Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|O dilema da resiliência urbana


Havendo vontade política, mobilização e engajamento coletivo é possível mudar a rota e abrir caminho para formas de vida menos agressivas

Por Marco Aurélio Nogueira

É espantoso saber que uma em cada três cidades do País está desprevenida contra desastres climáticos. Milhões de pessoas, a qualquer momento, podem ser atingidas pela crise ambiental que, a esta altura, já deveria ser objeto de amplo conhecimento e de múltiplas providências. Não há negacionismo que possa ocultar o problema, nem à custa de desinformação em massa.

O tema reverbera as tragédias ambientais dos últimos anos, com particular destaque para a catástrofe que arrasou diversas cidades no Rio Grande do Sul durante o mês de maio. O Vale do Taquari já sofrera enchentes violentas no ano passado. A capital do Estado, Porto Alegre, viu pedaços inteiros da área urbana submergirem nas águas inclementes. Outras cidades sumiram do mapa, deixando um rastro de desgraças e sofrimento. Vidas perdidas, gente desabrigada, escolas e hospitais destruídos, prejuízos econômicos incalculáveis. O tranco foi tão forte que, no mínimo, deveria fazer com que parássemos para pensar.

É escandaloso que, em uma época que exibe tão vistosamente alterações significativas no clima da Terra, com desdobramentos ambientais evidentes (calor, chuvas torrenciais, desmatamento, secas, ecossistemas desequilibrados), ainda não tenha encorpado a consciência de que precisamos mudar de rota. A ideia de cidades sustentáveis circula há tempo, mas poucas comunidades conseguiram avançar em direção a elas. Além do mais, a ideia foi apropriada pelo capital imobiliário e ficou confusa.

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No Brasil, sempre na rabeira de tantas coisas, fala-se muito em sustentabilidade, mas não se sabe bem do que se está a falar. A crise profunda e o uso abusivo da fizeram com que muitos digam que a sustentabilidade é um sonho numa noite de otimismo exagerado. A hora, agora, é de resistir e recuperar. O fato é que não há políticas voltadas para proteger cidades e ecossistemas. O País está exposto, desguarnecido.

O capitalismo avassalador, o consumismo, os deslocamentos constantes, a poluição, a queima indiscriminada de carbono, o desmatamento abusivo, a destruição da diversidade no reino vegetal e animal, a pesca predatória, a fúria com que se constroem arranha-céus nas cidades formam um bólido tóxico de efeito destrutivo. Demonstram a incapacidade de se estabelecer uma relação minimamente harmoniosa com a natureza.

Muitos ecologistas, meteorologistas, urbanistas e ambientalistas acreditam que ainda há tempo para a adoção de medidas cautelares e de recuperação do que já se perdeu. Havendo vontade política, mobilização e engajamento coletivo é possível mudar a rota e abrir caminho para formas de vida menos agressivas. No curto prazo, porém, as sirenes soam estridentes: preparemo-nos para novos desastres ambientais, que tenderão a ser cada vez mais graves. Eles virão não só porque continuamos a emitir gases de efeito estufa, como também porque estamos pagando o preço por termos emitidos toneladas deles ao longo das últimas décadas.

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Pensar em cidades resilientes não pode ser um capricho intelectual. É tema estratégico, que merece atenção de todos. Políticas urbanas podem ser preventivas, preparar as cidades para o que virá e cuidar do que já se tem. Calçadas esburacadas e impermeáveis são tão perigosas quanto habitações irregulares nas encostas de morros ou em áreas que circundam rios e lagos. Ocorre o mesmo com as falhas na avaliação do impacto ambiental de obras tidas como “imprescindíveis”.

Aglomerações urbanas resilientes têm políticas adequadas para respeitar o modo de ser de cada natureza e monitorar a desorganização ecológica, antecipando enchentes, secas, temperaturas elevadas. A perda de biodiversidade vegetal e animal, o esgotamento de recursos naturais não renováveis, a poluição da água, do ar, dos solos são fatos que conspiram contra a reprodução da vida no planeta.

