O economista José Serra escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Preços mais justos para medicamentos


A literatura internacional é fértil em demonstrar que, nem sempre, aos altos custos cobrados pela indústria farmacêutica estão associados benefícios compatíveis

Por José Serra

Numa população cada vez mais idosa, é imperativo discutir os custos associados à assistência à saúde. Hoje, cerca de 16% da população brasileira tem 60 anos ou mais de idade, o dobro do que tínhamos no início deste século. Até 2025, esse grupo etário terá novamente dobrado de proporção. Significa que estamos vivendo mais, o que é ótimo, mas precisamos estar desde já preparados para os impactos que o avanço demográfico acarretará na vida de todos. A saúde é onde essa mudança produzirá uma das consequências mais evidentes.

É nos tratamentos de saúde que os avanços tecnológicos mais se fazem notar. Novos equipamentos, novos medicamentos, novas terapias ajudam a salvar mais vidas e a produzir mais bem-estar para as pessoas. No entanto, essas inovações estão entre os bens mais caros que as modernas sociedades têm produzido, obrigando os decisores a mensurarem seus reais benefícios para a população, sejam eles custeados pelos serviços públicos – no nosso caso, o SUS – ou pela saúde privada.

Lidamos com recursos escassos e, portanto, precisamos fazer escolhas que maximizem os resultados para a sociedade. A melhor técnica sugere a tomada de decisões a partir de critérios científicos objetivos, baseados em evidências. Na saúde, o fundamento respalda-se na avaliação de custo-efetividade, avaliando benefícios adicionais que determinada terapia produz em comparação a outras já disponíveis. Os melhores, mais abrangentes e mais equilibrados sistemas de assistência do mundo, como o NHS inglês, funcionam assim.

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Nessa equação, um item em particular merece maior atenção, pois nem sempre é percebido como um dos fatores mais relevantes da formação de custos na saúde: os medicamentos. Segundo o IBGE, eles consomem 34% das despesas das famílias brasileiras com saúde, o que equivale a R$ 180 bilhões por ano ou cerca de 2% do PIB. Medicamentos são, conforme a OCDE, o gasto em saúde com crescimento mais acelerado no mundo, também refletindo interesses poderosos e de toda ordem em jogo, a começar pela indústria farmacêutica.

O Brasil tem um sistema de incorporação de medicamentos que se mostra muito aquém do que a realidade atual e as perspectivas demográficas futuras recomendariam. Os sistemas público e privado têm estruturas paralelas de avaliação, com critérios distintos e efeitos diversos sobre as respectivas parcelas da população atendidas. Modelo que induz a uma discriminação entre os cidadãos quanto a seu acesso à saúde, o que é claramente indesejável.

Além disso, as decisões relativas à adoção de novos medicamentos, infelizmente, não se baseiam em políticas públicas de saúde pré-estabelecidas, como seria de se esperar quando se persegue o máximo de benefícios para a população. Os números atestam o predomínio do interesse mercadológico: em 2022, 83% dos pedidos de incorporação de medicamentos no País foram apresentados pela indústria farmacêutica. Ou seja, a partir da demanda de quem quer vender, uma evidente distorção.

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Não estamos falando de alguma nova dipirona, mas de produtos cuja dose única pode chegar a alguns milhões de reais, como é o caso do Zolgensma, utilizado no tratamento de atrofia muscular espinhal e adotado no Brasil com critérios e preços diferentes para o SUS e para a saúde suplementar. Não se trata de exemplo isolado, mas de algo, como vimos, que tende a se tornar cada vez mais recorrente, com impactos crescentes sobre as contas de saúde nacionais.

Além de caras, muitas dessas tecnologias entram no mercado sem evidências científicas robustas. A literatura internacional é fértil em demonstrar que, nem sempre, aos altos custos cobrados pela indústria estão associados benefícios compatíveis. Um exemplo: dois terços das drogas para tratamento de câncer – cujo custo cresceu dez vezes na última década – aprovadas pela agência europeia de medicamentos entraram no mercado sem evidência de aumento de sobrevida ou de ganho de qualidade de vida. Para as que demonstraram algum benefício, a mediana de sobrevida foi de menos de três meses.

