Imprevisível e certamente apertado, o resultado da eleição presidencial na Argentina, hoje, não dará ao vencedor nenhum motivo para celebrar. Imediatamente, terá que apresentar um plano factível para superar o caos econômico e social do país. O problema é que, até a véspera do pleito, a consistência das propostas do peronista Sergio Massa e do anarcocapitalista Javier Milei diluía-se entre a vaga continuidade de políticas já fracassadas ao longo da trevosa era kirchnerista e a aposta em uma “destruição criativa” cujo risco maior está na decomposição da governabilidade. Como nunca antes desde a redemocratização do país, os argentinos terão uma eleição que mais se parece com o juízo final.
Ao contrário do esperado, o quadro nebuloso sobre o futuro da economia da Argentina acentuou-se ao longo de uma campanha eleitoral altamente polarizada, na qual a difusão do discurso do medo ofuscou ainda mais a clareza do eleitorado. Os argentinos vão às urnas cegos em relação a seu destino, embora cientes do quanto lhes pesa o descontrole da inflação, prevista em nível próximo a 200% no final do ano, e do quanto dependem de subsídios sociais para fechar as contas do mês. O rancor do eleitor é tão genuíno quanto a incerteza.
A espiral inflacionária exige um profundo ajuste nas contas públicas e um manejo eficaz das políticas monetária e cambial, sem perder de vista medidas das quais 40% da população, atirada à pobreza, depende para sobreviver. Não importa quem vença a eleição, um choque na economia é praticamente inevitável. A magnitude desse choque, entretanto, ainda é tão desconhecida quanto a capacidade política de Massa ou de Milei de adotá-lo.
Grosso modo, as promessas centrais de Milei – dolarização da economia argentina, eliminação do Banco Central e drástico corte nos gastos públicos – esbarram na resistência até mesmo de segmentos de direita no Congresso argentino. Já as apostas de Massa no crescimento econômico a partir da exploração de gás, petróleo e lítio, além da preservação de subsídios sociais ora ampliados por motivação eleitoral, sugerem que o cardápio peronista de ideias fracassadas permanece o mesmo. Em qualquer dos casos, é possível antever enormes riscos para a governabilidade e de rebelião social. Ainda estão frescos na memória os momentos de profunda tensão no final do abreviado governo de Fernando de la Rúa, em 2001, quando o presidente teve que fugir da Casa Rosada de helicóptero em meio a protestos cuja repressão deixou mais de 30 mortos.
Por mais obscuro que seja o cenário de hoje, entretanto, é preciso considerar a formidável resistência de uma economia sujeita a inflação crescente, a recessão, a duas dezenas de taxas de câmbio e a reservas internacionais exíguas. A Argentina não implodiu no mesmo caos de 2001 nem recorreu à moratória como solução ao endividamento. Embora atolado, o país tampouco deixa de figurar entre os primeiros dos rankings de desenvolvimento humano da América Latina, ainda dispõe de respaldo do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Clube de Paris e registra alta competitividade em alguns segmentos privados.
Em resumo, por enquanto, não se trata de um caso definitivamente perdido. Daí a urgência de o vencedor da eleição expor com toda a clareza um rumo sensato, pragmático e bem fundamentado para a economia. O apoio doméstico e internacional às reformas necessárias depende do descarte de fórmulas mágicas, populistas e inconstitucionais. Sem isso, a percepção de seriedade do governo a ser empossado em 10 de dezembro estará esvaziada.
Seja qual for o resultado eleitoral, espera-se o reforço do caminho democrático escolhido pelos argentinos há 40 anos. Questionamentos gratuitos e sem comprovação sobre a legitimidade do pleito – como fez “El Loco” Milei, bem ao estilo de Jair Bolsonaro e Donald Trump – não devem ser tolerados, em respeito à cidadania e à Constituição do país. Os argentinos já sofrem suficientemente sob o peso de uma economia desmantelada em seus fundamentos. Não merecem tentativas golpistas contra o Estado de Direito Democrático que, com esforço, construíram.