Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Anticomunismo de conveniência


O anticomunismo tem funcionado, entre nós, como combustível para diferentes modalidades de autoritarismo

Por Marco Aurélio Nogueira

Pesquisa realizada pelo Ipec e divulgada em O Globo (19/3) causou certo impacto ao indicar que 44% dos brasileiros acreditam que, com a eleição de Lula, aumentou o risco de se configurar uma “ameaça comunista” no Brasil.

Não é de surpreender. Toda vez que se falou em reformas, distribuição de renda e redução da desigualdade no Brasil, agitou-se a bandeira do anticomunismo. Foi assim no golpe de 1964, por exemplo. Políticos reacionários, populistas de extrema direita e conservadores pouco esclarecidos têm-se valido de uma imagem fantasmagórica do comunismo para induzir a população a acreditar que os comunistas estão atrás da porta, prontos para comer criancinhas. Bolsonaro fez isso em seu governo.

Nos últimos tempos, algumas coisas complicaram o argumento.

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Por um lado, o comunismo desapareceu como proposta política, junto com a crise do bloco soviético e as transformações da hipermodernidade. Hoje ele pertence ao passado. Tem sua dignidade filosófica, mas não tem mais quem lhe dê propulsão. Sumiram os proletários industriais que davam base aos partidos comunistas e estes, por sua vez, não conseguiram se renovar. Foram desaparecendo ou se transfigurando em personagens de que não se tem uma imagem clara. Não há nenhuma revolução no mundo sendo planejada com programas comunistas.

Por outro lado, o conservadorismo avançou pelo terreno religioso. O pentecostalismo evangélico quebrou o monopólio da Igreja Católica e impôs novas pautas de costumes e novas maneiras de enxergar o mundo. Uma espécie de terraplanismo genérico e negacionista cresceu por esta senda, sendo rapidamente capturado pela extrema direita, com suas taras e suas falsificações simplificadoras.

Para complicar ainda mais, a desagregação da classe operária tradicional e a crise do trabalho fizeram-se acompanhar da ideia de empreendedorismo plantada pelo neoliberalismo e que aos poucos foi ganhando vida própria. A maioria dos trabalhadores brasileiros sonha em ter seu próprio negócio, ver-se livre de patrões e horários impostos, ser um pequeno empresário. É um empreendedorismo refratário ao Estado, a programas de estatização, a regras coercitivas, a tributos excessivos, vistos como cerceadores da liberdade econômica e, por extensão, como “comunistas”.

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Acrescente-se a isso a ojeriza da opinião pública a regimes autocráticos como os de Maduro e Ortega, que são criticados por serem “comunistas”, embora não tenham coisa alguma que ver com comunismo.

O anticomunismo tem funcionado, entre nós, como combustível para diferentes modalidades de autoritarismo: um expediente tosco, cômodo e conveniente para contestar o sistema democrático e as reformas sociais. O golpismo bolsonarista o reforçou, valendo-se da instrumentalização das mídias sociais e de campanhas contra a esquerda e a democracia, que atacaram principalmente o PT, único partido brasileiro com alguma base popular.

Muitos comunistas ajudaram a forjar este caldo de cultura, com suas pregações maximalistas, seus exageros retóricos, sua incapacidade de ouvir a sociedade e se ajustar aos tempos. Nos últimos anos, os democratas também deram sua contribuição, ao se entregarem a disputas estéreis e polarizações artificiais no próprio terreno da democracia. Enquanto petistas e tucanos brigavam para saber quem era mais reformista, a extrema direita se expandia e o sistema político enferrujava. O anticomunismo reapareceu na esteira desse processo.

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Hoje, não há mais comunismo, mas a esquerda continua viva. Chega aos governos por via eleitoral, mas não dispõe de um programa concatenado para gerir o capitalismo e responder com inteligência às demandas sociais. Muitas vezes, perde-se nos meandros de um identitarismo exacerbado, com o que preserva certos nichos eleitorais, mas entra em atrito com as grandes maiorias conservadoras, assustando-as com propostas emancipadoras e libertárias. Não são poucos os que temem que a insistência em temas identitários leve à adoção de programas contrários à família, à liberdade religiosa e à educação moral dos jovens.

