Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Dilemas e desafios


A extrema direita não mostrou tanta força e se dividiu; a esquerda não conseguiu se projetar. Ambas não captaram a cabeça do eleitorado, que carrega novas pautas e hábitos

Por Marco Aurélio Nogueira

As eleições municipais de 2024 puseram em xeque uma polarização que já não corresponde à realidade nacional.

Lula da Silva e Jair Bolsonaro não se confrontaram. Dobraram-se a uma clara inclinação eleitoral ao centro, que se derramou pelo País todo. Houve mais moderação do que radicalização. Mais cálculo. O eleitorado parece ter se “acomodado”, fez escolhas conservadoras e cautelosas, referendando a maior parte dos prefeitos que se lançaram à reeleição. O eleitor se manifestou com clareza, e é pueril tratá-lo como se fosse um alienado que ignora os perigos do reacionarismo ou uma vítima indefesa das redes.

Em São Paulo, esquerda e direita ficaram nos bastidores, esmagadas pela baixaria que dominou o primeiro turno e se estendeu ao segundo.

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Guilherme Boulos, à esquerda, fez uma campanha sem qualquer mensagem que fizesse jus a um ideário socialista. Nem sequer seu partido, o PSOL, apareceu. Buscou uma imagem moderada, para reduzir suas altas taxas de rejeição. No segundo turno, ensaiou maior combatividade, mas escorregou no oportunismo ao tentar atrair o eleitorado de Pablo Marçal e Tabata Amaral e a se apresentar como integrante de uma “frente ampla” que não foi proposta nem chegou a se constituir.

Boulos não reciclou o discurso de esquerda. Remeteu-se aos trabalhadores, às periferias, aos excluídos sem elaborar um discurso harmonioso e convincente. Permaneceu agarrado a um estilo cansado de guerra, a uma narrativa de “indignação” e a uma coreografia “radicalizada”, pouco falando de gestão urbana e de temas que poderiam sensibilizar o eleitorado jovem (empreendedorismo, aplicativos, trabalho domiciliar). O quanto isso o afetou só as urnas dirão.

Por sua vez, Ricardo Nunes abraçou o pragmatismo do começo ao fim, fiel ao modelo de candidato-prefeito. Insistiu nas virtuais realizações de sua gestão, sem se engajar em polêmicas e sem responder às críticas. Escudou-se no governador Tarcísio de Freitas e seguiu em frente indiferente a suspeitas e acusações.

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Nunes nunca foi “bolsonarista”. Se for preciso etiquetá-lo, é um centrista que joga o jogo puxando a brasa para sua sardinha. Político tradicional, enraizado em parte das periferias paulistanas, emedebista desde sempre, lançou-se à reeleição com uma vasta coligação partidária, na qual Bolsonaro foi personagem opaco. Amealhou, por certo, votos bolsonaristas, receosos de entregar o espólio ao provocador Pablo Marçal e de possibilitar a volta do PT à Prefeitura. Se há antibolsonarismo na capital, também há antipetismo.

A coligação de Nunes copiou a coligação que sustenta o governo federal. Ficaram com ele o MDB, o PSD, o União Brasil, o Republicanos, o Solidariedade, partidos que integram o Ministério de Lula e lhe impõem uma pauta no Congresso. O estigma de que estaria ligado ao bolsonarismo, imagem que seduziu muitos eleitores de Boulos, não foi procedente e teve pouco efeito.

O fato é que a cidade de São Paulo ficou fora do foco das campanhas de ambos os candidatos que chegaram ao segundo turno. Nem sequer se destacou a complexidade da cidade como núcleo urbano, algo que requer muito mais do que promessas de mudança, propostas genéricas ou lista de obras executadas. De concreto, o que se teve foi mais do mesmo.

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Vistas em âmbito nacional, as eleições desenharam um país diferente do que se pensava. A extrema direita não mostrou tanta força e se dividiu; a esquerda não conseguiu se projetar. Ambas não captaram a cabeça do eleitorado, que carrega novas pautas e novos hábitos. O eleitor explicitou opiniões impostas pela vida hipermoderna, na qual tudo gira em alta velocidade e sem parâmetros claros, em que o trabalho, as classes e as organizações se fragmentam e perdem empuxo.

