A Moody’s deu um upgrade na nota de classificação de risco do Brasil, deixando o País a um passo do grau de investimento, mas já há quem vaticine que haverá novo rebaixamento em dois ou três anos, em razão da constatação óbvia de que o crescimento brasileiro, que respaldou a avaliação da agência classificadora, está sendo puxado pelo aumento dos gastos públicos e, por isso mesmo, é insustentável.
“É um crescimento de uma economia a pleno-emprego, turbinado pelos gastos públicos, com salários correndo além da produtividade do trabalho, exportações líquidas como proporção do PIB em queda e rentabilidade das empresas em queda. Tudo isso aponta para uma trajetória de crescimento insustentável”, disse ao Estadão o economista Samuel Pessoa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).
“O Brasil está correndo severo risco fiscal”, alertou Márcio Holland, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda durante todo o primeiro mandato de Dilma, de 2011 a 2014. Em entrevista ao jornal Valor, Holland lembrou que em 2012 os problemas fiscais que levariam à recessão já eram “identificáveis”. Mas naquela época, disse o economista, o governo foi adiando medidas dolorosas de ajuste para não comprometer a popularidade de Dilma. O mesmo está acontecendo agora: “Nós estamos adiando um ajuste fiscal. E eu estou antecipando, com riscos de análise, que, como há eleições em 2026, (...) existe uma chance de a gente adiar esse ajuste de novo”.
Para Holland, “a gente vai ter um Lula 3 muito parecido com Dilma 1, que foi um período em que, em certo momento, já havia a necessidade de ajuste fiscal”. Samuel Pessoa é ainda mais pessimista: “É um cenário muito parecido com o governo Dilma 2″ – aquele em que o Brasil mergulhou na recessão. Mas Pessoa considera que a desorganização da economia não começou com Dilma, e sim com o próprio Lula em seu segundo mandato. Ou seja, o descuido com o equilíbrio fiscal é uma espécie de marca registrada do lulopetismo, que Dilma apenas acentuou em razão de suas teimosias ideológicas.
A negligência com a política fiscal se traduz na escalada do endividamento público a um ritmo que impressiona, devendo chegar a até 82% do PIB em 2026, um nível de comprometimento muito superior ao dos países emergentes. Tudo isso num cenário de juros altos e sem uma arrecadação que garanta solvência. Caso a projeção se confirme, o governo Lula da Silva deixará como saldo um aumento de 14 pontos porcentuais do PIB para a dívida. “E não conseguimos enxergar nenhum processo de estabilização, de reversão dessa tendência”, afirma Pessoa.
Não foi à toa, portanto, que a avaliação otimista da Moody’s surpreendeu todo o mercado. “A Moody’s deu um voto de confiança muito grande ao governo”, disse ao Valor Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG-Pactual e que de 2016 a 2020 ocupou as secretarias de Acompanhamento Econômico e do Tesouro Nacional. Mansueto pôs em dúvida a capacidade do governo de tomar medidas para fortalecer o arcabouço fiscal, de modo a conquistar o desejado grau de investimento, como recomendou a Moody’s. “É uma incerteza. Já há acordo político? Qual a concordância, na base do governo, com essas medidas, e quais são elas? A gente escuta da área econômica que há, sim, um esforço e que, possivelmente, serão apresentadas medidas para mudar a dinâmica do gasto obrigatório, mas ninguém sabe quais são essas medidas.”
Assim, é compreensível o comedimento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que, em vez de comemorações efusivas, preferiu aproveitar a deixa para pedir ao “governo como um todo” – Lula inclusive – que leve a sério a necessidade de equilíbrio fiscal. O que se tem visto até aqui, no entanto, é uma batalha quase solitária de Haddad e sua equipe para fechar as contas. O problema é que, num governo notoriamente gastador, sobrou para o ministro basear seu esforço na arrecadação – mas esse espaço, politicamente, já acabou.