Tradutor e ensaísta, Luiz Sérgio Henriques escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|O voto americano entre ‘virtù’ e fortuna


O mais certo é apontar as dificuldades da política diante da velocidade das mudanças

Por Luiz Sérgio Henriques

Um lance de dados jamais abolirá o acaso, segundo o verso famoso, e tudo indica que o desfecho da eleição presidencial norte-americana seguirá o vaticínio nele implícito. Por força de dispositivo imaginado numa era anterior à plena afirmação da democracia de massas, de nada adiantará a soma total de votos de cada um dos candidatos, valendo antes a vitória nos colégios estaduais por margens provavelmente mais estreitas do que nunca. Nos tais Estados-pêndulo, alguns milhares de votos, que podem ser o fruto de circunstâncias fortuitas, acabarão por ter consequências que irão muito além dos Estados Unidos.

Fisicamente frágil e politicamente impopular, Joe Biden reviveu nestes anos a sina de que não basta ser, é preciso também parecer. Ele, bom presidente, não parece ser o que foi, ou tem sido, e sempre se paga caro por isso. Simbolicamente, seus atos inaugurais refletiram a ambição de recriar o reformismo forte de Franklin Roosevelt. A sede do governo, por sua vontade, logo de saída acolheu os bustos de gente como Luther King e Rosa Parks, ícones da luta pelos direitos civis, e de César Chávez, lendário sindicalista dos trabalhadores agrícolas. Nada mais significativo para alguém, como Biden, disposto a iniciar uma mudança de época nas relações entre política e economia, Estado e mercado, no rumo sugerido pelo governo Obama.

Muito alta, a ambição de Biden. Para concretizá-la, o roteiro consiste em tentar restabelecer sobre novas bases a grande coalizão democrata, em cuja dissolução se empenharam os republicanos a partir de Richard Nixon e, especialmente, Ronald Reagan, para não falar do recente populismo grosseiro de Donald Trump. Para tanto, uma ação de fôlego implica agora e nos próximos anos reatar os laços entre “intelectuais” e “simples”, cosmopolitas e nacionalistas, fechando uma das vias pelas quais ocorre uma sangria dos votos de trabalhadores de baixa qualificação em benefício dos republicanos da era Trump.

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O ressentimento dos “perdedores” é o que tem permitido a expansão da extrema direita americana para além do terreno original constituído majoritariamente de cristãos brancos e conservadores. Uma fração considerável de negros e latinos torna-se suscetível à pregação extremista, uma vez perdida a identidade de classe garantida pelo trabalho e pelo sindicato. Não por acidente, a maioria dos Estados em que o equilíbrio de forças se mostra instável, dando espaço para vitórias por margem exígua, compõe o núcleo do “cinturão da ferrugem”. Neles, o velho industrialismo vegeta, desapareceu ou está em vias de desaparecimento. E os investimentos próprios da bidenomics, incentivadores de novas tecnologias, ainda não tiveram o tempo de mudar a paisagem desolada.

O tema da imigração tem sido o palco das afirmações mais desatinadas por parte de Donald Trump – o que, diga-se de passagem, também ocorre na Europa entre seus confrades da direita autoritária. Num lugar e no outro fala-se da hipótese paranoica de substituição da população por gente de etnia ou religião alheia à pretensa pureza dos locais. Numa nação do novo mundo, em que o jus solis naturalmente se afirmou e sucessivas ondas migratórias constituíram a massa da população, pode-se até apregoar – mentirosamente! – que os imigrantes são os responsáveis por todos os males, inclusive o sumiço de gatos, mas temos de convir que soa especialmente bizarro proclamar que “envenenam o sangue” nativo.

A ultradireita europeia criou o feio neologismo “remigração” para indicar o sonho desesperado de erguer uma fortaleza protegida dos bárbaros. A norte-americana propõe a deportação de um contingente imenso de pessoas sem documentos, não sem antes passar por confinamentos e campos de concentração. Tomado ao pé da letra, esse projeto daria inequívocos traços policialescos a toda a sociedade. Mesmo entre conservadores fiéis ao império da lei, há quem fale de fascismo ou fascistização, não hesitando em exumar a palavra terrível de um século atrás. Debates conceituais à parte, convém levar Trump a sério e verificar todas as possibilidades de involução civil – e crise civilizatória – implícitas na caça e expulsão de milhões de pessoas.