Um mercado com tamanhas assimetrias é um prato cheio para judicializações, como temos visto acontecer no País. E os tribunais são, sem sombra de dúvida, a pior forma de fazer política de saúde. A boa notícia é que, há duas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para estabelecer critérios mais rígidos, baseados em evidências, para o fornecimento de medicamentos de alto custo não cobertos pelo SUS – com provável consequência futura sobre os planos de saúde. A decisão envolve competência, custeio e ressarcimento em demandas relacionadas a medicamentos não incorporados, alvo de milhares de causas dirigidas ao Judiciário.

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É preciso ir um pouco mais além, contudo. A adoção de uma agência unificada de avaliação de tecnologias em saúde, que examine as incorporações tanto para o SUS quanto para a saúde privada, é essencial. Além disso, é importante um compartilhamento de riscos, em que a indústria farmacêutica seja corresponsável pelo financiamento dos novos medicamentos mediante critérios de sucesso dos tratamentos. Sem isso, a sociedade vai continuar arcando com custos cada vez mais altos sem saber ao certo se estão ou não produzindo o benefício prometido.

*

ECONOMISTA

Numa população cada vez mais idosa, é imperativo discutir os custos associados à assistência à saúde. Hoje, cerca de 16% da população brasileira tem 60 anos ou mais de idade, o dobro do que tínhamos no início deste século. Até 2025, esse grupo etário terá novamente dobrado de proporção. Significa que estamos vivendo mais, o que é ótimo, mas precisamos estar desde já preparados para os impactos que o avanço demográfico acarretará na vida de todos. A saúde é onde essa mudança produzirá uma das consequências mais evidentes.

É nos tratamentos de saúde que os avanços tecnológicos mais se fazem notar. Novos equipamentos, novos medicamentos, novas terapias ajudam a salvar mais vidas e a produzir mais bem-estar para as pessoas. No entanto, essas inovações estão entre os bens mais caros que as modernas sociedades têm produzido, obrigando os decisores a mensurarem seus reais benefícios para a população, sejam eles custeados pelos serviços públicos – no nosso caso, o SUS – ou pela saúde privada.

Lidamos com recursos escassos e, portanto, precisamos fazer escolhas que maximizem os resultados para a sociedade. A melhor técnica sugere a tomada de decisões a partir de critérios científicos objetivos, baseados em evidências. Na saúde, o fundamento respalda-se na avaliação de custo-efetividade, avaliando benefícios adicionais que determinada terapia produz em comparação a outras já disponíveis. Os melhores, mais abrangentes e mais equilibrados sistemas de assistência do mundo, como o NHS inglês, funcionam assim.

Nessa equação, um item em particular merece maior atenção, pois nem sempre é percebido como um dos fatores mais relevantes da formação de custos na saúde: os medicamentos. Segundo o IBGE, eles consomem 34% das despesas das famílias brasileiras com saúde, o que equivale a R$ 180 bilhões por ano ou cerca de 2% do PIB. Medicamentos são, conforme a OCDE, o gasto em saúde com crescimento mais acelerado no mundo, também refletindo interesses poderosos e de toda ordem em jogo, a começar pela indústria farmacêutica.

O Brasil tem um sistema de incorporação de medicamentos que se mostra muito aquém do que a realidade atual e as perspectivas demográficas futuras recomendariam. Os sistemas público e privado têm estruturas paralelas de avaliação, com critérios distintos e efeitos diversos sobre as respectivas parcelas da população atendidas. Modelo que induz a uma discriminação entre os cidadãos quanto a seu acesso à saúde, o que é claramente indesejável.

Além disso, as decisões relativas à adoção de novos medicamentos, infelizmente, não se baseiam em políticas públicas de saúde pré-estabelecidas, como seria de se esperar quando se persegue o máximo de benefícios para a população. Os números atestam o predomínio do interesse mercadológico: em 2022, 83% dos pedidos de incorporação de medicamentos no País foram apresentados pela indústria farmacêutica. Ou seja, a partir da demanda de quem quer vender, uma evidente distorção.

Não estamos falando de alguma nova dipirona, mas de produtos cuja dose única pode chegar a alguns milhões de reais, como é o caso do Zolgensma, utilizado no tratamento de atrofia muscular espinhal e adotado no Brasil com critérios e preços diferentes para o SUS e para a saúde suplementar. Não se trata de exemplo isolado, mas de algo, como vimos, que tende a se tornar cada vez mais recorrente, com impactos crescentes sobre as contas de saúde nacionais.

