O economista José Serra escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Pedidos a Galípolo


Que o BC não seja apenas o gestor da Selic, mas que assuma responsabilidades compatíveis com sua importância e abrangência

Por José Serra

Estamos em vias de ter um novo presidente do Banco Central (BC) do Brasil, o primeiro indicado pelo atual governo Lula. Logicamente, há um rito a ser percorrido, que envolve sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos e o plenário do Senado. Tudo indica que o atual diretor de Política Monetária do banco, Gabriel Galípolo, assumirá a direção de nossa autoridade monetária.

Importante atentar para um fator que pode despertar resistências em alguns segmentos do sistema financeiro, o fato de Galípolo ter uma trajetória profissional marcada pela atuação na interface entre os mercados e a economia real, notadamente na construção da modelagem de financiamento para grandes projetos de concessões e parcerias público-privadas (PPPs).

Certos segmentos “fundamentalistas” do mercado financeiro também torceriam o nariz para os artigos assinados por Galípolo em coautoria com Luiz Gonzaga Belluzzo. Ao contrário, minha opinião é de que assinar um artigo com um economista do calibre de Belluzzo é uma credencial que torna todos os outros atributos menos relevantes.

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Bem, mas deixando de lado as mesuras, vamos ao que interessa, a política econômica. E para mitigar o sofrimento deste país, que já tem ares de uma saga secular, sinto que é meu dever formular um pequeno conjunto de pedidos a Galípolo.

O primeiro pedido tem que ver com uma questão de fundo: o que significa o status de entidade autônoma do Banco Central? A autonomia é uma barreira que protege a política monetária contra interesses políticos menores, que demandam juro baixo e acesso fácil ao dinheiro para que o nível de atividade seja alto, favorecendo a percepção da população sobre o estado da economia e beneficiando quem está no poder.

Desta ladainha todos sabemos e todos somos contra. Mas a abrangência das ações do Banco Central é muito maior. Nele deságuam todas as tensões da economia. Como o sistema financeiro é o coração da economia, decisões sobre exposição cambial, níveis de alavancagem e comprometimento do patrimônio líquido das instituições são nevrálgicas. São poderes muito distintos do velho populismo, mas a real autonomia do Banco Central está aí, no trato do dia a dia com os grandes interesses.

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Um exemplo quase singelo da fragilidade da autonomia do Banco Central diante do setor financeiro é dado pelas “conversas institucionais” do BC com agentes de mercado. É inconcebível que o Banco Central receba duas dúzias de agentes do mercado e converse com eles a portas fechadas. Assim como é absurdo que numa ligação de celular se discuta com um banqueiro o nível da taxa de juros. Meu primeiro pedido, então, a Galípolo é autonomia de verdade e transparência de fato no relacionamento com o mercado e o cidadão.

O segundo pedido tem relação com o mercado cambial. Para uma economia que vem perdendo inserção no mercado mundial em quase todos os segmentos que não o de commodities, fica difícil entender que o Banco Central se comporte como agente passivo, quase um observador dos bilhões que vão de um lado para o outro na conta financeira do Balanço de Pagamentos.

Regulação, num mercado tão desigual e em que os instrumentos de arbitragem, especulação e hedge são tão sofisticados, significa estar presente no minuto a minuto do mercado impedindo que os agentes construam a volatilidade do preço da moeda, que apenas beneficia uns poucos.

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É necessário entender que a produção precisa de mínima estabilidade no preço dos insumos e nas expectativas de preços de venda. O câmbio é crucial para a precificação do exportador, mas também para a produção para o mercado interno e para a calibragem das importações. Por isso, não é demais implorar ao novo presidente do BC que esteja empenhado em reduzir a volatilidade do mercado de câmbio.

O terceiro pedido é a taxa de juros. Ninguém tem dúvida de que o regime de metas de inflação, conjugado à administração da taxa Selic, tem condições de dar os parâmetros necessários para as decisões capitalistas. E a experiência internacional mostra que, como já nem mais tem sentido controlar a base monetária, parece ser este um caminho de consenso na política monetária contemporânea.

Só que uma coisa é a gestão da política monetária dar parâmetros ao mercado. Outra, completamente diferente, é a autoridade monetária achar que sua credibilidade será construída na manutenção da política mesmo diante de uma realidade que mudou. Assim como não dá para o BC estimar a taxa de juro real de longo prazo da economia em 8% e não dizer a razão que o leva a essa projeção.

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Por fim, um último pedido a Galípolo – mas este é até mais fácil, por sua trajetória profissional e seu conhecimento. Estamos falando de um dos pilares de nossa institucionalidade que precisa ter compromisso com o desenvolvimento.

Ninguém está falando em dinheiro fácil nem dólar barato.

Estamos falando em construir os instrumentos financeiros e de capital para que o investimento seja viabilizado em bases factíveis e com a segurança jurídica necessária para que seja sustentável no longo prazo. O pedido é de que o BC não seja apenas o gestor da Selic, mas que assuma responsabilidades compatíveis com sua importância e abrangência.