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Processos dramáticos como os citados, a saber, a reestruturação produtiva e a imigração de massas, são marcas da transformação que nos atinge em cheio. Há um elemento de verdade na constatação da falta de líderes à altura. A própria fragilidade de um político experiente, como Biden, pode servir como sinal dos tempos, em particular quando em contraste com a audácia de tiranos e tiranetes até no coração do Ocidente democrático. O mais certo, porém, é apontar as dificuldades da política, em geral, diante da velocidade das mudanças, empobrecendo a esfera pública e facilitando a manipulação massiva de indivíduos sem maiores referências culturais, econômicas ou de qualquer outro tipo. As soluções, então, ficam mais ou menos ao acaso, escapando à virtù humana e brotando caoticamente da fortuna que não controlamos.

*

TRADUTOR E ENSAÍSTA, É UM DOS ORGANIZADORES DAS OBRAS DE GRAMSCI NO BRASIL

Um lance de dados jamais abolirá o acaso, segundo o verso famoso, e tudo indica que o desfecho da eleição presidencial norte-americana seguirá o vaticínio nele implícito. Por força de dispositivo imaginado numa era anterior à plena afirmação da democracia de massas, de nada adiantará a soma total de votos de cada um dos candidatos, valendo antes a vitória nos colégios estaduais por margens provavelmente mais estreitas do que nunca. Nos tais Estados-pêndulo, alguns milhares de votos, que podem ser o fruto de circunstâncias fortuitas, acabarão por ter consequências que irão muito além dos Estados Unidos.

Fisicamente frágil e politicamente impopular, Joe Biden reviveu nestes anos a sina de que não basta ser, é preciso também parecer. Ele, bom presidente, não parece ser o que foi, ou tem sido, e sempre se paga caro por isso. Simbolicamente, seus atos inaugurais refletiram a ambição de recriar o reformismo forte de Franklin Roosevelt. A sede do governo, por sua vontade, logo de saída acolheu os bustos de gente como Luther King e Rosa Parks, ícones da luta pelos direitos civis, e de César Chávez, lendário sindicalista dos trabalhadores agrícolas. Nada mais significativo para alguém, como Biden, disposto a iniciar uma mudança de época nas relações entre política e economia, Estado e mercado, no rumo sugerido pelo governo Obama.

Muito alta, a ambição de Biden. Para concretizá-la, o roteiro consiste em tentar restabelecer sobre novas bases a grande coalizão democrata, em cuja dissolução se empenharam os republicanos a partir de Richard Nixon e, especialmente, Ronald Reagan, para não falar do recente populismo grosseiro de Donald Trump. Para tanto, uma ação de fôlego implica agora e nos próximos anos reatar os laços entre “intelectuais” e “simples”, cosmopolitas e nacionalistas, fechando uma das vias pelas quais ocorre uma sangria dos votos de trabalhadores de baixa qualificação em benefício dos republicanos da era Trump.

O ressentimento dos “perdedores” é o que tem permitido a expansão da extrema direita americana para além do terreno original constituído majoritariamente de cristãos brancos e conservadores. Uma fração considerável de negros e latinos torna-se suscetível à pregação extremista, uma vez perdida a identidade de classe garantida pelo trabalho e pelo sindicato. Não por acidente, a maioria dos Estados em que o equilíbrio de forças se mostra instável, dando espaço para vitórias por margem exígua, compõe o núcleo do “cinturão da ferrugem”. Neles, o velho industrialismo vegeta, desapareceu ou está em vias de desaparecimento. E os investimentos próprios da bidenomics, incentivadores de novas tecnologias, ainda não tiveram o tempo de mudar a paisagem desolada.

