As políticas públicas devem sempre passar por revisões para que os programas de governo sejam aperfeiçoados, a partir de uma governança transparente e metodológica. Essa boa prática internacional pode ser crucial para ampliar investimentos no setor de ferrovias brasileiro. Como senador, aprovei dois projetos de lei estruturantes que me permitem dar uma visão geral sobre como esses assuntos se relacionam, com consequências positivas na produtividade da economia.
Nota-se que os investimentos em ferrovias fecharam o ano de 2022 no patamar mais baixo dos últimos anos.
Entre 2010 e 2016, período que antecedeu o moribundo teto de gastos, o País investiu por ano, na média, algo em torno de R$ 11,5 bilhões, sendo R$ 8,4 bilhões pelo setor privado e R$ 3,2 bilhões pelo setor público. Com o limite de gastos, o investimento público anual se reduziu para R$ 795 milhões, entre 2017 e 2018, e para R$ 464 milhões, no período entre 2019 e 2022. Com isso, o investimento privado despencou para cerca de R$ 6 bilhões no período pós-teto. Esses números, que estão a preços de 2022, demonstram que recuperar a capacidade de investimentos no setor de ferrovias é impreterível.
Certamente, um programa de revisão das políticas públicas precisa ser implementado no setor de ferrovias para mudar o patamar de investimentos na área.
O Senado Federal aprovou em 2017 o Projeto de Lei n.º 428, de minha autoria, que obriga o governo a enviar ao Congresso Nacional um plano de revisão periódica de políticas públicas. É um instrumento de gestão que serve de base para decisões sobre o nível de financiamento de programas governamentais existentes. O projeto foi elaborado com inspiração no poderoso instrumento de gestão chamado de Spending Review, prática sistematicamente adotada pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para fortalecer a governança no setor público.
Em recente estudo da McKinsey, intitulado Spending Reviews: a more powerful approach to ensuring value in public finance, diversos especialistas explicam como esse instrumento de gestão pode fornecer diretrizes de políticas públicas para aumentar a produtividade e a eficiência operacional de programas governamentais em áreas estratégicas de governo. O processo é conduzido para ampliar a transparência, mostrando aos cidadãos mais informações sobre por que e como o dinheiro gerado pelas políticas públicas é gasto.
A lógica desse sofisticado instrumento é simples. Um grupo de trabalho do governo escolhe um programa para avaliar a partir de um cenário de referência, identificando fatores que determinam o custo e os resultados da política pública. Com base em avaliações técnicas, são feitas recomendações de melhoria do programa com o objetivo de aumentar sua eficiência e efetividade. Todo o processo é conduzido de forma permanente, envolvendo atores do setor público, do setor privado, da academia e da sociedade civil.
Cabe, aqui, lembrar que o projeto de lei que apresentei para instituir o Spending Review na administração pública federal se encontra na Câmara dos Deputados (PLP n.º 539), após ter sido aprovado por unanimidade no Senado Federal em 2018.
Naquele mesmo ano, também tive a oportunidade de apresentar o Projeto de Lei n.º 261, que acabou sendo aprovado e sancionado pelo Executivo federal após três anos de intensos debates no Parlamento. Trata-se da Lei n.º 14.273, de 2021, que dispõe sobre a organização do transporte ferroviário, o uso da infraestrutura ferroviária, os tipos de outorga para a exploração indireta de ferrovias em território nacional e as operações urbanísticas a elas associadas.
Este novo marco de ferrovias representa uma verdadeira revolução no setor. Primeiro, porque permite que empresas privadas explorem economicamente o setor por meio de contratos de autorização, a partir de trechos mais curtos conhecidos como shortlines, que se conectariam com corredores de desenvolvimento concedidos para o setor privado. O potencial econômico desse novo arcabouço institucional é imensurável: operações ferroviárias poderão ser viabilizadas em combinação com o uso racional do espaço urbano, estimulando a ampliação do setor mercado ferroviário na matriz de transporte de cargas e de passageiros.
Para que esse novo arcabouço funcione bem, é importante que o Brasil revise as políticas públicas na área de ferrovias. Aumentar os investimentos no setor de transporte é um desafio enorme, mas o cenário é favorável. As atuais lideranças do Ministério dos Transportes parecem engajadas em promover ousado Spending Review na área de atuação da pasta.
O Brasil é continental, com uma população densa que precisa se conectar de forma eficiente. Além disso, apresenta uma economia com enorme potencial de diversificação, capaz de exportar elevados volumes de minério, grãos e outros produtos de grande valor agregado. Precisamos rever as políticas públicas em vigor com foco na ampliação dos investimentos em infraestrutura, expandindo a participação do setor ferroviário na matriz de transporte. Nessa esteira, reduziremos o custo de transporte de mercadorias no País de forma sustentável do ponto de vista ambiental.
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ECONOMISTA