Além de caras, muitas dessas tecnologias entram no mercado sem evidências científicas robustas. A literatura internacional é fértil em demonstrar que, nem sempre, aos altos custos cobrados pela indústria estão associados benefícios compatíveis. Um exemplo: dois terços das drogas para tratamento de câncer – cujo custo cresceu dez vezes na última década – aprovadas pela agência europeia de medicamentos entraram no mercado sem evidência de aumento de sobrevida ou de ganho de qualidade de vida. Para as que demonstraram algum benefício, a mediana de sobrevida foi de menos de três meses.

Um mercado com tamanhas assimetrias é um prato cheio para judicializações, como temos visto acontecer no País. E os tribunais são, sem sombra de dúvida, a pior forma de fazer política de saúde. A boa notícia é que, há duas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para estabelecer critérios mais rígidos, baseados em evidências, para o fornecimento de medicamentos de alto custo não cobertos pelo SUS – com provável consequência futura sobre os planos de saúde. A decisão envolve competência, custeio e ressarcimento em demandas relacionadas a medicamentos não incorporados, alvo de milhares de causas dirigidas ao Judiciário.

É preciso ir um pouco mais além, contudo. A adoção de uma agência unificada de avaliação de tecnologias em saúde, que examine as incorporações tanto para o SUS quanto para a saúde privada, é essencial. Além disso, é importante um compartilhamento de riscos, em que a indústria farmacêutica seja corresponsável pelo financiamento dos novos medicamentos mediante critérios de sucesso dos tratamentos. Sem isso, a sociedade vai continuar arcando com custos cada vez mais altos sem saber ao certo se estão ou não produzindo o benefício prometido.

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ECONOMISTA

Numa população cada vez mais idosa, é imperativo discutir os custos associados à assistência à saúde. Hoje, cerca de 16% da população brasileira tem 60 anos ou mais de idade, o dobro do que tínhamos no início deste século. Até 2025, esse grupo etário terá novamente dobrado de proporção. Significa que estamos vivendo mais, o que é ótimo, mas precisamos estar desde já preparados para os impactos que o avanço demográfico acarretará na vida de todos. A saúde é onde essa mudança produzirá uma das consequências mais evidentes.

É nos tratamentos de saúde que os avanços tecnológicos mais se fazem notar. Novos equipamentos, novos medicamentos, novas terapias ajudam a salvar mais vidas e a produzir mais bem-estar para as pessoas. No entanto, essas inovações estão entre os bens mais caros que as modernas sociedades têm produzido, obrigando os decisores a mensurarem seus reais benefícios para a população, sejam eles custeados pelos serviços públicos – no nosso caso, o SUS – ou pela saúde privada.

Lidamos com recursos escassos e, portanto, precisamos fazer escolhas que maximizem os resultados para a sociedade. A melhor técnica sugere a tomada de decisões a partir de critérios científicos objetivos, baseados em evidências. Na saúde, o fundamento respalda-se na avaliação de custo-efetividade, avaliando benefícios adicionais que determinada terapia produz em comparação a outras já disponíveis. Os melhores, mais abrangentes e mais equilibrados sistemas de assistência do mundo, como o NHS inglês, funcionam assim.

Nessa equação, um item em particular merece maior atenção, pois nem sempre é percebido como um dos fatores mais relevantes da formação de custos na saúde: os medicamentos. Segundo o IBGE, eles consomem 34% das despesas das famílias brasileiras com saúde, o que equivale a R$ 180 bilhões por ano ou cerca de 2% do PIB. Medicamentos são, conforme a OCDE, o gasto em saúde com crescimento mais acelerado no mundo, também refletindo interesses poderosos e de toda ordem em jogo, a começar pela indústria farmacêutica.

O Brasil tem um sistema de incorporação de medicamentos que se mostra muito aquém do que a realidade atual e as perspectivas demográficas futuras recomendariam. Os sistemas público e privado têm estruturas paralelas de avaliação, com critérios distintos e efeitos diversos sobre as respectivas parcelas da população atendidas. Modelo que induz a uma discriminação entre os cidadãos quanto a seu acesso à saúde, o que é claramente indesejável.

