Opinião|Rompendo um ciclo


Por seus resultados, o Bolsa Família tem sido merecidamente apresentado ao mundo como exemplo de programa de combate à pobreza e de inclusão social

Por Jorge J. Okubaro

Membros de famílias vulneráveis beneficiadas por programas de transferência de renda têm conseguido ascender socialmente. O movimento é lento, insuficiente para reduzir de maneira notável as tremendas desigualdades do País. Mas é duradouro. Jovens de famílias em situação de pobreza que sobrevivem graças sobretudo a políticas públicas de renda conseguem alcançar nível de vida melhor que o de seus pais e dispensam a ajuda desses programas. Num período de 15 anos, praticamente dois terços das crianças de famílias beneficiadas por programas sociais deixaram de depender deles.

Dados como esses vinham sendo apurados há algum tempo por centros de pesquisas, como o Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS). Eles compõem o estudo “Mobilidade social e programas de transferência de renda com condicionalidades: o Programa Bolsa Família no Brasil”, publicado no número 35, de setembro de 2024 (ainda em conclusão), da revista World Development Perspectives, voltada à pesquisa e à promoção do desenvolvimento internacional. Entre seus autores está o economista e doutor em Ciência Política Paulo Tafner, presidente do IMDS.

Destinado ao público internacional, o estudo explica que o Bolsa Família, o maior programa de transferência de renda do Brasil, destaca-se por dar prioridade aos mais vulneráveis e por retirar milhões de pessoas da pobreza a um custo relativamente baixo. O programa atende a 20,8 milhões de famílias nos 5.570 municípios brasileiros, o que representa mais de 55 milhões de pessoas.

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Criado em 2003, com a unificação de diversos programas, o Bolsa Família teve sua relevância questionada em anos recentes, com suspeitas de irregularidades na concessão de benefícios e até contestação de suas finalidades, pois foi acusado de estimular a preservação da pobreza e a aversão ao trabalho. Desfigurado no governo anterior, foi reconstituído no atual, com mudanças nos critérios de habilitação para o recebimento de seus benefícios.

O objetivo da pesquisa, segundo seus autores, foi examinar efeitos de longo prazo do Bolsa Família, como oferecer a seus beneficiários a capacidade de melhorar suas vidas, superando os vícios do ciclo da pobreza. O estudo também pretendeu aferir o grau de independência em relação aos programas sociais que esses beneficiários alcançavam à medida que se inseriam no mercado de trabalho.

Como base, seus autores tomaram a situação dos beneficiários com idade entre 7 e 16 anos em dezembro de 2005 e a compararam com a observada em 2019 (tomado como ano de corte provavelmente porque os dois seguintes foram muito afetados pela pandemia da covid-19 e pela deturpação do programa). Suas conclusões talvez surpreendam.

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Dos que se beneficiavam do Bolsa Família na infância e juventude, 64% já não dependiam dele quando alcançaram idade de 21 a 30 anos. Dessas pessoas, 45% tiveram acesso (ainda que temporário) ao mercado formal de trabalho entre 2015 e 2019. Isso significa melhora de status social. A vida dessas pessoas tende a ser melhor do que a de seus pais. É como se se rompesse o ciclo de reprodução da pobreza ao longo das gerações.

É importante destacar que esses resultados não seriam alcançados caso o Bolsa Família não impusesse certas condições (as condicionalidades do título do estudo) para a obtenção de seus benefícios. Entre elas está a obrigatoriedade das famílias de assegurar que crianças e adolescentes dependentes do programa alcancem frequência escolar mínima de 85%, além de manter atualizada a carteira de vacinação de menores de sete anos. Desse modo, o programa aumenta os índices de escolaridade nos ensinos fundamental e médio, o que mais tarde pode resultar em menos obstáculos ao acesso a empregos mais qualificados e com salário maior.

Há outras conclusões do estudo, no entanto, que mostram como, a despeito das melhoras comprovadas nos dados acima, características negativas do mercado de trabalho podem ter sido acentuadas. Mesmo quando conquistam um emprego formal, pessoas originárias de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família desempenham funções de pior qualidade e de salário mais baixo.

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Mesmo assim, elas alcançam condições de vida melhores do que as que tinham quando criança ou adolescente. Além disso, maior participação no mercado formal de trabalho contribui para o aumento da arrecadação tributária, o que alivia, ainda que modestamente, a interminável crise fiscal do País.

Do ponto de vista das desigualdades de gênero e cor, as mudanças apontadas no estudo parecem reforçá-las. Os níveis mais expressivos de mobilidade social são observados entre homens, brancos e mais velhos. Regiões mais desenvolvidas registram quase o dobro da mobilidade observada nas regiões mais pobres.

Ainda assim, por seus resultados, o Bolsa Família tem sido merecidamente apresentado ao mundo como exemplo de programa de combate à pobreza e de inclusão social.

