O economista José Serra escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Desenvolvimento e clima: ‘aggiornando’ nossa história


O futuro desenhado pelo Clube de Roma está se concretizando com facetas diferentes, não menos desafiantes

Por José Serra

Em 1972 era divulgado o primeiro manifesto que, relacionado com crescimento econômico, demografia e restrições ambientais, popularizou preocupação latente entre os que aspirávamos estudar e propor políticas para reverter o subdesenvolvimento.

Limites ao Crescimento – o conhecido informe do Clube de Roma, ou Informe Meadows –, de cientistas do MIT liderados pelo casal Donella e Dennis Meadows, com a participação de mais 17 colegas, projetava um cenário que beirava a catástrofe caso as tendências então observadas se prolongassem no tempo. Celso Furtado, em O Mito do Desenvolvimento Econômico (1973), chamava a atenção para os limites, em termos de sustentabilidade da biosfera, que desafiavam as estratégias para retirar a maior parte do mundo do subdesenvolvimento e da pobreza e miséria dos seus povos.

As preocupações não se limitavam a um grupo de cientistas que, num ambiente de riqueza e abundância, brincavam de imaginar um colapso iminente, com a aspiração do mundo em manter ou aumentar o seu nível de bem-estar material. Essa angústia permeava a obra de intelectuais comprometidos com a reversão do atraso. Celso Furtado, em seu Brasil Pós-Milagre, defende que o dinamismo do desenvolvimento de nosso país sustentou-se sob dois pilares: “O sacrifício imposto à grande parte da população e o caráter extensivo da exploração dos recursos naturais”.

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O tempo transcorreu, o crescimento mundial prosseguiu e o colapso esperado não se concretizou. Nações-continente – Índia, China e, em menor medida, o Brasil – multiplicaram sua renda per capita e melhoraram seus indicadores sociais. Nos anos 70, quase toda a população chinesa estava abaixo da linha da pobreza. Hoje, o porcentual de pobres nesse país é residual e a China atingiu a categoria de nação de renda média-alta. O informe do Clube de Roma parecia condenado à mesma categoria teórica da obra de Malthus: datada no tempo e desqualificada pela História. A tecnologia parecia capaz de ampliar limites e um horizonte de crescimento ilimitado era vislumbrado pela capacidade criativa dos humanos.

Por meandros pouco conjecturados, talvez mais desafiantes, as restrições reaparecem e os desafios adquirem novas e inesperadas facetas. Se no informe do Clube de Roma a bomba populacional perfilava-se no horizonte como o obstáculo a reverter, hoje é o inverso. A queda populacional é a preocupação central no mundo desenvolvido. Tentar aproveitar o bônus demográfico é tarefa das nações de classe média e, nos espaços estruturalmente pobres de Ásia e África, o crescimento populacional sem controle continua monopolizando a atenção dos demógrafos.

Em 2007, o Intergovernmental Panel on Climate Change e Al Gore dividiram o Nobel da Paz por seus trabalhos sobre mudança climática. Não seria o receio do esgotamento dos recursos que circunscreveria nosso futuro, uma vez que as esperanças na tecnologia ampliariam infinitamente (talvez) sua disponibilidade. Contrariamente, hoje, o crescimento estaria limitado pelos resíduos de nossas atividades na exploração dos recursos naturais. O ex-presidente George Bush caracterizou nossa civilização como viciada em combustíveis fósseis, adjetivação curiosa vindo de um político cuja base é o Texas e o país, o maior emissor de CO2 per capita.

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O futuro desenhado pelo Clube de Roma está se concretizando com facetas diferentes, não menos desafiantes. Devemos continuar com os esforços para superar o subdesenvolvimento ao qual está sendo condenada boa parte da humanidade. O tema que ocupou mentes e corações, meus e de tantos economistas nas décadas de 60, 70 e 80, continua atual. Melhorar o bem-estar material e os indicadores sociais, sobretudo do segmento mais vulnerável da população, continua sendo nosso combate. Mas a engenharia é mais complexa agora.

Articular a melhoria de condições materiais no cotidiano com problemas ambientais já não é mais tarefa desejável de um futuro distante. No lugar de um horizonte possível identificado por acadêmicos de vanguarda, as limitações ambientais são um presente concreto, uma restrição vigente dos nossos dias. A seca na Amazônia e as enchentes no centro-sul exemplificam.

Parafraseando Furtado, o nosso desenvolvimento já não pode ter como alicerce o sacrifício da população ou de nossos recursos naturais. Este é um combate planetário.

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Aspirações por melhor bem-estar material de todos são legítimas e sua frustração tem custos também para os espaços desenvolvidos. Os problemas que a imigração descontrolada gera nos EUA e na Europa testemunham a contemporaneidade da busca pelo desenvolvimento que monopolizava nossas atenções há 50 anos. Em paralelo, os problemas ambientais não estão limitados pelas fronteiras dos Estados nacionais. A questão da Amazônia é de interesse primordial do Brasil, mas contribui para regular o ecossistema do planeta.

