O economista José Serra escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Da descrença para alguma esperança na indústria


O anúncio de um instrumento de crédito novo e incentivado é um importante indicador de que erros do passado foram compreendidos

Por José Serra

Há anos que a desindustrialização do País é um tema obrigatório quando os analistas se propõem a enumerar os problemas que assolam a economia brasileira. Desta forma, poderia parecer evidente que o anúncio de uma nova política industrial pelo governo federal, feito há algumas semanas, seria bem recebido pelo mercado, pelos políticos e pelos analistas em geral. Mas não foi bem assim. E, por isso, vale a pena entender as razões.

O descrédito nas políticas industriais do Brasil tem duas vias. Muitos não acreditam que o Estado seja capaz de implantar políticas efetivas e consistentes, amparados na velha tese de que há vantagens comparativas derivadas dos recursos naturais que determinam que alguns países devem se limitar ao papel de supridores de produtos agrícolas e metais, deixando a produção industrial aos que têm competência para tal.

O descrédito, no entanto, pode não vir do frágil ideário liberal acima exposto. Atualmente, muitos não acreditam no Estado brasileiro pelo seu histórico de atuação, não porque advoguem por um Estado mínimo. Precisamos, desta forma, ir ao longínquo milagre econômico brasileiro para achar uma política industrial digna do nome. E vale lembrar que, lá nos anos 70, o governo federal tinha condições de dar incentivos fiscais para empurrar as empresas para o ampliar de seus investimentos.

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Já os anos 80 e 90 foram de significativa estagnação e luta contra a inflação, o que mobilizou todo o arsenal de políticas, que, em geral, resultaram em grandes desequilíbrios na nossa economia. Mesmo a bem-sucedida implantação do Plano Real, no final de fevereiro de 1994, foi seguida de um período de grande instabilidade no cenário econômico, por causa da crise russa.

Neste século, duas realidades acabaram impondo a esterilização de quaisquer políticas de desenvolvimento industrial. A primeira, a manutenção, por longos períodos, das taxas de juros reais mais elevadas do mundo. A segunda, a tendência à apreciação do real, o que provocava a deterioração da capacidade competitiva das empresas brasileiras, seja no mercado nacional, seja no que toca aos segmentos exportadores. Nesse aspecto, não podemos deixar de ressaltar que a China ganhou a posição de “fábrica do mundo”, capturando a grande maioria das oportunidades em novos produtos e investimentos.

A saída da crise de 2008, “marolinha” ou não, foi crítica para a credibilidade das políticas industriais. O financiamento direto via emissão de títulos do Tesouro Nacional, numa escala absolutamente inédita, e o subsídio de crédito construído em torno da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) produziram muito descrédito no campo fiscal e grandes críticas com respeito à eficiência do instrumento de crédito utilizado. Conquanto o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tivesse as melhores condições técnicas para articular a política de investimento, o que ocorreu foi uma avalanche de crédito barato, e não uma estratégia de desenvolvimento.

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A proposta da Nova Indústria Brasil é ancorar o financiamento em créditos do BNDES e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), com suporte da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). A abordagem setorial parece um avanço, por ser aderente ao momento da inserção no mercado nacional e internacional que vivemos. O foco está em alimentos, medicamentos, vacinas, equipamentos médicos e equipamentos de defesa. Além disso, temas mais transversais, como a transformação digital da indústria, a transição energética e a descarbonização da cadeia produtiva e o bem-estar nas cidades, também ganharam destaque.

Nos últimos dias, em articulação com a nova política, o governo federal promoveu a criação das Letras de Crédito do Desenvolvimento (LCDs). Esses documentos podem ser emitidos pelo BNDES e por outros bancos de desenvolvimento, com previsão de benefício tributário similar ao hoje concedido às Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), bem como às debêntures de infraestrutura. Note-se que há limites estritos ao quantitativo anual de emissões, o que é um problema, mas denota controle do processo.

A iniciativa é digna de aplausos. O BNDES tem toda condição de levantar recursos no mercado e não precisa que o Tesouro Nacional coloque seus próprios títulos para financiar os repasses de recursos ao banco. As fragilidades que estes movimentos de financiamento via Tesouro trouxeram para a política fiscal ficaram mais do que evidentes e trouxeram grandes incertezas ao mercado. Repetir seria um grave erro.

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A nova política industrial não é ainda uma realidade de fato, porque muitas questões permanecem em aberto. Mas o anúncio de um instrumento de crédito novo e incentivado é um importante indicador de que erros do passado foram compreendidos. O Brasil tem muito a caminhar com a indústria, mas a reinvenção das políticas de desenvolvimento é a via de trabalho que melhor constrói o futuro.