Isso pode significar que a população se tornou conservadora, mais hostil à política democrática e mais refratária a mudanças no plano dos valores? É provável, mas tal inclinação não surgiu agora, vem de longe. O brasileiro sempre foi conservador em termos de valores. Quem ganha com isso é um centro ampliado, integrado por correntes fisiológicas, moderadas, democráticas e liberal-conservadoras, que lutam entre si sem que se saiba quem prevalecerá. Pelas urnas de 2024, não dá para dizer que a extrema direita adquiriu maior musculatura.

Para os progressistas, fica um lote de dilemas e desafios. Continuará a esquerda a falar a mesma língua de antes, baseada em luta de classes, mundos do trabalho hoje estilhaçados, trabalhadores solidamente organizados? A defender a presença de um Estado ativo e forte sem considerar o custo tributário e os problemas fiscais? A esquerda tem partidos que se aglutinam em períodos eleitorais, mas que não ganham organicidade, articulação e programas unitários. Agita bandeiras identitárias sem levar em conta o que move as pessoas. Trata os pobres como vítimas sem projetos e vontades. Carece de totalizações dialéticas.

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A esquerda derrapará se repetir narrativas que não interagem com a realidade dura da hipermodernidade e não valorizam a democracia política, que é hoje o que mais importa.

*

É PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA DA UNESP

As eleições municipais de 2024 puseram em xeque uma polarização que já não corresponde à realidade nacional.

Lula da Silva e Jair Bolsonaro não se confrontaram. Dobraram-se a uma clara inclinação eleitoral ao centro, que se derramou pelo País todo. Houve mais moderação do que radicalização. Mais cálculo. O eleitorado parece ter se “acomodado”, fez escolhas conservadoras e cautelosas, referendando a maior parte dos prefeitos que se lançaram à reeleição. O eleitor se manifestou com clareza, e é pueril tratá-lo como se fosse um alienado que ignora os perigos do reacionarismo ou uma vítima indefesa das redes.

Em São Paulo, esquerda e direita ficaram nos bastidores, esmagadas pela baixaria que dominou o primeiro turno e se estendeu ao segundo.

Guilherme Boulos, à esquerda, fez uma campanha sem qualquer mensagem que fizesse jus a um ideário socialista. Nem sequer seu partido, o PSOL, apareceu. Buscou uma imagem moderada, para reduzir suas altas taxas de rejeição. No segundo turno, ensaiou maior combatividade, mas escorregou no oportunismo ao tentar atrair o eleitorado de Pablo Marçal e Tabata Amaral e a se apresentar como integrante de uma “frente ampla” que não foi proposta nem chegou a se constituir.

Boulos não reciclou o discurso de esquerda. Remeteu-se aos trabalhadores, às periferias, aos excluídos sem elaborar um discurso harmonioso e convincente. Permaneceu agarrado a um estilo cansado de guerra, a uma narrativa de “indignação” e a uma coreografia “radicalizada”, pouco falando de gestão urbana e de temas que poderiam sensibilizar o eleitorado jovem (empreendedorismo, aplicativos, trabalho domiciliar). O quanto isso o afetou só as urnas dirão.

Por sua vez, Ricardo Nunes abraçou o pragmatismo do começo ao fim, fiel ao modelo de candidato-prefeito. Insistiu nas virtuais realizações de sua gestão, sem se engajar em polêmicas e sem responder às críticas. Escudou-se no governador Tarcísio de Freitas e seguiu em frente indiferente a suspeitas e acusações.

Nunes nunca foi “bolsonarista”. Se for preciso etiquetá-lo, é um centrista que joga o jogo puxando a brasa para sua sardinha. Político tradicional, enraizado em parte das periferias paulistanas, emedebista desde sempre, lançou-se à reeleição com uma vasta coligação partidária, na qual Bolsonaro foi personagem opaco. Amealhou, por certo, votos bolsonaristas, receosos de entregar o espólio ao provocador Pablo Marçal e de possibilitar a volta do PT à Prefeitura. Se há antibolsonarismo na capital, também há antipetismo.

A coligação de Nunes copiou a coligação que sustenta o governo federal. Ficaram com ele o MDB, o PSD, o União Brasil, o Republicanos, o Solidariedade, partidos que integram o Ministério de Lula e lhe impõem uma pauta no Congresso. O estigma de que estaria ligado ao bolsonarismo, imagem que seduziu muitos eleitores de Boulos, não foi procedente e teve pouco efeito.