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ECONOMISTA

Estamos em vias de ter um novo presidente do Banco Central (BC) do Brasil, o primeiro indicado pelo atual governo Lula. Logicamente, há um rito a ser percorrido, que envolve sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos e o plenário do Senado. Tudo indica que o atual diretor de Política Monetária do banco, Gabriel Galípolo, assumirá a direção de nossa autoridade monetária.

Importante atentar para um fator que pode despertar resistências em alguns segmentos do sistema financeiro, o fato de Galípolo ter uma trajetória profissional marcada pela atuação na interface entre os mercados e a economia real, notadamente na construção da modelagem de financiamento para grandes projetos de concessões e parcerias público-privadas (PPPs).

Certos segmentos “fundamentalistas” do mercado financeiro também torceriam o nariz para os artigos assinados por Galípolo em coautoria com Luiz Gonzaga Belluzzo. Ao contrário, minha opinião é de que assinar um artigo com um economista do calibre de Belluzzo é uma credencial que torna todos os outros atributos menos relevantes.

Bem, mas deixando de lado as mesuras, vamos ao que interessa, a política econômica. E para mitigar o sofrimento deste país, que já tem ares de uma saga secular, sinto que é meu dever formular um pequeno conjunto de pedidos a Galípolo.

O primeiro pedido tem que ver com uma questão de fundo: o que significa o status de entidade autônoma do Banco Central? A autonomia é uma barreira que protege a política monetária contra interesses políticos menores, que demandam juro baixo e acesso fácil ao dinheiro para que o nível de atividade seja alto, favorecendo a percepção da população sobre o estado da economia e beneficiando quem está no poder.

Desta ladainha todos sabemos e todos somos contra. Mas a abrangência das ações do Banco Central é muito maior. Nele deságuam todas as tensões da economia. Como o sistema financeiro é o coração da economia, decisões sobre exposição cambial, níveis de alavancagem e comprometimento do patrimônio líquido das instituições são nevrálgicas. São poderes muito distintos do velho populismo, mas a real autonomia do Banco Central está aí, no trato do dia a dia com os grandes interesses.

Um exemplo quase singelo da fragilidade da autonomia do Banco Central diante do setor financeiro é dado pelas “conversas institucionais” do BC com agentes de mercado. É inconcebível que o Banco Central receba duas dúzias de agentes do mercado e converse com eles a portas fechadas. Assim como é absurdo que numa ligação de celular se discuta com um banqueiro o nível da taxa de juros. Meu primeiro pedido, então, a Galípolo é autonomia de verdade e transparência de fato no relacionamento com o mercado e o cidadão.

O segundo pedido tem relação com o mercado cambial. Para uma economia que vem perdendo inserção no mercado mundial em quase todos os segmentos que não o de commodities, fica difícil entender que o Banco Central se comporte como agente passivo, quase um observador dos bilhões que vão de um lado para o outro na conta financeira do Balanço de Pagamentos.

Regulação, num mercado tão desigual e em que os instrumentos de arbitragem, especulação e hedge são tão sofisticados, significa estar presente no minuto a minuto do mercado impedindo que os agentes construam a volatilidade do preço da moeda, que apenas beneficia uns poucos.

É necessário entender que a produção precisa de mínima estabilidade no preço dos insumos e nas expectativas de preços de venda. O câmbio é crucial para a precificação do exportador, mas também para a produção para o mercado interno e para a calibragem das importações. Por isso, não é demais implorar ao novo presidente do BC que esteja empenhado em reduzir a volatilidade do mercado de câmbio.

O terceiro pedido é a taxa de juros. Ninguém tem dúvida de que o regime de metas de inflação, conjugado à administração da taxa Selic, tem condições de dar os parâmetros necessários para as decisões capitalistas. E a experiência internacional mostra que, como já nem mais tem sentido controlar a base monetária, parece ser este um caminho de consenso na política monetária contemporânea.

Só que uma coisa é a gestão da política monetária dar parâmetros ao mercado. Outra, completamente diferente, é a autoridade monetária achar que sua credibilidade será construída na manutenção da política mesmo diante de uma realidade que mudou. Assim como não dá para o BC estimar a taxa de juro real de longo prazo da economia em 8% e não dizer a razão que o leva a essa projeção.

Por fim, um último pedido a Galípolo – mas este é até mais fácil, por sua trajetória profissional e seu conhecimento. Estamos falando de um dos pilares de nossa institucionalidade que precisa ter compromisso com o desenvolvimento.

Ninguém está falando em dinheiro fácil nem dólar barato.

Estamos falando em construir os instrumentos financeiros e de capital para que o investimento seja viabilizado em bases factíveis e com a segurança jurídica necessária para que seja sustentável no longo prazo. O pedido é de que o BC não seja apenas o gestor da Selic, mas que assuma responsabilidades compatíveis com sua importância e abrangência.

