A degeneração da democracia no Brasil é fruto de dois fenômenos: a sequência desastrosa de governos populistas e o crescente ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal (STF). O primeiro se resolve com o voto consciente e com os partidos políticos fazendo uma seleção mais criteriosa dos seus candidatos. O segundo, com a adoção de freios e contrapesos para restabelecer o equilíbrio entre os Poderes e conter o ativismo judicial – a ânsia de juízes do STF de legislar e implementar políticas públicas; duas atividades que competem exclusivamente aos Poderes Legislativo e Executivo.
Existem vários projetos tramitando no Congresso para frear o ativismo judicial, mas a melhor solução seria a autocontenção do próprio Supremo. Há pelo menos seis medidas imprescindíveis para restabelecer a credibilidade do STF.
1) Encerrar imediatamente inquéritos por tempo indeterminado e sigilosos e decisões arbitrárias que desrespeitam os fundamentos do direito à ampla defesa e o respeito ao devido processo legal. É inconcebível um STF que censura a liberdade de expressão; determina prisão de cidadãos sem o devido processo legal e ampla defesa; e desrespeita o direito pleno de parlamentares de usar a tribuna da Câmara para denunciar abuso de poder de membros do magistrado. Tais medidas não colaboram para “salvar a democracia”; ao contrário, contribuem para a degeneração da democracia e a corrosão da credibilidade das leis e da Constituição.
2) Combater a impunidade e a corrupção. O plenário do STF precisa urgentemente corrigir as decisões monocráticas descabidas e imorais de juízes que invalidaram o trabalho cuidadoso do Poder Judiciário que condenou empresas corruptas e corruptores confessos de participaram do maior escândalo de corrupção da história do País. Se as decisões monocráticas de Dias Toffoli e Gilmar Mendes não forem revertidas no plenário, podemos encomendar o sepultamento do Estado Democrático de Direito e proclamar a república da impunidade.
3) Fim de decisões monocráticas. O STF, como guardião da Constituição, deve se manifestar como colegiado. Não pode haver um mecanismo arbitrário que permite ao entendimento de um único juiz se sobrepor à decisão do Congresso Nacional e do Poder Executivo. A decisões monocráticas geram insegurança jurídica, como foi o caso do entendimento do ministro Ricardo Lewandowski sobre a Lei das Estatais. A decisão monocrática permitiu o aparelhamento político das estatais até o plenário do STF reverter a decisão. Mas o estrago já havia sido feito e pode-se debitar à decisão de Lewandowski o desarranjo da governança nas estatais que contribuiu para o gigantesco rombo financeiro das empresas públicas em 2024.
4) Saber dizer “não”. O STF não precisa se manifestar sobre todos os casos que chegam ao Supremo. Aliás, deveria criar critérios objetivos para selecionar apenas os casos que necessitam de melhor compreensão sobre o cumprimento dos preceitos constitucionais. O restante é respeitar as decisões soberanas do Congresso Nacional, do governo e das instâncias inferiores do Poder Judiciário. Ao arquivar a maioria das ações, o Supremo daria um bom exemplo para desestimular partidos nanicos que provocam a Corte com um número exagerado de ações diretas de inconstitucionalidade (Adin), cujo único intuito é buscar reverter suas derrotas no Congresso Nacional.
5) Voto de silêncio: ministro digno do STF deve se manifestar apenas nos autos. Não participa de convescote empresarial, entrevista na mídia e jantares animados com pessoas que têm interesse em causas que estão em discussão no STF. O silêncio dos ministros e a ausência de sua participação em eventos corporativos e midiáticos colaborariam para diminuir a tensão entre os Poderes, dirimir impressões de parcialidade nas decisões do tribunal e cicatrizar feridas reputacionais que abalaram a credibilidade do STF no seio da sociedade. Ao aderir ao voto de silêncio, o Supremo poderia prestar um favor à Nação e fechar a TV Justiça. Nenhuma Suprema Corte do mundo tem sessão transmitida ao vivo. A discrição é um atributo importante de uma corte constitucional.
6) Dar exemplo e acabar com privilégios. É inaceitável que os guardiães da lei são os primeiros a violar a própria Constituição ao receber salários e benefícios que ultrapassam o teto constitucional. A fonte de recursos para financiar esses privilégios é uma só: o Orçamento da Nação. O pior é que os magistrados acham “normal” gozar de tais privilégios quando são moralmente repugnantes e eticamente injustificáveis. Assim como é inadmissível que parentes de juízes do STF sejam sócios de escritórios de advocacia que defendem clientes no Supremo.
Não há democracia plena, liberdade individual, respeito à propriedade privada e Estado Democrático de Direito sem a existência de um Poder Judiciário forte e independente. É urgente frear o ativismo judicial e adotar medidas de autocontenção para resgatar a confiança e a reputação do Poder Judiciário e sepultar a impressão de um STF parcial, arbitrário e imoral.
*
CIENTISTA POLÍTICO, AUTOR DO LIVRO ‘10 MANDAMENTOS – DO PAÍS QUE SOMOS PARA O BRASIL QUE QUEREMOS’, FOI CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA