Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Nós, os ‘Sapiens’, e a inteligência artificial


Estamos numa batalha que continuará a ser travada no tempo que se abre à nossa frente. A IA não será a única a responder pela construção do futuro

Por Marco Aurélio Nogueira

Nunca falamos tanto em inteligência artificial (IA). Ela avançou extraordinariamente. Ocupa espaços cada vez maiores em todas as áreas da vida, da economia ao entretenimento, da educação à saúde, da medicina à climatologia e à cultura. Impulsiona e dá nova qualidade aos processos de automação, à robotização e à internet das coisas.

Em sentido amplo, a IA é um sistema computacional dotado de máquinas capacitadas para executar múltiplas tarefas. Algoritmos e modelos de machine learning possibilitam que as máquinas processem grandes volumes de dados, aprendam com eles e tomem decisões a partir dessa aprendizagem.

A IA é filha da revolução digital dos nossos tempos. Faz parte de uma prole extensa, que inclui a internet e os enormes computadores da metade do século 20, os avanços da microeletrônica, os smartphones, os tablets, os notebooks poderosos, as redes sociais.

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Por isso a revolução digital é tão impactante. Fez a vida virar de ponta-cabeça. A evolução da IA representa uma sequência e uma ampliação disso.

Sua presença avassaladora faz com que fiquemos em parte pasmos e entusiasmados, em parte receosos e desconfiados. Como os algoritmos podem mimetizar vozes, rostos e comportamentos, muitos se perguntam se não estaríamos diante de uma ameaça à humanidade e aos Sapiens. Há “apocalípticos” por todos os lados, que acreditam que o avanço das novas tecnologias poderá nos escravizar, assim como “integrados” que só veem a face boa da IA, suas promessas e possibilidades, apostando em que os humanos aprenderão a conviver com ela e a fazê-la trabalhar para eles.

É mais razoável seguirmos uma via intermediária. Há problemas no modo como a IA entra em nossa vida. Ela abala o trabalho, a educação, revoluciona a medicina. Desafia todos os setores. Se chegar, por exemplo, a dominar o centro de sistemas vitais (jurídicos, políticos, eleitorais), roubará poder de decisão dos humanos e tenderá a se superpor a eles. Isso, no entanto, somente acontecerá se os Sapiens que a modelam trabalharem nessa direção. Tal risco não derivaria da tecnologia em si, mas sim de sua utilização pelos humanos. Há demasiados efeitos colaterais não previsíveis na evolução da IA.

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Uma IA autoconsciente, isto é, capaz de fazer tudo o que fazemos com maior agilidade e eficiência, capaz de aprender continuamente, interagir emocionalmente com seus usuários e ultrapassá-los em sabedoria, ainda é algo que flutua no campo da especulação teórica. Há uma montanha ética pela frente. Ninguém sabe quais obstáculos a própria IA terá de superar. Porém, supondo que uma IA autoconsciente possa de fato se configurar, não é inevitável que escape ao nosso controle. Poderemos, se soubermos, conviver com ela, evoluindo como Sapiens e criando políticas públicas que a impeçam de nos controlar.

A IA não pode ser responsabilizada pelo mau uso que se faz das redes sociais. Por trás de toda IA há operadores humanos, que podem manipular algoritmos para produzir resultados maliciosos, desinformação e conteúdos tóxicos. A IA lhes obedece.

Em decorrência disso e da extraordinária concentração de poder das Big Techs, já não sabemos mais como selecionar informações. As máquinas, com seus algoritmos, fazem isso por nós, mobilizando nossas emoções e nos empurrando para viver em tribos de pessoas que pensam como nós. Forçam-nos a achar que nossa turma é melhor do que as outras, e ficamos todos a flutuar desconectados da realidade.

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Medidas legais que limitem a utilização predatória e arbitrária da IA, como é o caso do Marco da Inteligência Artificial em votação no Congresso brasileiro, são oportunas. O fundamental, porém, é que os humanos aprendam a conviver inteligentemente com máquinas inteligentes, compreendam seu funcionamento e a maneira como são treinadas, saibam distinguir informação e desinformação.

Processos educacionais atravessam gerações. Necessitam de tempo para frutificar. Num contexto de desigualdades agudas, como no Brasil, a aquisição de conhecimentos também é desigual e requer recursos políticos e governamentais, assim como empatia daqueles que possuem muito. O arranjo é complexo, mas não é impossível de ser alcançado. O poder pode ser democraticamente compartilhado, o conhecimento e a riqueza podem ser distribuídos, a solidariedade pode frutificar.

Arranjos complexos dependem de atores com disposição para modelá-los e fazê-los acontecer. Isso vale tanto na grande política e na democracia quanto no universo das escolas, dos hospitais, das organizações dedicadas ao meio ambiente e ao clima. Tanto na cultura quanto na produção, nos serviços e no comércio.

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2024 termina com a IA em afirmação. Ainda não sabemos como lidar com ela e instruí-la conforme nossos desejos e nossas necessidades. Estamos numa batalha que continuará a ser travada no tempo que se abre à nossa frente. A IA não será a única a responder pela construção do futuro.

