A proposta de usar dinheiro do Fundo Garantidor de Operações (FGO) para socorrer empresas aéreas, em estudo no governo, é uma prova de que o improviso e a esperteza na realocação de recursos públicos ao sabor dos interesses do momento desconhecem limites. E se impedimentos legais são obstáculo às intenções do governo, a solução é tão simples quanto questionável: se a lei não permite, muda-se a lei.
O FGO foi criado pela Lei 2.087/2009 com a finalidade específica de complementar garantias exigidas pelos bancos em financiamentos a micro, pequenas e médias empresas, para o microempreendedor individual (MEI) e caminhoneiros. O escopo financeiro das empresas aptas ao uso do fundo prevê faturamento anual entre R$ 360 mil e R$ 300 milhões (receita bruta), uma realidade infinitamente distante da contabilidade das companhias aéreas.
Em 2023, as três maiores aéreas nacionais – Latam, Gol e Azul – faturaram em vendas de passagens entre R$ 1,81 bilhão e R$ 1,99 bilhão. Ou seja, nem com a maior benevolência do mundo poderiam se candidatar ao FGO, principal fonte de recursos do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), gerido pelo BB. O programa foi criado durante a pandemia para desburocratizar a concessão de empréstimos aos pequenos empresários asfixiados pela seca de crédito bancário.
O governo se mostra empenhado em socorrer as empresas aéreas desde o início da terceira gestão lulopetista, numa campanha envolta em objetivos populistas de ofertar passagens baratas para “fazer o pobre andar de avião”, como já disse o próprio Lula da Silva, ávido por alegorias que o identifiquem como padrinho dos pobres.
Até agora nenhuma das tentativas de socorro prosperou por absoluta falta de garantias das companhias para pagar os financiamentos vultosos que pleiteiam. O próprio BNDES refutou a criação de linha especial de crédito que seria um salto no escuro e um sério risco de governança – como, por exemplo, aceitar como garantia horários de pouso e decolagem (slots) aos quais as empresas têm direito nos aeroportos, ideia que desafia o bom senso.
Inabalável em sua tarefa de atender aos anseios do chefe, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, continua farejando saídas para o seu “pacote aéreo”. E foi com naturalidade impressionante que anunciou a possibilidade de uso do dinheiro do FGO, que não representaria custo fiscal por já ter recursos em caixa. “Vai sair”, garante o ministro, ignorando leis, estatutos e, principalmente, a escala de prioridades de políticas públicas da qual, com certeza, “andar de avião” não faz parte.
Quanto mais o governo se esmera em criar mecanismos para abrir o acesso a recursos – subsidiados – que giram em torno de R$ 6 bilhões às empresas aéreas, mais incoerente parece o esforço, diante de questões tão mais urgentes para o cidadão brasileiro. Não cabe ao governo tutelar este ou aquele setor privado, mas sim desenvolver políticas para o bem-estar público, em educação, saúde, segurança, infraestrutura – enfim, garantir desenvolvimento econômico e social.
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CORREÇÃO
No editorial Mais uma proposta indecente (14/3, B6), a administração do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), com uso do Fundo Garantidor de Operações (FGO), foi incorretamente atribuída ao BNDES. Na verdade, a gestão é do Banco do Brasil, e os valores corretos de faturamento anual das empresas aptas ao programa variam de R$ 360 mil a R$ 300 milhões (receita bruta).