O fato é que a cidade de São Paulo ficou fora do foco das campanhas de ambos os candidatos que chegaram ao segundo turno. Nem sequer se destacou a complexidade da cidade como núcleo urbano, algo que requer muito mais do que promessas de mudança, propostas genéricas ou lista de obras executadas. De concreto, o que se teve foi mais do mesmo.

Vistas em âmbito nacional, as eleições desenharam um país diferente do que se pensava. A extrema direita não mostrou tanta força e se dividiu; a esquerda não conseguiu se projetar. Ambas não captaram a cabeça do eleitorado, que carrega novas pautas e novos hábitos. O eleitor explicitou opiniões impostas pela vida hipermoderna, na qual tudo gira em alta velocidade e sem parâmetros claros, em que o trabalho, as classes e as organizações se fragmentam e perdem empuxo.

Isso pode significar que a população se tornou conservadora, mais hostil à política democrática e mais refratária a mudanças no plano dos valores? É provável, mas tal inclinação não surgiu agora, vem de longe. O brasileiro sempre foi conservador em termos de valores. Quem ganha com isso é um centro ampliado, integrado por correntes fisiológicas, moderadas, democráticas e liberal-conservadoras, que lutam entre si sem que se saiba quem prevalecerá. Pelas urnas de 2024, não dá para dizer que a extrema direita adquiriu maior musculatura.

Para os progressistas, fica um lote de dilemas e desafios. Continuará a esquerda a falar a mesma língua de antes, baseada em luta de classes, mundos do trabalho hoje estilhaçados, trabalhadores solidamente organizados? A defender a presença de um Estado ativo e forte sem considerar o custo tributário e os problemas fiscais? A esquerda tem partidos que se aglutinam em períodos eleitorais, mas que não ganham organicidade, articulação e programas unitários. Agita bandeiras identitárias sem levar em conta o que move as pessoas. Trata os pobres como vítimas sem projetos e vontades. Carece de totalizações dialéticas.

A esquerda derrapará se repetir narrativas que não interagem com a realidade dura da hipermodernidade e não valorizam a democracia política, que é hoje o que mais importa.

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É PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA DA UNESP

As eleições municipais de 2024 puseram em xeque uma polarização que já não corresponde à realidade nacional.

Lula da Silva e Jair Bolsonaro não se confrontaram. Dobraram-se a uma clara inclinação eleitoral ao centro, que se derramou pelo País todo. Houve mais moderação do que radicalização. Mais cálculo. O eleitorado parece ter se “acomodado”, fez escolhas conservadoras e cautelosas, referendando a maior parte dos prefeitos que se lançaram à reeleição. O eleitor se manifestou com clareza, e é pueril tratá-lo como se fosse um alienado que ignora os perigos do reacionarismo ou uma vítima indefesa das redes.

Em São Paulo, esquerda e direita ficaram nos bastidores, esmagadas pela baixaria que dominou o primeiro turno e se estendeu ao segundo.

Guilherme Boulos, à esquerda, fez uma campanha sem qualquer mensagem que fizesse jus a um ideário socialista. Nem sequer seu partido, o PSOL, apareceu. Buscou uma imagem moderada, para reduzir suas altas taxas de rejeição. No segundo turno, ensaiou maior combatividade, mas escorregou no oportunismo ao tentar atrair o eleitorado de Pablo Marçal e Tabata Amaral e a se apresentar como integrante de uma “frente ampla” que não foi proposta nem chegou a se constituir.

Boulos não reciclou o discurso de esquerda. Remeteu-se aos trabalhadores, às periferias, aos excluídos sem elaborar um discurso harmonioso e convincente. Permaneceu agarrado a um estilo cansado de guerra, a uma narrativa de “indignação” e a uma coreografia “radicalizada”, pouco falando de gestão urbana e de temas que poderiam sensibilizar o eleitorado jovem (empreendedorismo, aplicativos, trabalho domiciliar). O quanto isso o afetou só as urnas dirão.