*

ECONOMISTA

Há anos que a desindustrialização do País é um tema obrigatório quando os analistas se propõem a enumerar os problemas que assolam a economia brasileira. Desta forma, poderia parecer evidente que o anúncio de uma nova política industrial pelo governo federal, feito há algumas semanas, seria bem recebido pelo mercado, pelos políticos e pelos analistas em geral. Mas não foi bem assim. E, por isso, vale a pena entender as razões.

O descrédito nas políticas industriais do Brasil tem duas vias. Muitos não acreditam que o Estado seja capaz de implantar políticas efetivas e consistentes, amparados na velha tese de que há vantagens comparativas derivadas dos recursos naturais que determinam que alguns países devem se limitar ao papel de supridores de produtos agrícolas e metais, deixando a produção industrial aos que têm competência para tal.

O descrédito, no entanto, pode não vir do frágil ideário liberal acima exposto. Atualmente, muitos não acreditam no Estado brasileiro pelo seu histórico de atuação, não porque advoguem por um Estado mínimo. Precisamos, desta forma, ir ao longínquo milagre econômico brasileiro para achar uma política industrial digna do nome. E vale lembrar que, lá nos anos 70, o governo federal tinha condições de dar incentivos fiscais para empurrar as empresas para o ampliar de seus investimentos.

Já os anos 80 e 90 foram de significativa estagnação e luta contra a inflação, o que mobilizou todo o arsenal de políticas, que, em geral, resultaram em grandes desequilíbrios na nossa economia. Mesmo a bem-sucedida implantação do Plano Real, no final de fevereiro de 1994, foi seguida de um período de grande instabilidade no cenário econômico, por causa da crise russa.

Neste século, duas realidades acabaram impondo a esterilização de quaisquer políticas de desenvolvimento industrial. A primeira, a manutenção, por longos períodos, das taxas de juros reais mais elevadas do mundo. A segunda, a tendência à apreciação do real, o que provocava a deterioração da capacidade competitiva das empresas brasileiras, seja no mercado nacional, seja no que toca aos segmentos exportadores. Nesse aspecto, não podemos deixar de ressaltar que a China ganhou a posição de “fábrica do mundo”, capturando a grande maioria das oportunidades em novos produtos e investimentos.

A saída da crise de 2008, “marolinha” ou não, foi crítica para a credibilidade das políticas industriais. O financiamento direto via emissão de títulos do Tesouro Nacional, numa escala absolutamente inédita, e o subsídio de crédito construído em torno da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) produziram muito descrédito no campo fiscal e grandes críticas com respeito à eficiência do instrumento de crédito utilizado. Conquanto o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tivesse as melhores condições técnicas para articular a política de investimento, o que ocorreu foi uma avalanche de crédito barato, e não uma estratégia de desenvolvimento.

A proposta da Nova Indústria Brasil é ancorar o financiamento em créditos do BNDES e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), com suporte da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). A abordagem setorial parece um avanço, por ser aderente ao momento da inserção no mercado nacional e internacional que vivemos. O foco está em alimentos, medicamentos, vacinas, equipamentos médicos e equipamentos de defesa. Além disso, temas mais transversais, como a transformação digital da indústria, a transição energética e a descarbonização da cadeia produtiva e o bem-estar nas cidades, também ganharam destaque.

Nos últimos dias, em articulação com a nova política, o governo federal promoveu a criação das Letras de Crédito do Desenvolvimento (LCDs). Esses documentos podem ser emitidos pelo BNDES e por outros bancos de desenvolvimento, com previsão de benefício tributário similar ao hoje concedido às Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), bem como às debêntures de infraestrutura. Note-se que há limites estritos ao quantitativo anual de emissões, o que é um problema, mas denota controle do processo.

A iniciativa é digna de aplausos. O BNDES tem toda condição de levantar recursos no mercado e não precisa que o Tesouro Nacional coloque seus próprios títulos para financiar os repasses de recursos ao banco. As fragilidades que estes movimentos de financiamento via Tesouro trouxeram para a política fiscal ficaram mais do que evidentes e trouxeram grandes incertezas ao mercado. Repetir seria um grave erro.

A nova política industrial não é ainda uma realidade de fato, porque muitas questões permanecem em aberto. Mas o anúncio de um instrumento de crédito novo e incentivado é um importante indicador de que erros do passado foram compreendidos. O Brasil tem muito a caminhar com a indústria, mas a reinvenção das políticas de desenvolvimento é a via de trabalho que melhor constrói o futuro.