Cidades resilientes procuram soluções criativas para mitigar acidentes ambientais. Muitas vezes trata-se somente de empregar boas e velhas práticas (paralelepípedos, calçadas permeáveis, diques). Valorizando-se os saberes comunitários, respeitando-se traçados originários e incrementando a vegetação nativa, por exemplo, pode-se alcançar melhores condições de vida, moradia, lazer.

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Boas políticas urbanas também incluem capacidade de resposta e estratégias de reconstrução, de acolhimento dos desabrigados, de remontagem dos equipamentos públicos destruídos. Algo está sendo feito no day after da tragédia que assola o Sul, mas muitas providências já poderiam ter sido tomadas e não foram. O Brasil está atrasado, não temos políticas e diretrizes nem para atenuar os efeitos do desequilíbrio ecológico nem para nos adaptarmos a ele. O País está voltado para o crescimento econômico a qualquer preço, sem transição energética. Não vai dar certo.

Que as vidas desperdiçadas, o sofrimento e os prejuízos materiais e imateriais trazidos pelas chuvas de maio ao menos nos ajudem a levar a sério os riscos climáticos e ambientais. Ou nos adaptamos ao que está em mudança acelerada, ou corremos o risco de uma escalada incontornável de tragédias.

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É PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA DA UNESP

É espantoso saber que uma em cada três cidades do País está desprevenida contra desastres climáticos. Milhões de pessoas, a qualquer momento, podem ser atingidas pela crise ambiental que, a esta altura, já deveria ser objeto de amplo conhecimento e de múltiplas providências. Não há negacionismo que possa ocultar o problema, nem à custa de desinformação em massa.

O tema reverbera as tragédias ambientais dos últimos anos, com particular destaque para a catástrofe que arrasou diversas cidades no Rio Grande do Sul durante o mês de maio. O Vale do Taquari já sofrera enchentes violentas no ano passado. A capital do Estado, Porto Alegre, viu pedaços inteiros da área urbana submergirem nas águas inclementes. Outras cidades sumiram do mapa, deixando um rastro de desgraças e sofrimento. Vidas perdidas, gente desabrigada, escolas e hospitais destruídos, prejuízos econômicos incalculáveis. O tranco foi tão forte que, no mínimo, deveria fazer com que parássemos para pensar.

É escandaloso que, em uma época que exibe tão vistosamente alterações significativas no clima da Terra, com desdobramentos ambientais evidentes (calor, chuvas torrenciais, desmatamento, secas, ecossistemas desequilibrados), ainda não tenha encorpado a consciência de que precisamos mudar de rota. A ideia de cidades sustentáveis circula há tempo, mas poucas comunidades conseguiram avançar em direção a elas. Além do mais, a ideia foi apropriada pelo capital imobiliário e ficou confusa.

No Brasil, sempre na rabeira de tantas coisas, fala-se muito em sustentabilidade, mas não se sabe bem do que se está a falar. A crise profunda e o uso abusivo da fizeram com que muitos digam que a sustentabilidade é um sonho numa noite de otimismo exagerado. A hora, agora, é de resistir e recuperar. O fato é que não há políticas voltadas para proteger cidades e ecossistemas. O País está exposto, desguarnecido.

O capitalismo avassalador, o consumismo, os deslocamentos constantes, a poluição, a queima indiscriminada de carbono, o desmatamento abusivo, a destruição da diversidade no reino vegetal e animal, a pesca predatória, a fúria com que se constroem arranha-céus nas cidades formam um bólido tóxico de efeito destrutivo. Demonstram a incapacidade de se estabelecer uma relação minimamente harmoniosa com a natureza.

Muitos ecologistas, meteorologistas, urbanistas e ambientalistas acreditam que ainda há tempo para a adoção de medidas cautelares e de recuperação do que já se perdeu. Havendo vontade política, mobilização e engajamento coletivo é possível mudar a rota e abrir caminho para formas de vida menos agressivas. No curto prazo, porém, as sirenes soam estridentes: preparemo-nos para novos desastres ambientais, que tenderão a ser cada vez mais graves. Eles virão não só porque continuamos a emitir gases de efeito estufa, como também porque estamos pagando o preço por termos emitidos toneladas deles ao longo das últimas décadas.