Por sua vez, Ricardo Nunes abraçou o pragmatismo do começo ao fim, fiel ao modelo de candidato-prefeito. Insistiu nas virtuais realizações de sua gestão, sem se engajar em polêmicas e sem responder às críticas. Escudou-se no governador Tarcísio de Freitas e seguiu em frente indiferente a suspeitas e acusações.

Nunes nunca foi “bolsonarista”. Se for preciso etiquetá-lo, é um centrista que joga o jogo puxando a brasa para sua sardinha. Político tradicional, enraizado em parte das periferias paulistanas, emedebista desde sempre, lançou-se à reeleição com uma vasta coligação partidária, na qual Bolsonaro foi personagem opaco. Amealhou, por certo, votos bolsonaristas, receosos de entregar o espólio ao provocador Pablo Marçal e de possibilitar a volta do PT à Prefeitura. Se há antibolsonarismo na capital, também há antipetismo.

A coligação de Nunes copiou a coligação que sustenta o governo federal. Ficaram com ele o MDB, o PSD, o União Brasil, o Republicanos, o Solidariedade, partidos que integram o Ministério de Lula e lhe impõem uma pauta no Congresso. O estigma de que estaria ligado ao bolsonarismo, imagem que seduziu muitos eleitores de Boulos, não foi procedente e teve pouco efeito.

O fato é que a cidade de São Paulo ficou fora do foco das campanhas de ambos os candidatos que chegaram ao segundo turno. Nem sequer se destacou a complexidade da cidade como núcleo urbano, algo que requer muito mais do que promessas de mudança, propostas genéricas ou lista de obras executadas. De concreto, o que se teve foi mais do mesmo.

Vistas em âmbito nacional, as eleições desenharam um país diferente do que se pensava. A extrema direita não mostrou tanta força e se dividiu; a esquerda não conseguiu se projetar. Ambas não captaram a cabeça do eleitorado, que carrega novas pautas e novos hábitos. O eleitor explicitou opiniões impostas pela vida hipermoderna, na qual tudo gira em alta velocidade e sem parâmetros claros, em que o trabalho, as classes e as organizações se fragmentam e perdem empuxo.

Isso pode significar que a população se tornou conservadora, mais hostil à política democrática e mais refratária a mudanças no plano dos valores? É provável, mas tal inclinação não surgiu agora, vem de longe. O brasileiro sempre foi conservador em termos de valores. Quem ganha com isso é um centro ampliado, integrado por correntes fisiológicas, moderadas, democráticas e liberal-conservadoras, que lutam entre si sem que se saiba quem prevalecerá. Pelas urnas de 2024, não dá para dizer que a extrema direita adquiriu maior musculatura.

Para os progressistas, fica um lote de dilemas e desafios. Continuará a esquerda a falar a mesma língua de antes, baseada em luta de classes, mundos do trabalho hoje estilhaçados, trabalhadores solidamente organizados? A defender a presença de um Estado ativo e forte sem considerar o custo tributário e os problemas fiscais? A esquerda tem partidos que se aglutinam em períodos eleitorais, mas que não ganham organicidade, articulação e programas unitários. Agita bandeiras identitárias sem levar em conta o que move as pessoas. Trata os pobres como vítimas sem projetos e vontades. Carece de totalizações dialéticas.

A esquerda derrapará se repetir narrativas que não interagem com a realidade dura da hipermodernidade e não valorizam a democracia política, que é hoje o que mais importa.

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É PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA DA UNESP

As eleições municipais de 2024 puseram em xeque uma polarização que já não corresponde à realidade nacional.

Lula da Silva e Jair Bolsonaro não se confrontaram. Dobraram-se a uma clara inclinação eleitoral ao centro, que se derramou pelo País todo. Houve mais moderação do que radicalização. Mais cálculo. O eleitorado parece ter se “acomodado”, fez escolhas conservadoras e cautelosas, referendando a maior parte dos prefeitos que se lançaram à reeleição. O eleitor se manifestou com clareza, e é pueril tratá-lo como se fosse um alienado que ignora os perigos do reacionarismo ou uma vítima indefesa das redes.

Em São Paulo, esquerda e direita ficaram nos bastidores, esmagadas pela baixaria que dominou o primeiro turno e se estendeu ao segundo.

