) anunciaram um programa destinado a levantar dados sobre pobreza energética que possam contribuir para enfrentar o problema. Embora pouco conhecido, ele é amplo.

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JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!) (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

Eficiência, confiabilidade, sustentabilidade e acessibilidade são propriedades usualmente associadas à transição energética que assegure as condições ambientais indispensáveis para as próximas gerações. Energia mais limpa, mais barata, mais bem distribuída, de modo a melhorar a vida de todas as camadas da população, tornou-se, mais do que anseio, necessidade mundial. É o sétimo dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos no encontro de cúpula das Nações Unidas de 2015.

O que se busca com os ODS é a erradicação da pobreza, segurança alimentar, igualdade de gênero, energia limpa e acessível, padrões sustentáveis de desenvolvimento e redução das desigualdades. Essas e outras metas são destinadas a tornar o mundo melhor, ou pelo menos a evitar que as condições de vida no planeta continuem a se deteriorar. Desde 1992, quando sediou a primeira Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (a Rio 92), o Brasil tem tido papel fundamental na implementação dos ODS, como destaca o Ministério das Relações Exteriores.

No detalhamento do objetivo número sete, documentos das Nações Unidas falam em acesso universal e a preços toleráveis a serviços de energia de fontes renováveis, limpas e mais eficientes. O fato de, no Brasil, o sistema de distribuição de energia elétrica alcançar praticamente toda a população pode sugerir que, nesse item, o País está muito bem. Também o fato de, no Brasil, as fontes renováveis responderem por 47,4% da matriz energética, ante apenas 2,7% na matriz energética mundial, mostra que aqui a situação é mais confortável do que em outros países.

Mas são dados que, embora apreciáveis, não escondem deficiências graves. A frequência com que o fornecimento de energia elétrica tem sido interrompido em bairros centrais de São Paulo desde novembro mostra um sistema de distribuição muito suscetível a falhas. Por afetar boa parte da população e impor custos e perdas a empreendimentos comerciais variados, é questão tratada com atenção pelos meios de comunicação.

Embora dificulte a vida de milhões de brasileiros, de maneira persistente e não apenas ocasional, outro problema não tem merecido tanta atenção. Por isso, é quase desconhecido do grande público. Trata-se do que os especialistas chamam de pobreza energética. “A pobreza energética refere-se à ausência de acesso aos serviços energéticos modernos por pessoas ou grupos”, define um texto disponível no portal do Ministério da Fazenda. O custo pode ser um fator determinante para o uso de fontes pouco eficientes e mais poluentes, que é um dos aspectos mais visíveis da pobreza energética.

De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, lenha e carvão respondem por 9,0% da matriz energética do Brasil. Essa fatia é comparável à da energia hidráulica, de 12,5%. É um dado que pode causar alguma estranheza, pois é sabido que a energia elétrica produzida no País é predominantemente de origem hidráulica.

Não surpreende, porém, que a eletricidade seja a principal fonte da matriz energética do setor residencial, de acordo com a EPE. A eletricidade responde por mais de 45% da energia consumida nos lares. Mas é até inesperada a constatação de que a lenha e o carvão vegetal estão à frente do gás de cozinha no consumo residencial.

Entre 2013 e 2016, o uso de lenha/carvão e o de gás liquefeito de petróleo nas residências eram praticamente iguais no Brasil. A partir de 2018, no entanto, o consumo de lenha e carvão aumentou e se descolou do de gás de cozinha. É possível que o aumento dos derivados de petróleo em decorrência da nova política de preços da Petrobras, de vinculação do valor interno dos derivados à variação da cotação internacional do petróleo, tenha desestimulado o uso do gás de cozinha.

A perda de qualidade é nítida. De acordo com a EPE, a eficiência dos fogões a lenha corresponde a apenas cerca de 10% da eficiência dos fogões a gás. Além disso, a combustão de lenha ou carvão é mais poluente do que a do gás liquefeito de petróleo. Vê-se, aí, uma notória inversão de resultados na comparação com os ODS na área de energia, quanto a eficiência e limpeza.

Há outros problemas associados ao aumento proporcional do consumo de lenha e carvão nos lares. Gasta-se mais tempo na preparação da comida, o que reduz a disponibilidade de tempo para outras tarefas produtivas ou descanso. E a família fica exposta a gases tóxicos ou prejudiciais à saúde, o que aumenta os gastos domésticos e onera os serviços públicos.

Programas de transferência de renda para estimular o uso de gás de cozinha não deram todo o resultado esperado. Em vez de substituir o fogão a lenha por um a gás, os beneficiados usaram a renda destinada a esse fim para cobrir outras despesas. Há duas semanas, a EPE, o Ministério de Minas e Energia e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) anunciaram um programa destinado a levantar dados sobre pobreza energética que possam contribuir para enfrentar o problema. Embora pouco conhecido, ele é amplo.

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JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!) (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

Opinião por Jorge J. Okubaro

Jornalista, é autor, entre outros, do livro 'O Súdito (Banzai, Massateru!)' (Editora Terceiro Nome)

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