Além disso, as decisões relativas à adoção de novos medicamentos, infelizmente, não se baseiam em políticas públicas de saúde pré-estabelecidas, como seria de se esperar quando se persegue o máximo de benefícios para a população. Os números atestam o predomínio do interesse mercadológico: em 2022, 83% dos pedidos de incorporação de medicamentos no País foram apresentados pela indústria farmacêutica. Ou seja, a partir da demanda de quem quer vender, uma evidente distorção.

Não estamos falando de alguma nova dipirona, mas de produtos cuja dose única pode chegar a alguns milhões de reais, como é o caso do Zolgensma, utilizado no tratamento de atrofia muscular espinhal e adotado no Brasil com critérios e preços diferentes para o SUS e para a saúde suplementar. Não se trata de exemplo isolado, mas de algo, como vimos, que tende a se tornar cada vez mais recorrente, com impactos crescentes sobre as contas de saúde nacionais.

Além de caras, muitas dessas tecnologias entram no mercado sem evidências científicas robustas. A literatura internacional é fértil em demonstrar que, nem sempre, aos altos custos cobrados pela indústria estão associados benefícios compatíveis. Um exemplo: dois terços das drogas para tratamento de câncer – cujo custo cresceu dez vezes na última década – aprovadas pela agência europeia de medicamentos entraram no mercado sem evidência de aumento de sobrevida ou de ganho de qualidade de vida. Para as que demonstraram algum benefício, a mediana de sobrevida foi de menos de três meses.

Um mercado com tamanhas assimetrias é um prato cheio para judicializações, como temos visto acontecer no País. E os tribunais são, sem sombra de dúvida, a pior forma de fazer política de saúde. A boa notícia é que, há duas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para estabelecer critérios mais rígidos, baseados em evidências, para o fornecimento de medicamentos de alto custo não cobertos pelo SUS – com provável consequência futura sobre os planos de saúde. A decisão envolve competência, custeio e ressarcimento em demandas relacionadas a medicamentos não incorporados, alvo de milhares de causas dirigidas ao Judiciário.

É preciso ir um pouco mais além, contudo. A adoção de uma agência unificada de avaliação de tecnologias em saúde, que examine as incorporações tanto para o SUS quanto para a saúde privada, é essencial. Além disso, é importante um compartilhamento de riscos, em que a indústria farmacêutica seja corresponsável pelo financiamento dos novos medicamentos mediante critérios de sucesso dos tratamentos. Sem isso, a sociedade vai continuar arcando com custos cada vez mais altos sem saber ao certo se estão ou não produzindo o benefício prometido.

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ECONOMISTA

Numa população cada vez mais idosa, é imperativo discutir os custos associados à assistência à saúde. Hoje, cerca de 16% da população brasileira tem 60 anos ou mais de idade, o dobro do que tínhamos no início deste século. Até 2025, esse grupo etário terá novamente dobrado de proporção. Significa que estamos vivendo mais, o que é ótimo, mas precisamos estar desde já preparados para os impactos que o avanço demográfico acarretará na vida de todos. A saúde é onde essa mudança produzirá uma das consequências mais evidentes.

É nos tratamentos de saúde que os avanços tecnológicos mais se fazem notar. Novos equipamentos, novos medicamentos, novas terapias ajudam a salvar mais vidas e a produzir mais bem-estar para as pessoas. No entanto, essas inovações estão entre os bens mais caros que as modernas sociedades têm produzido, obrigando os decisores a mensurarem seus reais benefícios para a população, sejam eles custeados pelos serviços públicos – no nosso caso, o SUS – ou pela saúde privada.

Lidamos com recursos escassos e, portanto, precisamos fazer escolhas que maximizem os resultados para a sociedade. A melhor técnica sugere a tomada de decisões a partir de critérios científicos objetivos, baseados em evidências. Na saúde, o fundamento respalda-se na avaliação de custo-efetividade, avaliando benefícios adicionais que determinada terapia produz em comparação a outras já disponíveis. Os melhores, mais abrangentes e mais equilibrados sistemas de assistência do mundo, como o NHS inglês, funcionam assim.