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ECONOMISTA

Há anos que a desindustrialização do País é um tema obrigatório quando os analistas se propõem a enumerar os problemas que assolam a economia brasileira. Desta forma, poderia parecer evidente que o anúncio de uma nova política industrial pelo governo federal, feito há algumas semanas, seria bem recebido pelo mercado, pelos políticos e pelos analistas em geral. Mas não foi bem assim. E, por isso, vale a pena entender as razões.

O descrédito nas políticas industriais do Brasil tem duas vias. Muitos não acreditam que o Estado seja capaz de implantar políticas efetivas e consistentes, amparados na velha tese de que há vantagens comparativas derivadas dos recursos naturais que determinam que alguns países devem se limitar ao papel de supridores de produtos agrícolas e metais, deixando a produção industrial aos que têm competência para tal.

O descrédito, no entanto, pode não vir do frágil ideário liberal acima exposto. Atualmente, muitos não acreditam no Estado brasileiro pelo seu histórico de atuação, não porque advoguem por um Estado mínimo. Precisamos, desta forma, ir ao longínquo milagre econômico brasileiro para achar uma política industrial digna do nome. E vale lembrar que, lá nos anos 70, o governo federal tinha condições de dar incentivos fiscais para empurrar as empresas para o ampliar de seus investimentos.

Já os anos 80 e 90 foram de significativa estagnação e luta contra a inflação, o que mobilizou todo o arsenal de políticas, que, em geral, resultaram em grandes desequilíbrios na nossa economia. Mesmo a bem-sucedida implantação do Plano Real, no final de fevereiro de 1994, foi seguida de um período de grande instabilidade no cenário econômico, por causa da crise russa.

Neste século, duas realidades acabaram impondo a esterilização de quaisquer políticas de desenvolvimento industrial. A primeira, a manutenção, por longos períodos, das taxas de juros reais mais elevadas do mundo. A segunda, a tendência à apreciação do real, o que provocava a deterioração da capacidade competitiva das empresas brasileiras, seja no mercado nacional, seja no que toca aos segmentos exportadores. Nesse aspecto, não podemos deixar de ressaltar que a China ganhou a posição de “fábrica do mundo”, capturando a grande maioria das oportunidades em novos produtos e investimentos.

A saída da crise de 2008, “marolinha” ou não, foi crítica para a credibilidade das políticas industriais. O financiamento direto via emissão de títulos do Tesouro Nacional, numa escala absolutamente inédita, e o subsídio de crédito construído em torno da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) produziram muito descrédito no campo fiscal e grandes críticas com respeito à eficiência do instrumento de crédito utilizado. Conquanto o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tivesse as melhores condições técnicas para articular a política de investimento, o que ocorreu foi uma avalanche de crédito barato, e não uma estratégia de desenvolvimento.

A proposta da Nova Indústria Brasil é ancorar o financiamento em créditos do BNDES e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), com suporte da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). A abordagem setorial parece um avanço, por ser aderente ao momento da inserção no mercado nacional e internacional que vivemos. O foco está em alimentos, medicamentos, vacinas, equipamentos médicos e equipamentos de defesa. Além disso, temas mais transversais, como a transformação digital da indústria, a transição energética e a descarbonização da cadeia produtiva e o bem-estar nas cidades, também ganharam destaque.

Nos últimos dias, em articulação com a nova política, o governo federal promoveu a criação das Letras de Crédito do Desenvolvimento (LCDs). Esses documentos podem ser emitidos pelo BNDES e por outros bancos de desenvolvimento, com previsão de benefício tributário similar ao hoje concedido às Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), bem como às debêntures de infraestrutura. Note-se que há limites estritos ao quantitativo anual de emissões, o que é um problema, mas denota controle do processo.

A iniciativa é digna de aplausos. O BNDES tem toda condição de levantar recursos no mercado e não precisa que o Tesouro Nacional coloque seus próprios títulos para financiar os repasses de recursos ao banco. As fragilidades que estes movimentos de financiamento via Tesouro trouxeram para a política fiscal ficaram mais do que evidentes e trouxeram grandes incertezas ao mercado. Repetir seria um grave erro.

A nova política industrial não é ainda uma realidade de fato, porque muitas questões permanecem em aberto. Mas o anúncio de um instrumento de crédito novo e incentivado é um importante indicador de que erros do passado foram compreendidos. O Brasil tem muito a caminhar com a indústria, mas a reinvenção das políticas de desenvolvimento é a via de trabalho que melhor constrói o futuro.