O tema da imigração tem sido o palco das afirmações mais desatinadas por parte de Donald Trump – o que, diga-se de passagem, também ocorre na Europa entre seus confrades da direita autoritária. Num lugar e no outro fala-se da hipótese paranoica de substituição da população por gente de etnia ou religião alheia à pretensa pureza dos locais. Numa nação do novo mundo, em que o jus solis naturalmente se afirmou e sucessivas ondas migratórias constituíram a massa da população, pode-se até apregoar – mentirosamente! – que os imigrantes são os responsáveis por todos os males, inclusive o sumiço de gatos, mas temos de convir que soa especialmente bizarro proclamar que “envenenam o sangue” nativo.

A ultradireita europeia criou o feio neologismo “remigração” para indicar o sonho desesperado de erguer uma fortaleza protegida dos bárbaros. A norte-americana propõe a deportação de um contingente imenso de pessoas sem documentos, não sem antes passar por confinamentos e campos de concentração. Tomado ao pé da letra, esse projeto daria inequívocos traços policialescos a toda a sociedade. Mesmo entre conservadores fiéis ao império da lei, há quem fale de fascismo ou fascistização, não hesitando em exumar a palavra terrível de um século atrás. Debates conceituais à parte, convém levar Trump a sério e verificar todas as possibilidades de involução civil – e crise civilizatória – implícitas na caça e expulsão de milhões de pessoas.

Processos dramáticos como os citados, a saber, a reestruturação produtiva e a imigração de massas, são marcas da transformação que nos atinge em cheio. Há um elemento de verdade na constatação da falta de líderes à altura. A própria fragilidade de um político experiente, como Biden, pode servir como sinal dos tempos, em particular quando em contraste com a audácia de tiranos e tiranetes até no coração do Ocidente democrático. O mais certo, porém, é apontar as dificuldades da política, em geral, diante da velocidade das mudanças, empobrecendo a esfera pública e facilitando a manipulação massiva de indivíduos sem maiores referências culturais, econômicas ou de qualquer outro tipo. As soluções, então, ficam mais ou menos ao acaso, escapando à virtù humana e brotando caoticamente da fortuna que não controlamos.

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TRADUTOR E ENSAÍSTA, É UM DOS ORGANIZADORES DAS OBRAS DE GRAMSCI NO BRASIL

Um lance de dados jamais abolirá o acaso, segundo o verso famoso, e tudo indica que o desfecho da eleição presidencial norte-americana seguirá o vaticínio nele implícito. Por força de dispositivo imaginado numa era anterior à plena afirmação da democracia de massas, de nada adiantará a soma total de votos de cada um dos candidatos, valendo antes a vitória nos colégios estaduais por margens provavelmente mais estreitas do que nunca. Nos tais Estados-pêndulo, alguns milhares de votos, que podem ser o fruto de circunstâncias fortuitas, acabarão por ter consequências que irão muito além dos Estados Unidos.

Fisicamente frágil e politicamente impopular, Joe Biden reviveu nestes anos a sina de que não basta ser, é preciso também parecer. Ele, bom presidente, não parece ser o que foi, ou tem sido, e sempre se paga caro por isso. Simbolicamente, seus atos inaugurais refletiram a ambição de recriar o reformismo forte de Franklin Roosevelt. A sede do governo, por sua vontade, logo de saída acolheu os bustos de gente como Luther King e Rosa Parks, ícones da luta pelos direitos civis, e de César Chávez, lendário sindicalista dos trabalhadores agrícolas. Nada mais significativo para alguém, como Biden, disposto a iniciar uma mudança de época nas relações entre política e economia, Estado e mercado, no rumo sugerido pelo governo Obama.

Muito alta, a ambição de Biden. Para concretizá-la, o roteiro consiste em tentar restabelecer sobre novas bases a grande coalizão democrata, em cuja dissolução se empenharam os republicanos a partir de Richard Nixon e, especialmente, Ronald Reagan, para não falar do recente populismo grosseiro de Donald Trump. Para tanto, uma ação de fôlego implica agora e nos próximos anos reatar os laços entre “intelectuais” e “simples”, cosmopolitas e nacionalistas, fechando uma das vias pelas quais ocorre uma sangria dos votos de trabalhadores de baixa qualificação em benefício dos republicanos da era Trump.