Diferentemente da extrema direita, a esquerda brasileira interage de modo negativo com o conservadorismo, que tem raízes longínquas e foi turbinado pelas igrejas neopentecostais, que, em muitos casos, fornecem a seus fiéis um acolhimento e um suporte que o Estado não consegue prover.

A extrema direita estigmatiza a “ameaça comunista” porque deseja bloquear as transformações que preparam o futuro. É um reacionarismo que não sabe lidar com as mudanças frenéticas dos nossos dias e que só pode sobreviver escondendo-se em redes e nichos fanatizados, de onde vende ilusões, fabrica maldades e conspira.

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O anticomunismo tem bases materiais, políticas e socioculturais. De algum modo, tornou-se uma ameaça à democracia e às liberdades. Não será varrido no plano retórico. O combate a ele precisa ser feito no longo prazo, centrado na educação, na institucionalidade democrática, nos direitos, na governança positiva e em boas políticas públicas.

*

PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA DA UNESP

Pesquisa realizada pelo Ipec e divulgada em O Globo (19/3) causou certo impacto ao indicar que 44% dos brasileiros acreditam que, com a eleição de Lula, aumentou o risco de se configurar uma “ameaça comunista” no Brasil.

Não é de surpreender. Toda vez que se falou em reformas, distribuição de renda e redução da desigualdade no Brasil, agitou-se a bandeira do anticomunismo. Foi assim no golpe de 1964, por exemplo. Políticos reacionários, populistas de extrema direita e conservadores pouco esclarecidos têm-se valido de uma imagem fantasmagórica do comunismo para induzir a população a acreditar que os comunistas estão atrás da porta, prontos para comer criancinhas. Bolsonaro fez isso em seu governo.

Nos últimos tempos, algumas coisas complicaram o argumento.

Por um lado, o comunismo desapareceu como proposta política, junto com a crise do bloco soviético e as transformações da hipermodernidade. Hoje ele pertence ao passado. Tem sua dignidade filosófica, mas não tem mais quem lhe dê propulsão. Sumiram os proletários industriais que davam base aos partidos comunistas e estes, por sua vez, não conseguiram se renovar. Foram desaparecendo ou se transfigurando em personagens de que não se tem uma imagem clara. Não há nenhuma revolução no mundo sendo planejada com programas comunistas.

Por outro lado, o conservadorismo avançou pelo terreno religioso. O pentecostalismo evangélico quebrou o monopólio da Igreja Católica e impôs novas pautas de costumes e novas maneiras de enxergar o mundo. Uma espécie de terraplanismo genérico e negacionista cresceu por esta senda, sendo rapidamente capturado pela extrema direita, com suas taras e suas falsificações simplificadoras.

Para complicar ainda mais, a desagregação da classe operária tradicional e a crise do trabalho fizeram-se acompanhar da ideia de empreendedorismo plantada pelo neoliberalismo e que aos poucos foi ganhando vida própria. A maioria dos trabalhadores brasileiros sonha em ter seu próprio negócio, ver-se livre de patrões e horários impostos, ser um pequeno empresário. É um empreendedorismo refratário ao Estado, a programas de estatização, a regras coercitivas, a tributos excessivos, vistos como cerceadores da liberdade econômica e, por extensão, como “comunistas”.

Acrescente-se a isso a ojeriza da opinião pública a regimes autocráticos como os de Maduro e Ortega, que são criticados por serem “comunistas”, embora não tenham coisa alguma que ver com comunismo.

O anticomunismo tem funcionado, entre nós, como combustível para diferentes modalidades de autoritarismo: um expediente tosco, cômodo e conveniente para contestar o sistema democrático e as reformas sociais. O golpismo bolsonarista o reforçou, valendo-se da instrumentalização das mídias sociais e de campanhas contra a esquerda e a democracia, que atacaram principalmente o PT, único partido brasileiro com alguma base popular.

Muitos comunistas ajudaram a forjar este caldo de cultura, com suas pregações maximalistas, seus exageros retóricos, sua incapacidade de ouvir a sociedade e se ajustar aos tempos. Nos últimos anos, os democratas também deram sua contribuição, ao se entregarem a disputas estéreis e polarizações artificiais no próprio terreno da democracia. Enquanto petistas e tucanos brigavam para saber quem era mais reformista, a extrema direita se expandia e o sistema político enferrujava. O anticomunismo reapareceu na esteira desse processo.