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ECONOMISTA

Há anos que a desindustrialização do País é um tema obrigatório quando os analistas se propõem a enumerar os problemas que assolam a economia brasileira. Desta forma, poderia parecer evidente que o anúncio de uma nova política industrial pelo governo federal, feito há algumas semanas, seria bem recebido pelo mercado, pelos políticos e pelos analistas em geral. Mas não foi bem assim. E, por isso, vale a pena entender as razões.

O descrédito nas políticas industriais do Brasil tem duas vias. Muitos não acreditam que o Estado seja capaz de implantar políticas efetivas e consistentes, amparados na velha tese de que há vantagens comparativas derivadas dos recursos naturais que determinam que alguns países devem se limitar ao papel de supridores de produtos agrícolas e metais, deixando a produção industrial aos que têm competência para tal.

O descrédito, no entanto, pode não vir do frágil ideário liberal acima exposto. Atualmente, muitos não acreditam no Estado brasileiro pelo seu histórico de atuação, não porque advoguem por um Estado mínimo. Precisamos, desta forma, ir ao longínquo milagre econômico brasileiro para achar uma política industrial digna do nome. E vale lembrar que, lá nos anos 70, o governo federal tinha condições de dar incentivos fiscais para empurrar as empresas para o ampliar de seus investimentos.

Já os anos 80 e 90 foram de significativa estagnação e luta contra a inflação, o que mobilizou todo o arsenal de políticas, que, em geral, resultaram em grandes desequilíbrios na nossa economia. Mesmo a bem-sucedida implantação do Plano Real, no final de fevereiro de 1994, foi seguida de um período de grande instabilidade no cenário econômico, por causa da crise russa.

Neste século, duas realidades acabaram impondo a esterilização de quaisquer políticas de desenvolvimento industrial. A primeira, a manutenção, por longos períodos, das taxas de juros reais mais elevadas do mundo. A segunda, a tendência à apreciação do real, o que provocava a deterioração da capacidade competitiva das empresas brasileiras, seja no mercado nacional, seja no que toca aos segmentos exportadores. Nesse aspecto, não podemos deixar de ressaltar que a China ganhou a posição de “fábrica do mundo”, capturando a grande maioria das oportunidades em novos produtos e investimentos.

A saída da crise de 2008, “marolinha” ou não, foi crítica para a credibilidade das políticas industriais. O financiamento direto via emissão de títulos do Tesouro Nacional, numa escala absolutamente inédita, e o subsídio de crédito construído em torno da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) produziram muito descrédito no campo fiscal e grandes críticas com respeito à eficiência do instrumento de crédito utilizado. Conquanto o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tivesse as melhores condições técnicas para articular a política de investimento, o que ocorreu foi uma avalanche de crédito barato, e não uma estratégia de desenvolvimento.

A proposta da Nova Indústria Brasil é ancorar o financiamento em créditos do BNDES e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), com suporte da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). A abordagem setorial parece um avanço, por ser aderente ao momento da inserção no mercado nacional e internacional que vivemos. O foco está em alimentos, medicamentos, vacinas, equipamentos médicos e equipamentos de defesa. Além disso, temas mais transversais, como a transformação digital da indústria, a transição energética e a descarbonização da cadeia produtiva e o bem-estar nas cidades, também ganharam destaque.

Nos últimos dias, em articulação com a nova política, o governo federal promoveu a criação das Letras de Crédito do Desenvolvimento (LCDs). Esses documentos podem ser emitidos pelo BNDES e por outros bancos de desenvolvimento, com previsão de benefício tributário similar ao hoje concedido às Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), bem como às debêntures de infraestrutura. Note-se que há limites estritos ao quantitativo anual de emissões, o que é um problema, mas denota controle do processo.

A iniciativa é digna de aplausos. O BNDES tem toda condição de levantar recursos no mercado e não precisa que o Tesouro Nacional coloque seus próprios títulos para financiar os repasses de recursos ao banco. As fragilidades que estes movimentos de financiamento via Tesouro trouxeram para a política fiscal ficaram mais do que evidentes e trouxeram grandes incertezas ao mercado. Repetir seria um grave erro.

A nova política industrial não é ainda uma realidade de fato, porque muitas questões permanecem em aberto. Mas o anúncio de um instrumento de crédito novo e incentivado é um importante indicador de que erros do passado foram compreendidos. O Brasil tem muito a caminhar com a indústria, mas a reinvenção das políticas de desenvolvimento é a via de trabalho que melhor constrói o futuro.