Meus votos são para que, a partir de 2025, melhoremos nossa capacidade de assimilar a IA e de expandir a sabedoria humana.

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É PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA DA UNESP

Nunca falamos tanto em inteligência artificial (IA). Ela avançou extraordinariamente. Ocupa espaços cada vez maiores em todas as áreas da vida, da economia ao entretenimento, da educação à saúde, da medicina à climatologia e à cultura. Impulsiona e dá nova qualidade aos processos de automação, à robotização e à internet das coisas.

Em sentido amplo, a IA é um sistema computacional dotado de máquinas capacitadas para executar múltiplas tarefas. Algoritmos e modelos de machine learning possibilitam que as máquinas processem grandes volumes de dados, aprendam com eles e tomem decisões a partir dessa aprendizagem.

A IA é filha da revolução digital dos nossos tempos. Faz parte de uma prole extensa, que inclui a internet e os enormes computadores da metade do século 20, os avanços da microeletrônica, os smartphones, os tablets, os notebooks poderosos, as redes sociais.

Por isso a revolução digital é tão impactante. Fez a vida virar de ponta-cabeça. A evolução da IA representa uma sequência e uma ampliação disso.

Sua presença avassaladora faz com que fiquemos em parte pasmos e entusiasmados, em parte receosos e desconfiados. Como os algoritmos podem mimetizar vozes, rostos e comportamentos, muitos se perguntam se não estaríamos diante de uma ameaça à humanidade e aos Sapiens. Há “apocalípticos” por todos os lados, que acreditam que o avanço das novas tecnologias poderá nos escravizar, assim como “integrados” que só veem a face boa da IA, suas promessas e possibilidades, apostando em que os humanos aprenderão a conviver com ela e a fazê-la trabalhar para eles.

É mais razoável seguirmos uma via intermediária. Há problemas no modo como a IA entra em nossa vida. Ela abala o trabalho, a educação, revoluciona a medicina. Desafia todos os setores. Se chegar, por exemplo, a dominar o centro de sistemas vitais (jurídicos, políticos, eleitorais), roubará poder de decisão dos humanos e tenderá a se superpor a eles. Isso, no entanto, somente acontecerá se os Sapiens que a modelam trabalharem nessa direção. Tal risco não derivaria da tecnologia em si, mas sim de sua utilização pelos humanos. Há demasiados efeitos colaterais não previsíveis na evolução da IA.

Uma IA autoconsciente, isto é, capaz de fazer tudo o que fazemos com maior agilidade e eficiência, capaz de aprender continuamente, interagir emocionalmente com seus usuários e ultrapassá-los em sabedoria, ainda é algo que flutua no campo da especulação teórica. Há uma montanha ética pela frente. Ninguém sabe quais obstáculos a própria IA terá de superar. Porém, supondo que uma IA autoconsciente possa de fato se configurar, não é inevitável que escape ao nosso controle. Poderemos, se soubermos, conviver com ela, evoluindo como Sapiens e criando políticas públicas que a impeçam de nos controlar.

A IA não pode ser responsabilizada pelo mau uso que se faz das redes sociais. Por trás de toda IA há operadores humanos, que podem manipular algoritmos para produzir resultados maliciosos, desinformação e conteúdos tóxicos. A IA lhes obedece.

Em decorrência disso e da extraordinária concentração de poder das Big Techs, já não sabemos mais como selecionar informações. As máquinas, com seus algoritmos, fazem isso por nós, mobilizando nossas emoções e nos empurrando para viver em tribos de pessoas que pensam como nós. Forçam-nos a achar que nossa turma é melhor do que as outras, e ficamos todos a flutuar desconectados da realidade.

Medidas legais que limitem a utilização predatória e arbitrária da IA, como é o caso do Marco da Inteligência Artificial em votação no Congresso brasileiro, são oportunas. O fundamental, porém, é que os humanos aprendam a conviver inteligentemente com máquinas inteligentes, compreendam seu funcionamento e a maneira como são treinadas, saibam distinguir informação e desinformação.

Processos educacionais atravessam gerações. Necessitam de tempo para frutificar. Num contexto de desigualdades agudas, como no Brasil, a aquisição de conhecimentos também é desigual e requer recursos políticos e governamentais, assim como empatia daqueles que possuem muito. O arranjo é complexo, mas não é impossível de ser alcançado. O poder pode ser democraticamente compartilhado, o conhecimento e a riqueza podem ser distribuídos, a solidariedade pode frutificar.

Arranjos complexos dependem de atores com disposição para modelá-los e fazê-los acontecer. Isso vale tanto na grande política e na democracia quanto no universo das escolas, dos hospitais, das organizações dedicadas ao meio ambiente e ao clima. Tanto na cultura quanto na produção, nos serviços e no comércio.

2024 termina com a IA em afirmação. Ainda não sabemos como lidar com ela e instruí-la conforme nossos desejos e nossas necessidades. Estamos numa batalha que continuará a ser travada no tempo que se abre à nossa frente. A IA não será a única a responder pela construção do futuro.