Não há espaço para o terraplanismo em matéria climática. Não há possibilidades de isolamento dentro de nossas fronteiras e de esquecermos nosso compromisso com o desenvolvimento. É o desafio que o futuro coloca no presente

*

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ECONOMISTA

Em 1972 era divulgado o primeiro manifesto que, relacionado com crescimento econômico, demografia e restrições ambientais, popularizou preocupação latente entre os que aspirávamos estudar e propor políticas para reverter o subdesenvolvimento.

Limites ao Crescimento – o conhecido informe do Clube de Roma, ou Informe Meadows –, de cientistas do MIT liderados pelo casal Donella e Dennis Meadows, com a participação de mais 17 colegas, projetava um cenário que beirava a catástrofe caso as tendências então observadas se prolongassem no tempo. Celso Furtado, em O Mito do Desenvolvimento Econômico (1973), chamava a atenção para os limites, em termos de sustentabilidade da biosfera, que desafiavam as estratégias para retirar a maior parte do mundo do subdesenvolvimento e da pobreza e miséria dos seus povos.

As preocupações não se limitavam a um grupo de cientistas que, num ambiente de riqueza e abundância, brincavam de imaginar um colapso iminente, com a aspiração do mundo em manter ou aumentar o seu nível de bem-estar material. Essa angústia permeava a obra de intelectuais comprometidos com a reversão do atraso. Celso Furtado, em seu Brasil Pós-Milagre, defende que o dinamismo do desenvolvimento de nosso país sustentou-se sob dois pilares: “O sacrifício imposto à grande parte da população e o caráter extensivo da exploração dos recursos naturais”.

O tempo transcorreu, o crescimento mundial prosseguiu e o colapso esperado não se concretizou. Nações-continente – Índia, China e, em menor medida, o Brasil – multiplicaram sua renda per capita e melhoraram seus indicadores sociais. Nos anos 70, quase toda a população chinesa estava abaixo da linha da pobreza. Hoje, o porcentual de pobres nesse país é residual e a China atingiu a categoria de nação de renda média-alta. O informe do Clube de Roma parecia condenado à mesma categoria teórica da obra de Malthus: datada no tempo e desqualificada pela História. A tecnologia parecia capaz de ampliar limites e um horizonte de crescimento ilimitado era vislumbrado pela capacidade criativa dos humanos.

Por meandros pouco conjecturados, talvez mais desafiantes, as restrições reaparecem e os desafios adquirem novas e inesperadas facetas. Se no informe do Clube de Roma a bomba populacional perfilava-se no horizonte como o obstáculo a reverter, hoje é o inverso. A queda populacional é a preocupação central no mundo desenvolvido. Tentar aproveitar o bônus demográfico é tarefa das nações de classe média e, nos espaços estruturalmente pobres de Ásia e África, o crescimento populacional sem controle continua monopolizando a atenção dos demógrafos.

Em 2007, o Intergovernmental Panel on Climate Change e Al Gore dividiram o Nobel da Paz por seus trabalhos sobre mudança climática. Não seria o receio do esgotamento dos recursos que circunscreveria nosso futuro, uma vez que as esperanças na tecnologia ampliariam infinitamente (talvez) sua disponibilidade. Contrariamente, hoje, o crescimento estaria limitado pelos resíduos de nossas atividades na exploração dos recursos naturais. O ex-presidente George Bush caracterizou nossa civilização como viciada em combustíveis fósseis, adjetivação curiosa vindo de um político cuja base é o Texas e o país, o maior emissor de CO2 per capita.

O futuro desenhado pelo Clube de Roma está se concretizando com facetas diferentes, não menos desafiantes. Devemos continuar com os esforços para superar o subdesenvolvimento ao qual está sendo condenada boa parte da humanidade. O tema que ocupou mentes e corações, meus e de tantos economistas nas décadas de 60, 70 e 80, continua atual. Melhorar o bem-estar material e os indicadores sociais, sobretudo do segmento mais vulnerável da população, continua sendo nosso combate. Mas a engenharia é mais complexa agora.

Articular a melhoria de condições materiais no cotidiano com problemas ambientais já não é mais tarefa desejável de um futuro distante. No lugar de um horizonte possível identificado por acadêmicos de vanguarda, as limitações ambientais são um presente concreto, uma restrição vigente dos nossos dias. A seca na Amazônia e as enchentes no centro-sul exemplificam.

Parafraseando Furtado, o nosso desenvolvimento já não pode ter como alicerce o sacrifício da população ou de nossos recursos naturais. Este é um combate planetário.

Aspirações por melhor bem-estar material de todos são legítimas e sua frustração tem custos também para os espaços desenvolvidos. Os problemas que a imigração descontrolada gera nos EUA e na Europa testemunham a contemporaneidade da busca pelo desenvolvimento que monopolizava nossas atenções há 50 anos. Em paralelo, os problemas ambientais não estão limitados pelas fronteiras dos Estados nacionais. A questão da Amazônia é de interesse primordial do Brasil, mas contribui para regular o ecossistema do planeta.