O ressentimento dos “perdedores” é o que tem permitido a expansão da extrema direita americana para além do terreno original constituído majoritariamente de cristãos brancos e conservadores. Uma fração considerável de negros e latinos torna-se suscetível à pregação extremista, uma vez perdida a identidade de classe garantida pelo trabalho e pelo sindicato. Não por acidente, a maioria dos Estados em que o equilíbrio de forças se mostra instável, dando espaço para vitórias por margem exígua, compõe o núcleo do “cinturão da ferrugem”. Neles, o velho industrialismo vegeta, desapareceu ou está em vias de desaparecimento. E os investimentos próprios da bidenomics, incentivadores de novas tecnologias, ainda não tiveram o tempo de mudar a paisagem desolada.

O tema da imigração tem sido o palco das afirmações mais desatinadas por parte de Donald Trump – o que, diga-se de passagem, também ocorre na Europa entre seus confrades da direita autoritária. Num lugar e no outro fala-se da hipótese paranoica de substituição da população por gente de etnia ou religião alheia à pretensa pureza dos locais. Numa nação do novo mundo, em que o jus solis naturalmente se afirmou e sucessivas ondas migratórias constituíram a massa da população, pode-se até apregoar – mentirosamente! – que os imigrantes são os responsáveis por todos os males, inclusive o sumiço de gatos, mas temos de convir que soa especialmente bizarro proclamar que “envenenam o sangue” nativo.

A ultradireita europeia criou o feio neologismo “remigração” para indicar o sonho desesperado de erguer uma fortaleza protegida dos bárbaros. A norte-americana propõe a deportação de um contingente imenso de pessoas sem documentos, não sem antes passar por confinamentos e campos de concentração. Tomado ao pé da letra, esse projeto daria inequívocos traços policialescos a toda a sociedade. Mesmo entre conservadores fiéis ao império da lei, há quem fale de fascismo ou fascistização, não hesitando em exumar a palavra terrível de um século atrás. Debates conceituais à parte, convém levar Trump a sério e verificar todas as possibilidades de involução civil – e crise civilizatória – implícitas na caça e expulsão de milhões de pessoas.

Processos dramáticos como os citados, a saber, a reestruturação produtiva e a imigração de massas, são marcas da transformação que nos atinge em cheio. Há um elemento de verdade na constatação da falta de líderes à altura. A própria fragilidade de um político experiente, como Biden, pode servir como sinal dos tempos, em particular quando em contraste com a audácia de tiranos e tiranetes até no coração do Ocidente democrático. O mais certo, porém, é apontar as dificuldades da política, em geral, diante da velocidade das mudanças, empobrecendo a esfera pública e facilitando a manipulação massiva de indivíduos sem maiores referências culturais, econômicas ou de qualquer outro tipo. As soluções, então, ficam mais ou menos ao acaso, escapando à virtù humana e brotando caoticamente da fortuna que não controlamos.

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TRADUTOR E ENSAÍSTA, É UM DOS ORGANIZADORES DAS OBRAS DE GRAMSCI NO BRASIL

Um lance de dados jamais abolirá o acaso, segundo o verso famoso, e tudo indica que o desfecho da eleição presidencial norte-americana seguirá o vaticínio nele implícito. Por força de dispositivo imaginado numa era anterior à plena afirmação da democracia de massas, de nada adiantará a soma total de votos de cada um dos candidatos, valendo antes a vitória nos colégios estaduais por margens provavelmente mais estreitas do que nunca. Nos tais Estados-pêndulo, alguns milhares de votos, que podem ser o fruto de circunstâncias fortuitas, acabarão por ter consequências que irão muito além dos Estados Unidos.