Guilherme Boulos, à esquerda, fez uma campanha sem qualquer mensagem que fizesse jus a um ideário socialista. Nem sequer seu partido, o PSOL, apareceu. Buscou uma imagem moderada, para reduzir suas altas taxas de rejeição. No segundo turno, ensaiou maior combatividade, mas escorregou no oportunismo ao tentar atrair o eleitorado de Pablo Marçal e Tabata Amaral e a se apresentar como integrante de uma “frente ampla” que não foi proposta nem chegou a se constituir.

Boulos não reciclou o discurso de esquerda. Remeteu-se aos trabalhadores, às periferias, aos excluídos sem elaborar um discurso harmonioso e convincente. Permaneceu agarrado a um estilo cansado de guerra, a uma narrativa de “indignação” e a uma coreografia “radicalizada”, pouco falando de gestão urbana e de temas que poderiam sensibilizar o eleitorado jovem (empreendedorismo, aplicativos, trabalho domiciliar). O quanto isso o afetou só as urnas dirão.

Por sua vez, Ricardo Nunes abraçou o pragmatismo do começo ao fim, fiel ao modelo de candidato-prefeito. Insistiu nas virtuais realizações de sua gestão, sem se engajar em polêmicas e sem responder às críticas. Escudou-se no governador Tarcísio de Freitas e seguiu em frente indiferente a suspeitas e acusações.

Nunes nunca foi “bolsonarista”. Se for preciso etiquetá-lo, é um centrista que joga o jogo puxando a brasa para sua sardinha. Político tradicional, enraizado em parte das periferias paulistanas, emedebista desde sempre, lançou-se à reeleição com uma vasta coligação partidária, na qual Bolsonaro foi personagem opaco. Amealhou, por certo, votos bolsonaristas, receosos de entregar o espólio ao provocador Pablo Marçal e de possibilitar a volta do PT à Prefeitura. Se há antibolsonarismo na capital, também há antipetismo.

A coligação de Nunes copiou a coligação que sustenta o governo federal. Ficaram com ele o MDB, o PSD, o União Brasil, o Republicanos, o Solidariedade, partidos que integram o Ministério de Lula e lhe impõem uma pauta no Congresso. O estigma de que estaria ligado ao bolsonarismo, imagem que seduziu muitos eleitores de Boulos, não foi procedente e teve pouco efeito.

O fato é que a cidade de São Paulo ficou fora do foco das campanhas de ambos os candidatos que chegaram ao segundo turno. Nem sequer se destacou a complexidade da cidade como núcleo urbano, algo que requer muito mais do que promessas de mudança, propostas genéricas ou lista de obras executadas. De concreto, o que se teve foi mais do mesmo.

Vistas em âmbito nacional, as eleições desenharam um país diferente do que se pensava. A extrema direita não mostrou tanta força e se dividiu; a esquerda não conseguiu se projetar. Ambas não captaram a cabeça do eleitorado, que carrega novas pautas e novos hábitos. O eleitor explicitou opiniões impostas pela vida hipermoderna, na qual tudo gira em alta velocidade e sem parâmetros claros, em que o trabalho, as classes e as organizações se fragmentam e perdem empuxo.

Isso pode significar que a população se tornou conservadora, mais hostil à política democrática e mais refratária a mudanças no plano dos valores? É provável, mas tal inclinação não surgiu agora, vem de longe. O brasileiro sempre foi conservador em termos de valores. Quem ganha com isso é um centro ampliado, integrado por correntes fisiológicas, moderadas, democráticas e liberal-conservadoras, que lutam entre si sem que se saiba quem prevalecerá. Pelas urnas de 2024, não dá para dizer que a extrema direita adquiriu maior musculatura.

Para os progressistas, fica um lote de dilemas e desafios. Continuará a esquerda a falar a mesma língua de antes, baseada em luta de classes, mundos do trabalho hoje estilhaçados, trabalhadores solidamente organizados? A defender a presença de um Estado ativo e forte sem considerar o custo tributário e os problemas fiscais? A esquerda tem partidos que se aglutinam em períodos eleitorais, mas que não ganham organicidade, articulação e programas unitários. Agita bandeiras identitárias sem levar em conta o que move as pessoas. Trata os pobres como vítimas sem projetos e vontades. Carece de totalizações dialéticas.

A esquerda derrapará se repetir narrativas que não interagem com a realidade dura da hipermodernidade e não valorizam a democracia política, que é hoje o que mais importa.

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