Meus votos são para que, a partir de 2025, melhoremos nossa capacidade de assimilar a IA e de expandir a sabedoria humana.

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É PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA DA UNESP

Nunca falamos tanto em inteligência artificial (IA). Ela avançou extraordinariamente. Ocupa espaços cada vez maiores em todas as áreas da vida, da economia ao entretenimento, da educação à saúde, da medicina à climatologia e à cultura. Impulsiona e dá nova qualidade aos processos de automação, à robotização e à internet das coisas.

Em sentido amplo, a IA é um sistema computacional dotado de máquinas capacitadas para executar múltiplas tarefas. Algoritmos e modelos de machine learning possibilitam que as máquinas processem grandes volumes de dados, aprendam com eles e tomem decisões a partir dessa aprendizagem.

A IA é filha da revolução digital dos nossos tempos. Faz parte de uma prole extensa, que inclui a internet e os enormes computadores da metade do século 20, os avanços da microeletrônica, os smartphones, os tablets, os notebooks poderosos, as redes sociais.

Por isso a revolução digital é tão impactante. Fez a vida virar de ponta-cabeça. A evolução da IA representa uma sequência e uma ampliação disso.

Sua presença avassaladora faz com que fiquemos em parte pasmos e entusiasmados, em parte receosos e desconfiados. Como os algoritmos podem mimetizar vozes, rostos e comportamentos, muitos se perguntam se não estaríamos diante de uma ameaça à humanidade e aos Sapiens. Há “apocalípticos” por todos os lados, que acreditam que o avanço das novas tecnologias poderá nos escravizar, assim como “integrados” que só veem a face boa da IA, suas promessas e possibilidades, apostando em que os humanos aprenderão a conviver com ela e a fazê-la trabalhar para eles.

É mais razoável seguirmos uma via intermediária. Há problemas no modo como a IA entra em nossa vida. Ela abala o trabalho, a educação, revoluciona a medicina. Desafia todos os setores. Se chegar, por exemplo, a dominar o centro de sistemas vitais (jurídicos, políticos, eleitorais), roubará poder de decisão dos humanos e tenderá a se superpor a eles. Isso, no entanto, somente acontecerá se os Sapiens que a modelam trabalharem nessa direção. Tal risco não derivaria da tecnologia em si, mas sim de sua utilização pelos humanos. Há demasiados efeitos colaterais não previsíveis na evolução da IA.

Uma IA autoconsciente, isto é, capaz de fazer tudo o que fazemos com maior agilidade e eficiência, capaz de aprender continuamente, interagir emocionalmente com seus usuários e ultrapassá-los em sabedoria, ainda é algo que flutua no campo da especulação teórica. Há uma montanha ética pela frente. Ninguém sabe quais obstáculos a própria IA terá de superar. Porém, supondo que uma IA autoconsciente possa de fato se configurar, não é inevitável que escape ao nosso controle. Poderemos, se soubermos, conviver com ela, evoluindo como Sapiens e criando políticas públicas que a impeçam de nos controlar.

A IA não pode ser responsabilizada pelo mau uso que se faz das redes sociais. Por trás de toda IA há operadores humanos, que podem manipular algoritmos para produzir resultados maliciosos, desinformação e conteúdos tóxicos. A IA lhes obedece.

Em decorrência disso e da extraordinária concentração de poder das Big Techs, já não sabemos mais como selecionar informações. As máquinas, com seus algoritmos, fazem isso por nós, mobilizando nossas emoções e nos empurrando para viver em tribos de pessoas que pensam como nós. Forçam-nos a achar que nossa turma é melhor do que as outras, e ficamos todos a flutuar desconectados da realidade.

Medidas legais que limitem a utilização predatória e arbitrária da IA, como é o caso do Marco da Inteligência Artificial em votação no Congresso brasileiro, são oportunas. O fundamental, porém, é que os humanos aprendam a conviver inteligentemente com máquinas inteligentes, compreendam seu funcionamento e a maneira como são treinadas, saibam distinguir informação e desinformação.

Processos educacionais atravessam gerações. Necessitam de tempo para frutificar. Num contexto de desigualdades agudas, como no Brasil, a aquisição de conhecimentos também é desigual e requer recursos políticos e governamentais, assim como empatia daqueles que possuem muito. O arranjo é complexo, mas não é impossível de ser alcançado. O poder pode ser democraticamente compartilhado, o conhecimento e a riqueza podem ser distribuídos, a solidariedade pode frutificar.

Arranjos complexos dependem de atores com disposição para modelá-los e fazê-los acontecer. Isso vale tanto na grande política e na democracia quanto no universo das escolas, dos hospitais, das organizações dedicadas ao meio ambiente e ao clima. Tanto na cultura quanto na produção, nos serviços e no comércio.

2024 termina com a IA em afirmação. Ainda não sabemos como lidar com ela e instruí-la conforme nossos desejos e nossas necessidades. Estamos numa batalha que continuará a ser travada no tempo que se abre à nossa frente. A IA não será a única a responder pela construção do futuro.

Meus votos são para que, a partir de 2025, melhoremos nossa capacidade de assimilar a IA e de expandir a sabedoria humana.

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