Hoje, não há mais comunismo, mas a esquerda continua viva. Chega aos governos por via eleitoral, mas não dispõe de um programa concatenado para gerir o capitalismo e responder com inteligência às demandas sociais. Muitas vezes, perde-se nos meandros de um identitarismo exacerbado, com o que preserva certos nichos eleitorais, mas entra em atrito com as grandes maiorias conservadoras, assustando-as com propostas emancipadoras e libertárias. Não são poucos os que temem que a insistência em temas identitários leve à adoção de programas contrários à família, à liberdade religiosa e à educação moral dos jovens.

Diferentemente da extrema direita, a esquerda brasileira interage de modo negativo com o conservadorismo, que tem raízes longínquas e foi turbinado pelas igrejas neopentecostais, que, em muitos casos, fornecem a seus fiéis um acolhimento e um suporte que o Estado não consegue prover.

A extrema direita estigmatiza a “ameaça comunista” porque deseja bloquear as transformações que preparam o futuro. É um reacionarismo que não sabe lidar com as mudanças frenéticas dos nossos dias e que só pode sobreviver escondendo-se em redes e nichos fanatizados, de onde vende ilusões, fabrica maldades e conspira.

O anticomunismo tem bases materiais, políticas e socioculturais. De algum modo, tornou-se uma ameaça à democracia e às liberdades. Não será varrido no plano retórico. O combate a ele precisa ser feito no longo prazo, centrado na educação, na institucionalidade democrática, nos direitos, na governança positiva e em boas políticas públicas.

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PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA DA UNESP

Pesquisa realizada pelo Ipec e divulgada em O Globo (19/3) causou certo impacto ao indicar que 44% dos brasileiros acreditam que, com a eleição de Lula, aumentou o risco de se configurar uma “ameaça comunista” no Brasil.

Não é de surpreender. Toda vez que se falou em reformas, distribuição de renda e redução da desigualdade no Brasil, agitou-se a bandeira do anticomunismo. Foi assim no golpe de 1964, por exemplo. Políticos reacionários, populistas de extrema direita e conservadores pouco esclarecidos têm-se valido de uma imagem fantasmagórica do comunismo para induzir a população a acreditar que os comunistas estão atrás da porta, prontos para comer criancinhas. Bolsonaro fez isso em seu governo.

Nos últimos tempos, algumas coisas complicaram o argumento.

Por um lado, o comunismo desapareceu como proposta política, junto com a crise do bloco soviético e as transformações da hipermodernidade. Hoje ele pertence ao passado. Tem sua dignidade filosófica, mas não tem mais quem lhe dê propulsão. Sumiram os proletários industriais que davam base aos partidos comunistas e estes, por sua vez, não conseguiram se renovar. Foram desaparecendo ou se transfigurando em personagens de que não se tem uma imagem clara. Não há nenhuma revolução no mundo sendo planejada com programas comunistas.

Por outro lado, o conservadorismo avançou pelo terreno religioso. O pentecostalismo evangélico quebrou o monopólio da Igreja Católica e impôs novas pautas de costumes e novas maneiras de enxergar o mundo. Uma espécie de terraplanismo genérico e negacionista cresceu por esta senda, sendo rapidamente capturado pela extrema direita, com suas taras e suas falsificações simplificadoras.

Para complicar ainda mais, a desagregação da classe operária tradicional e a crise do trabalho fizeram-se acompanhar da ideia de empreendedorismo plantada pelo neoliberalismo e que aos poucos foi ganhando vida própria. A maioria dos trabalhadores brasileiros sonha em ter seu próprio negócio, ver-se livre de patrões e horários impostos, ser um pequeno empresário. É um empreendedorismo refratário ao Estado, a programas de estatização, a regras coercitivas, a tributos excessivos, vistos como cerceadores da liberdade econômica e, por extensão, como “comunistas”.