*

ECONOMISTA

Estamos em vias de ter um novo presidente do Banco Central (BC) do Brasil, o primeiro indicado pelo atual governo Lula. Logicamente, há um rito a ser percorrido, que envolve sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos e o plenário do Senado. Tudo indica que o atual diretor de Política Monetária do banco, Gabriel Galípolo, assumirá a direção de nossa autoridade monetária.

Importante atentar para um fator que pode despertar resistências em alguns segmentos do sistema financeiro, o fato de Galípolo ter uma trajetória profissional marcada pela atuação na interface entre os mercados e a economia real, notadamente na construção da modelagem de financiamento para grandes projetos de concessões e parcerias público-privadas (PPPs).

Certos segmentos “fundamentalistas” do mercado financeiro também torceriam o nariz para os artigos assinados por Galípolo em coautoria com Luiz Gonzaga Belluzzo. Ao contrário, minha opinião é de que assinar um artigo com um economista do calibre de Belluzzo é uma credencial que torna todos os outros atributos menos relevantes.

Bem, mas deixando de lado as mesuras, vamos ao que interessa, a política econômica. E para mitigar o sofrimento deste país, que já tem ares de uma saga secular, sinto que é meu dever formular um pequeno conjunto de pedidos a Galípolo.

O primeiro pedido tem que ver com uma questão de fundo: o que significa o status de entidade autônoma do Banco Central? A autonomia é uma barreira que protege a política monetária contra interesses políticos menores, que demandam juro baixo e acesso fácil ao dinheiro para que o nível de atividade seja alto, favorecendo a percepção da população sobre o estado da economia e beneficiando quem está no poder.

Desta ladainha todos sabemos e todos somos contra. Mas a abrangência das ações do Banco Central é muito maior. Nele deságuam todas as tensões da economia. Como o sistema financeiro é o coração da economia, decisões sobre exposição cambial, níveis de alavancagem e comprometimento do patrimônio líquido das instituições são nevrálgicas. São poderes muito distintos do velho populismo, mas a real autonomia do Banco Central está aí, no trato do dia a dia com os grandes interesses.

Um exemplo quase singelo da fragilidade da autonomia do Banco Central diante do setor financeiro é dado pelas “conversas institucionais” do BC com agentes de mercado. É inconcebível que o Banco Central receba duas dúzias de agentes do mercado e converse com eles a portas fechadas. Assim como é absurdo que numa ligação de celular se discuta com um banqueiro o nível da taxa de juros. Meu primeiro pedido, então, a Galípolo é autonomia de verdade e transparência de fato no relacionamento com o mercado e o cidadão.

O segundo pedido tem relação com o mercado cambial. Para uma economia que vem perdendo inserção no mercado mundial em quase todos os segmentos que não o de commodities, fica difícil entender que o Banco Central se comporte como agente passivo, quase um observador dos bilhões que vão de um lado para o outro na conta financeira do Balanço de Pagamentos.

Regulação, num mercado tão desigual e em que os instrumentos de arbitragem, especulação e hedge são tão sofisticados, significa estar presente no minuto a minuto do mercado impedindo que os agentes construam a volatilidade do preço da moeda, que apenas beneficia uns poucos.

É necessário entender que a produção precisa de mínima estabilidade no preço dos insumos e nas expectativas de preços de venda. O câmbio é crucial para a precificação do exportador, mas também para a produção para o mercado interno e para a calibragem das importações. Por isso, não é demais implorar ao novo presidente do BC que esteja empenhado em reduzir a volatilidade do mercado de câmbio.

O terceiro pedido é a taxa de juros. Ninguém tem dúvida de que o regime de metas de inflação, conjugado à administração da taxa Selic, tem condições de dar os parâmetros necessários para as decisões capitalistas. E a experiência internacional mostra que, como já nem mais tem sentido controlar a base monetária, parece ser este um caminho de consenso na política monetária contemporânea.

Só que uma coisa é a gestão da política monetária dar parâmetros ao mercado. Outra, completamente diferente, é a autoridade monetária achar que sua credibilidade será construída na manutenção da política mesmo diante de uma realidade que mudou. Assim como não dá para o BC estimar a taxa de juro real de longo prazo da economia em 8% e não dizer a razão que o leva a essa projeção.

Por fim, um último pedido a Galípolo – mas este é até mais fácil, por sua trajetória profissional e seu conhecimento. Estamos falando de um dos pilares de nossa institucionalidade que precisa ter compromisso com o desenvolvimento.

Ninguém está falando em dinheiro fácil nem dólar barato.

Estamos falando em construir os instrumentos financeiros e de capital para que o investimento seja viabilizado em bases factíveis e com a segurança jurídica necessária para que seja sustentável no longo prazo. O pedido é de que o BC não seja apenas o gestor da Selic, mas que assuma responsabilidades compatíveis com sua importância e abrangência.

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