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*

JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO ‘O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!)’ (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

Membros de famílias vulneráveis beneficiadas por programas de transferência de renda têm conseguido ascender socialmente. O movimento é lento, insuficiente para reduzir de maneira notável as tremendas desigualdades do País. Mas é duradouro. Jovens de famílias em situação de pobreza que sobrevivem graças sobretudo a políticas públicas de renda conseguem alcançar nível de vida melhor que o de seus pais e dispensam a ajuda desses programas. Num período de 15 anos, praticamente dois terços das crianças de famílias beneficiadas por programas sociais deixaram de depender deles.

Dados como esses vinham sendo apurados há algum tempo por centros de pesquisas, como o Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS). Eles compõem o estudo “Mobilidade social e programas de transferência de renda com condicionalidades: o Programa Bolsa Família no Brasil”, publicado no número 35, de setembro de 2024 (ainda em conclusão), da revista World Development Perspectives, voltada à pesquisa e à promoção do desenvolvimento internacional. Entre seus autores está o economista e doutor em Ciência Política Paulo Tafner, presidente do IMDS.

Destinado ao público internacional, o estudo explica que o Bolsa Família, o maior programa de transferência de renda do Brasil, destaca-se por dar prioridade aos mais vulneráveis e por retirar milhões de pessoas da pobreza a um custo relativamente baixo. O programa atende a 20,8 milhões de famílias nos 5.570 municípios brasileiros, o que representa mais de 55 milhões de pessoas.

Criado em 2003, com a unificação de diversos programas, o Bolsa Família teve sua relevância questionada em anos recentes, com suspeitas de irregularidades na concessão de benefícios e até contestação de suas finalidades, pois foi acusado de estimular a preservação da pobreza e a aversão ao trabalho. Desfigurado no governo anterior, foi reconstituído no atual, com mudanças nos critérios de habilitação para o recebimento de seus benefícios.

O objetivo da pesquisa, segundo seus autores, foi examinar efeitos de longo prazo do Bolsa Família, como oferecer a seus beneficiários a capacidade de melhorar suas vidas, superando os vícios do ciclo da pobreza. O estudo também pretendeu aferir o grau de independência em relação aos programas sociais que esses beneficiários alcançavam à medida que se inseriam no mercado de trabalho.

Como base, seus autores tomaram a situação dos beneficiários com idade entre 7 e 16 anos em dezembro de 2005 e a compararam com a observada em 2019 (tomado como ano de corte provavelmente porque os dois seguintes foram muito afetados pela pandemia da covid-19 e pela deturpação do programa). Suas conclusões talvez surpreendam.

Dos que se beneficiavam do Bolsa Família na infância e juventude, 64% já não dependiam dele quando alcançaram idade de 21 a 30 anos. Dessas pessoas, 45% tiveram acesso (ainda que temporário) ao mercado formal de trabalho entre 2015 e 2019. Isso significa melhora de status social. A vida dessas pessoas tende a ser melhor do que a de seus pais. É como se se rompesse o ciclo de reprodução da pobreza ao longo das gerações.

É importante destacar que esses resultados não seriam alcançados caso o Bolsa Família não impusesse certas condições (as condicionalidades do título do estudo) para a obtenção de seus benefícios. Entre elas está a obrigatoriedade das famílias de assegurar que crianças e adolescentes dependentes do programa alcancem frequência escolar mínima de 85%, além de manter atualizada a carteira de vacinação de menores de sete anos. Desse modo, o programa aumenta os índices de escolaridade nos ensinos fundamental e médio, o que mais tarde pode resultar em menos obstáculos ao acesso a empregos mais qualificados e com salário maior.

Há outras conclusões do estudo, no entanto, que mostram como, a despeito das melhoras comprovadas nos dados acima, características negativas do mercado de trabalho podem ter sido acentuadas. Mesmo quando conquistam um emprego formal, pessoas originárias de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família desempenham funções de pior qualidade e de salário mais baixo.

Mesmo assim, elas alcançam condições de vida melhores do que as que tinham quando criança ou adolescente. Além disso, maior participação no mercado formal de trabalho contribui para o aumento da arrecadação tributária, o que alivia, ainda que modestamente, a interminável crise fiscal do País.

Do ponto de vista das desigualdades de gênero e cor, as mudanças apontadas no estudo parecem reforçá-las. Os níveis mais expressivos de mobilidade social são observados entre homens, brancos e mais velhos. Regiões mais desenvolvidas registram quase o dobro da mobilidade observada nas regiões mais pobres.

Ainda assim, por seus resultados, o Bolsa Família tem sido merecidamente apresentado ao mundo como exemplo de programa de combate à pobreza e de inclusão social.