Fisicamente frágil e politicamente impopular, Joe Biden reviveu nestes anos a sina de que não basta ser, é preciso também parecer. Ele, bom presidente, não parece ser o que foi, ou tem sido, e sempre se paga caro por isso. Simbolicamente, seus atos inaugurais refletiram a ambição de recriar o reformismo forte de Franklin Roosevelt. A sede do governo, por sua vontade, logo de saída acolheu os bustos de gente como Luther King e Rosa Parks, ícones da luta pelos direitos civis, e de César Chávez, lendário sindicalista dos trabalhadores agrícolas. Nada mais significativo para alguém, como Biden, disposto a iniciar uma mudança de época nas relações entre política e economia, Estado e mercado, no rumo sugerido pelo governo Obama.

Muito alta, a ambição de Biden. Para concretizá-la, o roteiro consiste em tentar restabelecer sobre novas bases a grande coalizão democrata, em cuja dissolução se empenharam os republicanos a partir de Richard Nixon e, especialmente, Ronald Reagan, para não falar do recente populismo grosseiro de Donald Trump. Para tanto, uma ação de fôlego implica agora e nos próximos anos reatar os laços entre “intelectuais” e “simples”, cosmopolitas e nacionalistas, fechando uma das vias pelas quais ocorre uma sangria dos votos de trabalhadores de baixa qualificação em benefício dos republicanos da era Trump.

O ressentimento dos “perdedores” é o que tem permitido a expansão da extrema direita americana para além do terreno original constituído majoritariamente de cristãos brancos e conservadores. Uma fração considerável de negros e latinos torna-se suscetível à pregação extremista, uma vez perdida a identidade de classe garantida pelo trabalho e pelo sindicato. Não por acidente, a maioria dos Estados em que o equilíbrio de forças se mostra instável, dando espaço para vitórias por margem exígua, compõe o núcleo do “cinturão da ferrugem”. Neles, o velho industrialismo vegeta, desapareceu ou está em vias de desaparecimento. E os investimentos próprios da bidenomics, incentivadores de novas tecnologias, ainda não tiveram o tempo de mudar a paisagem desolada.

O tema da imigração tem sido o palco das afirmações mais desatinadas por parte de Donald Trump – o que, diga-se de passagem, também ocorre na Europa entre seus confrades da direita autoritária. Num lugar e no outro fala-se da hipótese paranoica de substituição da população por gente de etnia ou religião alheia à pretensa pureza dos locais. Numa nação do novo mundo, em que o jus solis naturalmente se afirmou e sucessivas ondas migratórias constituíram a massa da população, pode-se até apregoar – mentirosamente! – que os imigrantes são os responsáveis por todos os males, inclusive o sumiço de gatos, mas temos de convir que soa especialmente bizarro proclamar que “envenenam o sangue” nativo.

A ultradireita europeia criou o feio neologismo “remigração” para indicar o sonho desesperado de erguer uma fortaleza protegida dos bárbaros. A norte-americana propõe a deportação de um contingente imenso de pessoas sem documentos, não sem antes passar por confinamentos e campos de concentração. Tomado ao pé da letra, esse projeto daria inequívocos traços policialescos a toda a sociedade. Mesmo entre conservadores fiéis ao império da lei, há quem fale de fascismo ou fascistização, não hesitando em exumar a palavra terrível de um século atrás. Debates conceituais à parte, convém levar Trump a sério e verificar todas as possibilidades de involução civil – e crise civilizatória – implícitas na caça e expulsão de milhões de pessoas.

Processos dramáticos como os citados, a saber, a reestruturação produtiva e a imigração de massas, são marcas da transformação que nos atinge em cheio. Há um elemento de verdade na constatação da falta de líderes à altura. A própria fragilidade de um político experiente, como Biden, pode servir como sinal dos tempos, em particular quando em contraste com a audácia de tiranos e tiranetes até no coração do Ocidente democrático. O mais certo, porém, é apontar as dificuldades da política, em geral, diante da velocidade das mudanças, empobrecendo a esfera pública e facilitando a manipulação massiva de indivíduos sem maiores referências culturais, econômicas ou de qualquer outro tipo. As soluções, então, ficam mais ou menos ao acaso, escapando à virtù humana e brotando caoticamente da fortuna que não controlamos.

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TRADUTOR E ENSAÍSTA, É UM DOS ORGANIZADORES DAS OBRAS DE GRAMSCI NO BRASIL

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