Nessa equação, um item em particular merece maior atenção, pois nem sempre é percebido como um dos fatores mais relevantes da formação de custos na saúde: os medicamentos. Segundo o IBGE, eles consomem 34% das despesas das famílias brasileiras com saúde, o que equivale a R$ 180 bilhões por ano ou cerca de 2% do PIB. Medicamentos são, conforme a OCDE, o gasto em saúde com crescimento mais acelerado no mundo, também refletindo interesses poderosos e de toda ordem em jogo, a começar pela indústria farmacêutica.

O Brasil tem um sistema de incorporação de medicamentos que se mostra muito aquém do que a realidade atual e as perspectivas demográficas futuras recomendariam. Os sistemas público e privado têm estruturas paralelas de avaliação, com critérios distintos e efeitos diversos sobre as respectivas parcelas da população atendidas. Modelo que induz a uma discriminação entre os cidadãos quanto a seu acesso à saúde, o que é claramente indesejável.

Além disso, as decisões relativas à adoção de novos medicamentos, infelizmente, não se baseiam em políticas públicas de saúde pré-estabelecidas, como seria de se esperar quando se persegue o máximo de benefícios para a população. Os números atestam o predomínio do interesse mercadológico: em 2022, 83% dos pedidos de incorporação de medicamentos no País foram apresentados pela indústria farmacêutica. Ou seja, a partir da demanda de quem quer vender, uma evidente distorção.

Não estamos falando de alguma nova dipirona, mas de produtos cuja dose única pode chegar a alguns milhões de reais, como é o caso do Zolgensma, utilizado no tratamento de atrofia muscular espinhal e adotado no Brasil com critérios e preços diferentes para o SUS e para a saúde suplementar. Não se trata de exemplo isolado, mas de algo, como vimos, que tende a se tornar cada vez mais recorrente, com impactos crescentes sobre as contas de saúde nacionais.

Além de caras, muitas dessas tecnologias entram no mercado sem evidências científicas robustas. A literatura internacional é fértil em demonstrar que, nem sempre, aos altos custos cobrados pela indústria estão associados benefícios compatíveis. Um exemplo: dois terços das drogas para tratamento de câncer – cujo custo cresceu dez vezes na última década – aprovadas pela agência europeia de medicamentos entraram no mercado sem evidência de aumento de sobrevida ou de ganho de qualidade de vida. Para as que demonstraram algum benefício, a mediana de sobrevida foi de menos de três meses.

Um mercado com tamanhas assimetrias é um prato cheio para judicializações, como temos visto acontecer no País. E os tribunais são, sem sombra de dúvida, a pior forma de fazer política de saúde. A boa notícia é que, há duas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para estabelecer critérios mais rígidos, baseados em evidências, para o fornecimento de medicamentos de alto custo não cobertos pelo SUS – com provável consequência futura sobre os planos de saúde. A decisão envolve competência, custeio e ressarcimento em demandas relacionadas a medicamentos não incorporados, alvo de milhares de causas dirigidas ao Judiciário.

É preciso ir um pouco mais além, contudo. A adoção de uma agência unificada de avaliação de tecnologias em saúde, que examine as incorporações tanto para o SUS quanto para a saúde privada, é essencial. Além disso, é importante um compartilhamento de riscos, em que a indústria farmacêutica seja corresponsável pelo financiamento dos novos medicamentos mediante critérios de sucesso dos tratamentos. Sem isso, a sociedade vai continuar arcando com custos cada vez mais altos sem saber ao certo se estão ou não produzindo o benefício prometido.

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ECONOMISTA

Numa população cada vez mais idosa, é imperativo discutir os custos associados à assistência à saúde. Hoje, cerca de 16% da população brasileira tem 60 anos ou mais de idade, o dobro do que tínhamos no início deste século. Até 2025, esse grupo etário terá novamente dobrado de proporção. Significa que estamos vivendo mais, o que é ótimo, mas precisamos estar desde já preparados para os impactos que o avanço demográfico acarretará na vida de todos. A saúde é onde essa mudança produzirá uma das consequências mais evidentes.

É nos tratamentos de saúde que os avanços tecnológicos mais se fazem notar. Novos equipamentos, novos medicamentos, novas terapias ajudam a salvar mais vidas e a produzir mais bem-estar para as pessoas. No entanto, essas inovações estão entre os bens mais caros que as modernas sociedades têm produzido, obrigando os decisores a mensurarem seus reais benefícios para a população, sejam eles custeados pelos serviços públicos – no nosso caso, o SUS – ou pela saúde privada.