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JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO ‘O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!)’ (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

Membros de famílias vulneráveis beneficiadas por programas de transferência de renda têm conseguido ascender socialmente. O movimento é lento, insuficiente para reduzir de maneira notável as tremendas desigualdades do País. Mas é duradouro. Jovens de famílias em situação de pobreza que sobrevivem graças sobretudo a políticas públicas de renda conseguem alcançar nível de vida melhor que o de seus pais e dispensam a ajuda desses programas. Num período de 15 anos, praticamente dois terços das crianças de famílias beneficiadas por programas sociais deixaram de depender deles.

Dados como esses vinham sendo apurados há algum tempo por centros de pesquisas, como o Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS). Eles compõem o estudo “Mobilidade social e programas de transferência de renda com condicionalidades: o Programa Bolsa Família no Brasil”, publicado no número 35, de setembro de 2024 (ainda em conclusão), da revista World Development Perspectives, voltada à pesquisa e à promoção do desenvolvimento internacional. Entre seus autores está o economista e doutor em Ciência Política Paulo Tafner, presidente do IMDS.

Destinado ao público internacional, o estudo explica que o Bolsa Família, o maior programa de transferência de renda do Brasil, destaca-se por dar prioridade aos mais vulneráveis e por retirar milhões de pessoas da pobreza a um custo relativamente baixo. O programa atende a 20,8 milhões de famílias nos 5.570 municípios brasileiros, o que representa mais de 55 milhões de pessoas.

Criado em 2003, com a unificação de diversos programas, o Bolsa Família teve sua relevância questionada em anos recentes, com suspeitas de irregularidades na concessão de benefícios e até contestação de suas finalidades, pois foi acusado de estimular a preservação da pobreza e a aversão ao trabalho. Desfigurado no governo anterior, foi reconstituído no atual, com mudanças nos critérios de habilitação para o recebimento de seus benefícios.

O objetivo da pesquisa, segundo seus autores, foi examinar efeitos de longo prazo do Bolsa Família, como oferecer a seus beneficiários a capacidade de melhorar suas vidas, superando os vícios do ciclo da pobreza. O estudo também pretendeu aferir o grau de independência em relação aos programas sociais que esses beneficiários alcançavam à medida que se inseriam no mercado de trabalho.

Como base, seus autores tomaram a situação dos beneficiários com idade entre 7 e 16 anos em dezembro de 2005 e a compararam com a observada em 2019 (tomado como ano de corte provavelmente porque os dois seguintes foram muito afetados pela pandemia da covid-19 e pela deturpação do programa). Suas conclusões talvez surpreendam.

Dos que se beneficiavam do Bolsa Família na infância e juventude, 64% já não dependiam dele quando alcançaram idade de 21 a 30 anos. Dessas pessoas, 45% tiveram acesso (ainda que temporário) ao mercado formal de trabalho entre 2015 e 2019. Isso significa melhora de status social. A vida dessas pessoas tende a ser melhor do que a de seus pais. É como se se rompesse o ciclo de reprodução da pobreza ao longo das gerações.

É importante destacar que esses resultados não seriam alcançados caso o Bolsa Família não impusesse certas condições (as condicionalidades do título do estudo) para a obtenção de seus benefícios. Entre elas está a obrigatoriedade das famílias de assegurar que crianças e adolescentes dependentes do programa alcancem frequência escolar mínima de 85%, além de manter atualizada a carteira de vacinação de menores de sete anos. Desse modo, o programa aumenta os índices de escolaridade nos ensinos fundamental e médio, o que mais tarde pode resultar em menos obstáculos ao acesso a empregos mais qualificados e com salário maior.

Há outras conclusões do estudo, no entanto, que mostram como, a despeito das melhoras comprovadas nos dados acima, características negativas do mercado de trabalho podem ter sido acentuadas. Mesmo quando conquistam um emprego formal, pessoas originárias de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família desempenham funções de pior qualidade e de salário mais baixo.

Mesmo assim, elas alcançam condições de vida melhores do que as que tinham quando criança ou adolescente. Além disso, maior participação no mercado formal de trabalho contribui para o aumento da arrecadação tributária, o que alivia, ainda que modestamente, a interminável crise fiscal do País.

Do ponto de vista das desigualdades de gênero e cor, as mudanças apontadas no estudo parecem reforçá-las. Os níveis mais expressivos de mobilidade social são observados entre homens, brancos e mais velhos. Regiões mais desenvolvidas registram quase o dobro da mobilidade observada nas regiões mais pobres.

Ainda assim, por seus resultados, o Bolsa Família tem sido merecidamente apresentado ao mundo como exemplo de programa de combate à pobreza e de inclusão social.

*

JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO ‘O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!)’ (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

Opinião por Jorge J. Okubaro

Jornalista, é autor, entre outros, do livro 'O Súdito (Banzai, Massateru!)' (Editora Terceiro Nome)

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