Desde o segundo governo Lula, o País vive um clima de desconfiança em relação aos indicadores fiscais, seja pela capitalização da Petrobras, seja pela contabilidade criativa. De fato, a insegurança sobre a mensuração da situação fiscal e os conceitos de dívida pública foi marca desse período.
Só a falta de credibilidade pode explicar a emergência da Emenda do Teto de Gastos num país que já dispunha do sólido arcabouço de Planejamento e Orçamento, posto pela Constituição de 1988 – à época, mediante emenda de minha autoria como deputado constituinte –, e da Lei de Responsabilidade Fiscal.
O teto de gastos foi um erro macroeconômico, afinal, qualquer expansão da atividade geraria a retenção da receita pública adicional, com efeito contracionista sobre a demanda da economia, limitando a dinâmica de crescimento. Não bastasse isso, as sucessivas emendas constitucionais para validar as despesas extraordinárias transformaram o teto num piso de referência. Pior, a Emenda do Teto de Gastos desconstruiu políticas públicas, gerando retrocessos onde estavam se consolidando políticas de Estado.
O piso de gastos com a saúde, estabelecido a partir da Emenda 29, e as vinculações para a educação foram submetidos ao teto, gerando imensas perdas para a população assistida por essas políticas. Ademais, o irrealismo deste regime fiscal ante o crescimento dos benefícios previdenciários produziu a aniquilação do investimento público e significativa desorganização de segmentos críticos do aparelho de Estado. Hoje, no entanto, está afastado o equívoco macroeconômico da Emenda do Teto, recolocando a conexão entre receitas e despesas na definição da política fiscal. No novo arcabouço anunciado pela equipe econômica, as despesas podem crescer no próximo Orçamento, no máximo, 70% da expansão das receitas já realizadas no ano de tramitação da proposta de Lei Orçamentária.
O Executivo federal pretende criar um mecanismo anticíclico na calibragem da relação entre a despesa e a receita. Seriam dois condicionantes: 1) o limite de ampliação da despesa de 2,5%, combinado com 2) o piso de crescimento do gasto de 0,6%. A depender do resultado primário registrado no ano, a despesa pode crescer menos ou mais em relação à variação da receita.
A nova regra fiscal proposta segue o padrão que subsistiu por todo o período posterior à crise da dívida externa de 1982/1983 e, mais adiante, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso: compromisso é com superávit primário de 0,5% e 1,0% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2025 e 2026, respectivamente, depois do equilíbrio de 2024. Vale notar que a proposta institui um sistema de bandas de 0,25% acima e abaixo do centro da meta anual.
Ainda há pouca informação sobre aspectos como regras de gastos por Poderes e órgãos, mas há uma tendência de que os gastos com saúde e educação recuperem o valor que foi reduzido quando da vigência do teto de gastos. Piso de enfermagem e Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) já têm previsão constitucional de não contabilização nos limites de crescimento do gasto. O investimento público teria o piso, com base no previsto pelo Orçamento de 2023, de R$ 71 bilhões. Ao mesmo tempo, poderiam ser utilizados os recursos de superávit primário excedente em relação à banda superior, limitado a um determinado porcentual.
As críticas indicam a necessidade de elevar a carga tributária para garantir metas de resultado primário mesmo com as despesas decorrentes das políticas sociais prometidas por Lula. Creio que esses reparos não levam em conta o peso do Congresso Nacional na definição da carga tributária e o fato de que há espaço para ajustes razoáveis na administração dos tributos, como o Imposto de Renda antecipado de fundos de investimento exclusivos, que está consignado no Projeto de Lei do Senado Federal 336/2018.
Não há dúvidas de que o avanço possível com o novo arcabouço fiscal anunciado é substantivo. Podemos fazer previsões de despesas que dialogam com a macroeconomia e as receitas públicas. Ao mesmo tempo, há mecanismos, como as bandas relativas ao resultado primário, razoavelmente flexíveis para estancar a pilhéria das sucessivas emendas para aprovação de gastos superiores ao falecido teto. De fato, podemos encerrar este triste capítulo da gestão fiscal brasileira.
Há que notar que o novo arcabouço fiscal proposto se utiliza do ferramental que o mercado conhece, qual seja, o resultado primário. E propõe uma política fiscal que vai do equilíbrio, em 2024, ao superávit de 0,75% a 1,25% do PIB, em 2026. Assim, o horizonte fiscal do País está desenhado.
Na expectativa de uma convergência entre as políticas fiscal e monetária, cabe ao Banco Central promover os ajustes na taxa de juros condizentes com a nova realidade, assim que ela se concretizar na aprovação da legislação e nas expectativas do mercado. E a melhor parte disso: poderemos escapar do bate-boca institucional sobre a taxa de juros, o que só tem nos levado a mais incertezas econômicas.
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ECONOMISTA