Acrescente-se a isso a ojeriza da opinião pública a regimes autocráticos como os de Maduro e Ortega, que são criticados por serem “comunistas”, embora não tenham coisa alguma que ver com comunismo.

O anticomunismo tem funcionado, entre nós, como combustível para diferentes modalidades de autoritarismo: um expediente tosco, cômodo e conveniente para contestar o sistema democrático e as reformas sociais. O golpismo bolsonarista o reforçou, valendo-se da instrumentalização das mídias sociais e de campanhas contra a esquerda e a democracia, que atacaram principalmente o PT, único partido brasileiro com alguma base popular.

Muitos comunistas ajudaram a forjar este caldo de cultura, com suas pregações maximalistas, seus exageros retóricos, sua incapacidade de ouvir a sociedade e se ajustar aos tempos. Nos últimos anos, os democratas também deram sua contribuição, ao se entregarem a disputas estéreis e polarizações artificiais no próprio terreno da democracia. Enquanto petistas e tucanos brigavam para saber quem era mais reformista, a extrema direita se expandia e o sistema político enferrujava. O anticomunismo reapareceu na esteira desse processo.

Hoje, não há mais comunismo, mas a esquerda continua viva. Chega aos governos por via eleitoral, mas não dispõe de um programa concatenado para gerir o capitalismo e responder com inteligência às demandas sociais. Muitas vezes, perde-se nos meandros de um identitarismo exacerbado, com o que preserva certos nichos eleitorais, mas entra em atrito com as grandes maiorias conservadoras, assustando-as com propostas emancipadoras e libertárias. Não são poucos os que temem que a insistência em temas identitários leve à adoção de programas contrários à família, à liberdade religiosa e à educação moral dos jovens.

Diferentemente da extrema direita, a esquerda brasileira interage de modo negativo com o conservadorismo, que tem raízes longínquas e foi turbinado pelas igrejas neopentecostais, que, em muitos casos, fornecem a seus fiéis um acolhimento e um suporte que o Estado não consegue prover.

A extrema direita estigmatiza a “ameaça comunista” porque deseja bloquear as transformações que preparam o futuro. É um reacionarismo que não sabe lidar com as mudanças frenéticas dos nossos dias e que só pode sobreviver escondendo-se em redes e nichos fanatizados, de onde vende ilusões, fabrica maldades e conspira.

O anticomunismo tem bases materiais, políticas e socioculturais. De algum modo, tornou-se uma ameaça à democracia e às liberdades. Não será varrido no plano retórico. O combate a ele precisa ser feito no longo prazo, centrado na educação, na institucionalidade democrática, nos direitos, na governança positiva e em boas políticas públicas.

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PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA DA UNESP

Pesquisa realizada pelo Ipec e divulgada em O Globo (19/3) causou certo impacto ao indicar que 44% dos brasileiros acreditam que, com a eleição de Lula, aumentou o risco de se configurar uma “ameaça comunista” no Brasil.

Não é de surpreender. Toda vez que se falou em reformas, distribuição de renda e redução da desigualdade no Brasil, agitou-se a bandeira do anticomunismo. Foi assim no golpe de 1964, por exemplo. Políticos reacionários, populistas de extrema direita e conservadores pouco esclarecidos têm-se valido de uma imagem fantasmagórica do comunismo para induzir a população a acreditar que os comunistas estão atrás da porta, prontos para comer criancinhas. Bolsonaro fez isso em seu governo.

Nos últimos tempos, algumas coisas complicaram o argumento.

Por um lado, o comunismo desapareceu como proposta política, junto com a crise do bloco soviético e as transformações da hipermodernidade. Hoje ele pertence ao passado. Tem sua dignidade filosófica, mas não tem mais quem lhe dê propulsão. Sumiram os proletários industriais que davam base aos partidos comunistas e estes, por sua vez, não conseguiram se renovar. Foram desaparecendo ou se transfigurando em personagens de que não se tem uma imagem clara. Não há nenhuma revolução no mundo sendo planejada com programas comunistas.

Por outro lado, o conservadorismo avançou pelo terreno religioso. O pentecostalismo evangélico quebrou o monopólio da Igreja Católica e impôs novas pautas de costumes e novas maneiras de enxergar o mundo. Uma espécie de terraplanismo genérico e negacionista cresceu por esta senda, sendo rapidamente capturado pela extrema direita, com suas taras e suas falsificações simplificadoras.