Lidamos com recursos escassos e, portanto, precisamos fazer escolhas que maximizem os resultados para a sociedade. A melhor técnica sugere a tomada de decisões a partir de critérios científicos objetivos, baseados em evidências. Na saúde, o fundamento respalda-se na avaliação de custo-efetividade, avaliando benefícios adicionais que determinada terapia produz em comparação a outras já disponíveis. Os melhores, mais abrangentes e mais equilibrados sistemas de assistência do mundo, como o NHS inglês, funcionam assim.

Nessa equação, um item em particular merece maior atenção, pois nem sempre é percebido como um dos fatores mais relevantes da formação de custos na saúde: os medicamentos. Segundo o IBGE, eles consomem 34% das despesas das famílias brasileiras com saúde, o que equivale a R$ 180 bilhões por ano ou cerca de 2% do PIB. Medicamentos são, conforme a OCDE, o gasto em saúde com crescimento mais acelerado no mundo, também refletindo interesses poderosos e de toda ordem em jogo, a começar pela indústria farmacêutica.

O Brasil tem um sistema de incorporação de medicamentos que se mostra muito aquém do que a realidade atual e as perspectivas demográficas futuras recomendariam. Os sistemas público e privado têm estruturas paralelas de avaliação, com critérios distintos e efeitos diversos sobre as respectivas parcelas da população atendidas. Modelo que induz a uma discriminação entre os cidadãos quanto a seu acesso à saúde, o que é claramente indesejável.

Além disso, as decisões relativas à adoção de novos medicamentos, infelizmente, não se baseiam em políticas públicas de saúde pré-estabelecidas, como seria de se esperar quando se persegue o máximo de benefícios para a população. Os números atestam o predomínio do interesse mercadológico: em 2022, 83% dos pedidos de incorporação de medicamentos no País foram apresentados pela indústria farmacêutica. Ou seja, a partir da demanda de quem quer vender, uma evidente distorção.

Não estamos falando de alguma nova dipirona, mas de produtos cuja dose única pode chegar a alguns milhões de reais, como é o caso do Zolgensma, utilizado no tratamento de atrofia muscular espinhal e adotado no Brasil com critérios e preços diferentes para o SUS e para a saúde suplementar. Não se trata de exemplo isolado, mas de algo, como vimos, que tende a se tornar cada vez mais recorrente, com impactos crescentes sobre as contas de saúde nacionais.

Além de caras, muitas dessas tecnologias entram no mercado sem evidências científicas robustas. A literatura internacional é fértil em demonstrar que, nem sempre, aos altos custos cobrados pela indústria estão associados benefícios compatíveis. Um exemplo: dois terços das drogas para tratamento de câncer – cujo custo cresceu dez vezes na última década – aprovadas pela agência europeia de medicamentos entraram no mercado sem evidência de aumento de sobrevida ou de ganho de qualidade de vida. Para as que demonstraram algum benefício, a mediana de sobrevida foi de menos de três meses.

Um mercado com tamanhas assimetrias é um prato cheio para judicializações, como temos visto acontecer no País. E os tribunais são, sem sombra de dúvida, a pior forma de fazer política de saúde. A boa notícia é que, há duas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para estabelecer critérios mais rígidos, baseados em evidências, para o fornecimento de medicamentos de alto custo não cobertos pelo SUS – com provável consequência futura sobre os planos de saúde. A decisão envolve competência, custeio e ressarcimento em demandas relacionadas a medicamentos não incorporados, alvo de milhares de causas dirigidas ao Judiciário.

É preciso ir um pouco mais além, contudo. A adoção de uma agência unificada de avaliação de tecnologias em saúde, que examine as incorporações tanto para o SUS quanto para a saúde privada, é essencial. Além disso, é importante um compartilhamento de riscos, em que a indústria farmacêutica seja corresponsável pelo financiamento dos novos medicamentos mediante critérios de sucesso dos tratamentos. Sem isso, a sociedade vai continuar arcando com custos cada vez mais altos sem saber ao certo se estão ou não produzindo o benefício prometido.

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