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ECONOMISTA

Há anos que a desindustrialização do País é um tema obrigatório quando os analistas se propõem a enumerar os problemas que assolam a economia brasileira. Desta forma, poderia parecer evidente que o anúncio de uma nova política industrial pelo governo federal, feito há algumas semanas, seria bem recebido pelo mercado, pelos políticos e pelos analistas em geral. Mas não foi bem assim. E, por isso, vale a pena entender as razões.

O descrédito nas políticas industriais do Brasil tem duas vias. Muitos não acreditam que o Estado seja capaz de implantar políticas efetivas e consistentes, amparados na velha tese de que há vantagens comparativas derivadas dos recursos naturais que determinam que alguns países devem se limitar ao papel de supridores de produtos agrícolas e metais, deixando a produção industrial aos que têm competência para tal.

O descrédito, no entanto, pode não vir do frágil ideário liberal acima exposto. Atualmente, muitos não acreditam no Estado brasileiro pelo seu histórico de atuação, não porque advoguem por um Estado mínimo. Precisamos, desta forma, ir ao longínquo milagre econômico brasileiro para achar uma política industrial digna do nome. E vale lembrar que, lá nos anos 70, o governo federal tinha condições de dar incentivos fiscais para empurrar as empresas para o ampliar de seus investimentos.

Já os anos 80 e 90 foram de significativa estagnação e luta contra a inflação, o que mobilizou todo o arsenal de políticas, que, em geral, resultaram em grandes desequilíbrios na nossa economia. Mesmo a bem-sucedida implantação do Plano Real, no final de fevereiro de 1994, foi seguida de um período de grande instabilidade no cenário econômico, por causa da crise russa.

Neste século, duas realidades acabaram impondo a esterilização de quaisquer políticas de desenvolvimento industrial. A primeira, a manutenção, por longos períodos, das taxas de juros reais mais elevadas do mundo. A segunda, a tendência à apreciação do real, o que provocava a deterioração da capacidade competitiva das empresas brasileiras, seja no mercado nacional, seja no que toca aos segmentos exportadores. Nesse aspecto, não podemos deixar de ressaltar que a China ganhou a posição de “fábrica do mundo”, capturando a grande maioria das oportunidades em novos produtos e investimentos.

A saída da crise de 2008, “marolinha” ou não, foi crítica para a credibilidade das políticas industriais. O financiamento direto via emissão de títulos do Tesouro Nacional, numa escala absolutamente inédita, e o subsídio de crédito construído em torno da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) produziram muito descrédito no campo fiscal e grandes críticas com respeito à eficiência do instrumento de crédito utilizado. Conquanto o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tivesse as melhores condições técnicas para articular a política de investimento, o que ocorreu foi uma avalanche de crédito barato, e não uma estratégia de desenvolvimento.

A proposta da Nova Indústria Brasil é ancorar o financiamento em créditos do BNDES e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), com suporte da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). A abordagem setorial parece um avanço, por ser aderente ao momento da inserção no mercado nacional e internacional que vivemos. O foco está em alimentos, medicamentos, vacinas, equipamentos médicos e equipamentos de defesa. Além disso, temas mais transversais, como a transformação digital da indústria, a transição energética e a descarbonização da cadeia produtiva e o bem-estar nas cidades, também ganharam destaque.

Nos últimos dias, em articulação com a nova política, o governo federal promoveu a criação das Letras de Crédito do Desenvolvimento (LCDs). Esses documentos podem ser emitidos pelo BNDES e por outros bancos de desenvolvimento, com previsão de benefício tributário similar ao hoje concedido às Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), bem como às debêntures de infraestrutura. Note-se que há limites estritos ao quantitativo anual de emissões, o que é um problema, mas denota controle do processo.

A iniciativa é digna de aplausos. O BNDES tem toda condição de levantar recursos no mercado e não precisa que o Tesouro Nacional coloque seus próprios títulos para financiar os repasses de recursos ao banco. As fragilidades que estes movimentos de financiamento via Tesouro trouxeram para a política fiscal ficaram mais do que evidentes e trouxeram grandes incertezas ao mercado. Repetir seria um grave erro.

A nova política industrial não é ainda uma realidade de fato, porque muitas questões permanecem em aberto. Mas o anúncio de um instrumento de crédito novo e incentivado é um importante indicador de que erros do passado foram compreendidos. O Brasil tem muito a caminhar com a indústria, mas a reinvenção das políticas de desenvolvimento é a via de trabalho que melhor constrói o futuro.

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