Para complicar ainda mais, a desagregação da classe operária tradicional e a crise do trabalho fizeram-se acompanhar da ideia de empreendedorismo plantada pelo neoliberalismo e que aos poucos foi ganhando vida própria. A maioria dos trabalhadores brasileiros sonha em ter seu próprio negócio, ver-se livre de patrões e horários impostos, ser um pequeno empresário. É um empreendedorismo refratário ao Estado, a programas de estatização, a regras coercitivas, a tributos excessivos, vistos como cerceadores da liberdade econômica e, por extensão, como “comunistas”.

Acrescente-se a isso a ojeriza da opinião pública a regimes autocráticos como os de Maduro e Ortega, que são criticados por serem “comunistas”, embora não tenham coisa alguma que ver com comunismo.

O anticomunismo tem funcionado, entre nós, como combustível para diferentes modalidades de autoritarismo: um expediente tosco, cômodo e conveniente para contestar o sistema democrático e as reformas sociais. O golpismo bolsonarista o reforçou, valendo-se da instrumentalização das mídias sociais e de campanhas contra a esquerda e a democracia, que atacaram principalmente o PT, único partido brasileiro com alguma base popular.

Muitos comunistas ajudaram a forjar este caldo de cultura, com suas pregações maximalistas, seus exageros retóricos, sua incapacidade de ouvir a sociedade e se ajustar aos tempos. Nos últimos anos, os democratas também deram sua contribuição, ao se entregarem a disputas estéreis e polarizações artificiais no próprio terreno da democracia. Enquanto petistas e tucanos brigavam para saber quem era mais reformista, a extrema direita se expandia e o sistema político enferrujava. O anticomunismo reapareceu na esteira desse processo.

Hoje, não há mais comunismo, mas a esquerda continua viva. Chega aos governos por via eleitoral, mas não dispõe de um programa concatenado para gerir o capitalismo e responder com inteligência às demandas sociais. Muitas vezes, perde-se nos meandros de um identitarismo exacerbado, com o que preserva certos nichos eleitorais, mas entra em atrito com as grandes maiorias conservadoras, assustando-as com propostas emancipadoras e libertárias. Não são poucos os que temem que a insistência em temas identitários leve à adoção de programas contrários à família, à liberdade religiosa e à educação moral dos jovens.

Diferentemente da extrema direita, a esquerda brasileira interage de modo negativo com o conservadorismo, que tem raízes longínquas e foi turbinado pelas igrejas neopentecostais, que, em muitos casos, fornecem a seus fiéis um acolhimento e um suporte que o Estado não consegue prover.

A extrema direita estigmatiza a “ameaça comunista” porque deseja bloquear as transformações que preparam o futuro. É um reacionarismo que não sabe lidar com as mudanças frenéticas dos nossos dias e que só pode sobreviver escondendo-se em redes e nichos fanatizados, de onde vende ilusões, fabrica maldades e conspira.

O anticomunismo tem bases materiais, políticas e socioculturais. De algum modo, tornou-se uma ameaça à democracia e às liberdades. Não será varrido no plano retórico. O combate a ele precisa ser feito no longo prazo, centrado na educação, na institucionalidade democrática, nos direitos, na governança positiva e em boas políticas públicas.

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PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA DA UNESP

Pesquisa realizada pelo Ipec e divulgada em O Globo (19/3) causou certo impacto ao indicar que 44% dos brasileiros acreditam que, com a eleição de Lula, aumentou o risco de se configurar uma “ameaça comunista” no Brasil.

Não é de surpreender. Toda vez que se falou em reformas, distribuição de renda e redução da desigualdade no Brasil, agitou-se a bandeira do anticomunismo. Foi assim no golpe de 1964, por exemplo. Políticos reacionários, populistas de extrema direita e conservadores pouco esclarecidos têm-se valido de uma imagem fantasmagórica do comunismo para induzir a população a acreditar que os comunistas estão atrás da porta, prontos para comer criancinhas. Bolsonaro fez isso em seu governo.

