Vem sendo anunciado um plano para ampliar a malha ferroviária no Brasil, mediante a retomada de investimentos públicos em parcerias público-privadas no setor. Ao sinalizar uma estratégia de desenvolvimento – sem a falsa narrativa de que o capital privado pode financiar sozinho os gargalos no setor, o Ministério dos Transportes indica que o Brasil se insere na agenda global de investimentos em infraestrutura ferroviária.
Como autor do projeto de lei que se converteu no Marco Legal das Ferrovias – Lei n.º 14.273, de 2021 –, vejo com bons olhos a proposta do governo. Fui um crítico do teto de gastos e um dos parlamentares a propor um novo arcabouço fiscal, para preencher lacunas que hoje ainda estão na Lei de Responsabilidade Fiscal. Na vigência do teto, prevaleceu no País a ideologia de que o setor privado pode resolver sozinho todos os gargalos da infraestrutura de grande vulto, em especial ferrovias. Virou pecado falar em um orçamento de capital para promover o setor.
O teto de gastos, que vigorou até 2022, dilacerou os investimentos públicos em ferrovias, levando-os a patamares inferiores a R$ 400 milhões, quando o governo federal investira mais de R$ 3 bilhões por ano até 2016. A correlação com os investimentos privados é clara: os investimentos privados no setor se reduziram de R$ 8,3 bilhões por ano, na média do período de 2010 a 2016, para R$ 5,9 bilhões entre 2019 e 2022.
Mas os efeitos do teto podem ter sido ainda piores, devido à negligência do gestor na arrecadação de receitas.
Afinal, para que arrecadar mais se há um limite de gastos impedindo o uso de recursos orçamentários? No final do dia, um real adicional que ingressasse na conta única do Tesouro era automaticamente contingenciado pelo Ministério da Fazenda.
Importa aqui ressaltar que o investimento em infraestrutura no País – setores público e privado, juntos – corresponde a 1,85% do Produto Interno Bruto (PIB) ao ano, na média anual, no período entre 2008 e 2020. Esse valor é muito inferior ao necessário, estimado entre 4% e 5%. Ou seja, a lacuna de investimentos corresponde a no mínimo 2% do PIB. Considerando o investimento público, o Brasil é um dos países que menos investe na América Latina. Entre 2008 e 2019, cerca de 0,7% do PIB ao ano, na média, enquanto outros países chegaram a investir mais de 3% do PIB.
O atual Ministério dos Transportes vem promovendo uma revisão de receitas e despesas decorrentes das políticas que conviveram com o teto de gastos, baseando-se na prática internacional conhecida como spending reviews. Como entusiasta do tema, por ter sido inclusive o autor do projeto aprovado no Senado Federal para instituir no País essa boa prática internacional (PLS n.º 428, de 2017), percebo que as novas fontes de recursos que financiarão os investimentos públicos em ferrovias serão provenientes de descumprimentos contratuais e revisões do modelo de precificação de ativos. O próprio Tribunal de Contas da União (TCU), e mesmo empresas do setor, analisam o tema com sinalizações de que o processo das prorrogações antecipadas poderia ter sido mais vantajoso para o setor ferroviário.
Vale registrar o empenho de vários países em investir recursos do orçamento público em ferrovias. Os Estados Unidos anunciaram um orçamento de US$ 66 bilhões para investimentos no setor. A Índia alocou em seu orçamento algo em torno de US$ 30 bilhões, para fomentar a aquisição de locomotivas a hidrogênio e equipamentos elétricos.
O esforço do governo brasileiro em buscar receitas novas para financiar o desenvolvimento do setor ferroviário está alinhado com a agenda mundial. Organismos internacionais, como o Banco Mundial, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), apontam para a importância dos investimentos públicos em infraestrutura sustentável, como é o caso das ferrovias. Trata-se, portanto, de uma agenda internacional.
Acredito que a nova estrutura de investimentos públicos em ferrovias deva compreender um sistema de governança baseado em bons projetos, considerando as dimensões de uma infraestrutura sustentável: econômica, ambiental e social. E com políticas públicas bem desenhadas, capazes de atrair o investimento privado, o Brasil pode conferir a necessária segurança jurídica para destravar corredores ferroviários estruturantes.
Sabe-se que o País precisa ampliar a participação das ferrovias na matriz de transporte. No segmento de transporte de passageiros, não faltam oportunidades para o desenvolvimento de políticas públicas específicas, bem como para a estruturação de projetos. E com um transporte de carga pujante, com corredores estruturantes alimentados por shortlines, nosso país poderá transportar minérios, grãos e carga geral, de forma eficiente e sustentável.
Fico na torcida para que o plano nacional ferroviário saia do papel. Pode ser um importante passo para que o Brasil ingresse na era das ferrovias, com a agenda voltada para uma infraestrutura sustentável e eficiente.
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ECONOMISTA