Vem ganhando corpo a discussão sobre a proposta de alterar a Constituição para criar mandato com prazo fixo para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Recentemente, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, citou a ideia entre as prioridades legislativas deste ano. A proposta é vista por muitos como um modo de reduzir o poder do Supremo, ampliando o controle do Executivo e do Legislativo sobre a composição da Corte. Com uma maior rotatividade dos ministros, os representantes eleitos – no caso, o presidente da República que indica os nomes para a Corte e os senadores que fazem a sabatina – teriam maior influência sobre o STF.
É preciso calma na análise da proposta. Nos tempos atuais, o STF tem dois grandes desafios: manter distância da política – ter uma atuação jurídica conscienciosa, que não invada o campo da política – e produzir jurisprudência com estabilidade. Mandato fixo, gerando maior rotatividade dos ministros, pode produzir o efeito contrário.
Por exemplo, uma das hipóteses ventiladas é a de fixar mandato de ministro do Supremo em oito anos. Com isso, a cada mandato presidencial, que dura quatro anos, metade do STF seria trocada. Isso significaria vincular definitivamente o Supremo aos tempos da política, numa relação que pode inviabilizar o papel contramajoritário da Corte em defesa da Constituição. O desenho institucional de uma Corte constitucional deve assegurar que ela não fique atrelada à política ou às maiorias parlamentares.
Com a troca de metade do STF a cada quatro anos, muito provavelmente as eleições para o Executivo e o Legislativo federais se transformariam também em eleições a respeito do Supremo, sujeitando a Corte à lógica da política. A ocorrência de tal fenômeno significaria corromper o princípio da separação dos Poderes, aspecto fundamental do Estado Democrático de Direito. Para ser apto a cumprir sua função, o Judiciário tem de ser independente da política.
Não é uma independência absoluta. Tanto é assim que os ministros do Supremo são indicados pelo presidente da República e passam pelo crivo do Senado. No entanto, uma vez que os ministros são empossados, a vitaliciedade do cargo proporciona uma nova dinâmica, mantendo a Corte apartada da lógica majoritária própria da política. Estabelecer mandato fixo, especialmente se for menor do que uma década, altera essa virtuosa sistemática.
Mas o mais imediato (e grave) problema do mandato com tempo certo para ministro do STF relaciona-se à questão da estabilidade da jurisprudência. Há na proposta um erro de perspectiva. Pensar que se melhora o Supremo aumentando a rotatividade de seus integrantes, além de impedir qualquer possibilidade de segurança jurídica, significa entender a colegialidade da Corte como simples expressão do placar da composição de cada momento.
É antirrepublicana a ideia de que o mandato fixo de ministro do STF seria positivo porque, caso a população (ou determinado grupo político) não goste de determinada decisão do Supremo, será mais fácil alterá-la, uma vez que a composição da Corte será modificada logo adiante. O papel do Supremo não é atender aos gostos da maioria ou do poder político. E isso tem uma profunda razão de ser: o Direito não é mera expressão da maioria momentânea ou do poder político. A consequência é cristalina. Só há efetivo respeito à Constituição com uma jurisprudência estável, não submissa aos ciclos políticos.
Apontar os riscos da proposta de mandato fixo não significa aplaudir irrestritamente o funcionamento atual do STF. Há muita coisa a corrigir e a melhorar. É preciso, por exemplo, tornar efetivas as novas disposições regimentais sobre pedido de vista e decisões liminares. Também é necessário que os ministros falem apenas nos autos e sejam rigorosos na compreensão de suas competências.
Nos últimos anos, cumprindo seu papel, o Supremo fez valer, em situações muito especiais, os limites constitucionais, o que gerou resistências significativas. Mas a pressão por mudanças no STF expressa também anseios legítimos. Os ministros do STF, por darem a última palavra, têm de ser magistrados exemplares.