Nos últimos tempos, algumas coisas complicaram o argumento.

Por um lado, o comunismo desapareceu como proposta política, junto com a crise do bloco soviético e as transformações da hipermodernidade. Hoje ele pertence ao passado. Tem sua dignidade filosófica, mas não tem mais quem lhe dê propulsão. Sumiram os proletários industriais que davam base aos partidos comunistas e estes, por sua vez, não conseguiram se renovar. Foram desaparecendo ou se transfigurando em personagens de que não se tem uma imagem clara. Não há nenhuma revolução no mundo sendo planejada com programas comunistas.

Por outro lado, o conservadorismo avançou pelo terreno religioso. O pentecostalismo evangélico quebrou o monopólio da Igreja Católica e impôs novas pautas de costumes e novas maneiras de enxergar o mundo. Uma espécie de terraplanismo genérico e negacionista cresceu por esta senda, sendo rapidamente capturado pela extrema direita, com suas taras e suas falsificações simplificadoras.

Para complicar ainda mais, a desagregação da classe operária tradicional e a crise do trabalho fizeram-se acompanhar da ideia de empreendedorismo plantada pelo neoliberalismo e que aos poucos foi ganhando vida própria. A maioria dos trabalhadores brasileiros sonha em ter seu próprio negócio, ver-se livre de patrões e horários impostos, ser um pequeno empresário. É um empreendedorismo refratário ao Estado, a programas de estatização, a regras coercitivas, a tributos excessivos, vistos como cerceadores da liberdade econômica e, por extensão, como “comunistas”.

Acrescente-se a isso a ojeriza da opinião pública a regimes autocráticos como os de Maduro e Ortega, que são criticados por serem “comunistas”, embora não tenham coisa alguma que ver com comunismo.

O anticomunismo tem funcionado, entre nós, como combustível para diferentes modalidades de autoritarismo: um expediente tosco, cômodo e conveniente para contestar o sistema democrático e as reformas sociais. O golpismo bolsonarista o reforçou, valendo-se da instrumentalização das mídias sociais e de campanhas contra a esquerda e a democracia, que atacaram principalmente o PT, único partido brasileiro com alguma base popular.

Muitos comunistas ajudaram a forjar este caldo de cultura, com suas pregações maximalistas, seus exageros retóricos, sua incapacidade de ouvir a sociedade e se ajustar aos tempos. Nos últimos anos, os democratas também deram sua contribuição, ao se entregarem a disputas estéreis e polarizações artificiais no próprio terreno da democracia. Enquanto petistas e tucanos brigavam para saber quem era mais reformista, a extrema direita se expandia e o sistema político enferrujava. O anticomunismo reapareceu na esteira desse processo.

Hoje, não há mais comunismo, mas a esquerda continua viva. Chega aos governos por via eleitoral, mas não dispõe de um programa concatenado para gerir o capitalismo e responder com inteligência às demandas sociais. Muitas vezes, perde-se nos meandros de um identitarismo exacerbado, com o que preserva certos nichos eleitorais, mas entra em atrito com as grandes maiorias conservadoras, assustando-as com propostas emancipadoras e libertárias. Não são poucos os que temem que a insistência em temas identitários leve à adoção de programas contrários à família, à liberdade religiosa e à educação moral dos jovens.

Diferentemente da extrema direita, a esquerda brasileira interage de modo negativo com o conservadorismo, que tem raízes longínquas e foi turbinado pelas igrejas neopentecostais, que, em muitos casos, fornecem a seus fiéis um acolhimento e um suporte que o Estado não consegue prover.

A extrema direita estigmatiza a “ameaça comunista” porque deseja bloquear as transformações que preparam o futuro. É um reacionarismo que não sabe lidar com as mudanças frenéticas dos nossos dias e que só pode sobreviver escondendo-se em redes e nichos fanatizados, de onde vende ilusões, fabrica maldades e conspira.

O anticomunismo tem bases materiais, políticas e socioculturais. De algum modo, tornou-se uma ameaça à democracia e às liberdades. Não será varrido no plano retórico. O combate a ele precisa ser feito no longo prazo, centrado na educação, na institucionalidade democrática, nos direitos, na governança positiva e em boas políticas públicas.

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