Não há espaço para o terraplanismo em matéria climática. Não há possibilidades de isolamento dentro de nossas fronteiras e de esquecermos nosso compromisso com o desenvolvimento. É o desafio que o futuro coloca no presente

*

ECONOMISTA

Em 1972 era divulgado o primeiro manifesto que, relacionado com crescimento econômico, demografia e restrições ambientais, popularizou preocupação latente entre os que aspirávamos estudar e propor políticas para reverter o subdesenvolvimento.

Limites ao Crescimento – o conhecido informe do Clube de Roma, ou Informe Meadows –, de cientistas do MIT liderados pelo casal Donella e Dennis Meadows, com a participação de mais 17 colegas, projetava um cenário que beirava a catástrofe caso as tendências então observadas se prolongassem no tempo. Celso Furtado, em O Mito do Desenvolvimento Econômico (1973), chamava a atenção para os limites, em termos de sustentabilidade da biosfera, que desafiavam as estratégias para retirar a maior parte do mundo do subdesenvolvimento e da pobreza e miséria dos seus povos.

As preocupações não se limitavam a um grupo de cientistas que, num ambiente de riqueza e abundância, brincavam de imaginar um colapso iminente, com a aspiração do mundo em manter ou aumentar o seu nível de bem-estar material. Essa angústia permeava a obra de intelectuais comprometidos com a reversão do atraso. Celso Furtado, em seu Brasil Pós-Milagre, defende que o dinamismo do desenvolvimento de nosso país sustentou-se sob dois pilares: “O sacrifício imposto à grande parte da população e o caráter extensivo da exploração dos recursos naturais”.

O tempo transcorreu, o crescimento mundial prosseguiu e o colapso esperado não se concretizou. Nações-continente – Índia, China e, em menor medida, o Brasil – multiplicaram sua renda per capita e melhoraram seus indicadores sociais. Nos anos 70, quase toda a população chinesa estava abaixo da linha da pobreza. Hoje, o porcentual de pobres nesse país é residual e a China atingiu a categoria de nação de renda média-alta. O informe do Clube de Roma parecia condenado à mesma categoria teórica da obra de Malthus: datada no tempo e desqualificada pela História. A tecnologia parecia capaz de ampliar limites e um horizonte de crescimento ilimitado era vislumbrado pela capacidade criativa dos humanos.

Por meandros pouco conjecturados, talvez mais desafiantes, as restrições reaparecem e os desafios adquirem novas e inesperadas facetas. Se no informe do Clube de Roma a bomba populacional perfilava-se no horizonte como o obstáculo a reverter, hoje é o inverso. A queda populacional é a preocupação central no mundo desenvolvido. Tentar aproveitar o bônus demográfico é tarefa das nações de classe média e, nos espaços estruturalmente pobres de Ásia e África, o crescimento populacional sem controle continua monopolizando a atenção dos demógrafos.

Em 2007, o Intergovernmental Panel on Climate Change e Al Gore dividiram o Nobel da Paz por seus trabalhos sobre mudança climática. Não seria o receio do esgotamento dos recursos que circunscreveria nosso futuro, uma vez que as esperanças na tecnologia ampliariam infinitamente (talvez) sua disponibilidade. Contrariamente, hoje, o crescimento estaria limitado pelos resíduos de nossas atividades na exploração dos recursos naturais. O ex-presidente George Bush caracterizou nossa civilização como viciada em combustíveis fósseis, adjetivação curiosa vindo de um político cuja base é o Texas e o país, o maior emissor de CO2 per capita.

O futuro desenhado pelo Clube de Roma está se concretizando com facetas diferentes, não menos desafiantes. Devemos continuar com os esforços para superar o subdesenvolvimento ao qual está sendo condenada boa parte da humanidade. O tema que ocupou mentes e corações, meus e de tantos economistas nas décadas de 60, 70 e 80, continua atual. Melhorar o bem-estar material e os indicadores sociais, sobretudo do segmento mais vulnerável da população, continua sendo nosso combate. Mas a engenharia é mais complexa agora.

Articular a melhoria de condições materiais no cotidiano com problemas ambientais já não é mais tarefa desejável de um futuro distante. No lugar de um horizonte possível identificado por acadêmicos de vanguarda, as limitações ambientais são um presente concreto, uma restrição vigente dos nossos dias. A seca na Amazônia e as enchentes no centro-sul exemplificam.

Parafraseando Furtado, o nosso desenvolvimento já não pode ter como alicerce o sacrifício da população ou de nossos recursos naturais. Este é um combate planetário.

Aspirações por melhor bem-estar material de todos são legítimas e sua frustração tem custos também para os espaços desenvolvidos. Os problemas que a imigração descontrolada gera nos EUA e na Europa testemunham a contemporaneidade da busca pelo desenvolvimento que monopolizava nossas atenções há 50 anos. Em paralelo, os problemas ambientais não estão limitados pelas fronteiras dos Estados nacionais. A questão da Amazônia é de interesse primordial do Brasil, mas contribui para regular o ecossistema do planeta.

Não há espaço para o terraplanismo em matéria climática. Não há possibilidades de isolamento dentro de nossas fronteiras e de esquecermos nosso compromisso com o desenvolvimento. É o desafio que o futuro coloca no presente

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Opinião por José Serra

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