Pensar em cidades resilientes não pode ser um capricho intelectual. É tema estratégico, que merece atenção de todos. Políticas urbanas podem ser preventivas, preparar as cidades para o que virá e cuidar do que já se tem. Calçadas esburacadas e impermeáveis são tão perigosas quanto habitações irregulares nas encostas de morros ou em áreas que circundam rios e lagos. Ocorre o mesmo com as falhas na avaliação do impacto ambiental de obras tidas como “imprescindíveis”.

Aglomerações urbanas resilientes têm políticas adequadas para respeitar o modo de ser de cada natureza e monitorar a desorganização ecológica, antecipando enchentes, secas, temperaturas elevadas. A perda de biodiversidade vegetal e animal, o esgotamento de recursos naturais não renováveis, a poluição da água, do ar, dos solos são fatos que conspiram contra a reprodução da vida no planeta.

Cidades resilientes procuram soluções criativas para mitigar acidentes ambientais. Muitas vezes trata-se somente de empregar boas e velhas práticas (paralelepípedos, calçadas permeáveis, diques). Valorizando-se os saberes comunitários, respeitando-se traçados originários e incrementando a vegetação nativa, por exemplo, pode-se alcançar melhores condições de vida, moradia, lazer.

Boas políticas urbanas também incluem capacidade de resposta e estratégias de reconstrução, de acolhimento dos desabrigados, de remontagem dos equipamentos públicos destruídos. Algo está sendo feito no day after da tragédia que assola o Sul, mas muitas providências já poderiam ter sido tomadas e não foram. O Brasil está atrasado, não temos políticas e diretrizes nem para atenuar os efeitos do desequilíbrio ecológico nem para nos adaptarmos a ele. O País está voltado para o crescimento econômico a qualquer preço, sem transição energética. Não vai dar certo.

Que as vidas desperdiçadas, o sofrimento e os prejuízos materiais e imateriais trazidos pelas chuvas de maio ao menos nos ajudem a levar a sério os riscos climáticos e ambientais. Ou nos adaptamos ao que está em mudança acelerada, ou corremos o risco de uma escalada incontornável de tragédias.

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É PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA DA UNESP

É espantoso saber que uma em cada três cidades do País está desprevenida contra desastres climáticos. Milhões de pessoas, a qualquer momento, podem ser atingidas pela crise ambiental que, a esta altura, já deveria ser objeto de amplo conhecimento e de múltiplas providências. Não há negacionismo que possa ocultar o problema, nem à custa de desinformação em massa.

O tema reverbera as tragédias ambientais dos últimos anos, com particular destaque para a catástrofe que arrasou diversas cidades no Rio Grande do Sul durante o mês de maio. O Vale do Taquari já sofrera enchentes violentas no ano passado. A capital do Estado, Porto Alegre, viu pedaços inteiros da área urbana submergirem nas águas inclementes. Outras cidades sumiram do mapa, deixando um rastro de desgraças e sofrimento. Vidas perdidas, gente desabrigada, escolas e hospitais destruídos, prejuízos econômicos incalculáveis. O tranco foi tão forte que, no mínimo, deveria fazer com que parássemos para pensar.

É escandaloso que, em uma época que exibe tão vistosamente alterações significativas no clima da Terra, com desdobramentos ambientais evidentes (calor, chuvas torrenciais, desmatamento, secas, ecossistemas desequilibrados), ainda não tenha encorpado a consciência de que precisamos mudar de rota. A ideia de cidades sustentáveis circula há tempo, mas poucas comunidades conseguiram avançar em direção a elas. Além do mais, a ideia foi apropriada pelo capital imobiliário e ficou confusa.

No Brasil, sempre na rabeira de tantas coisas, fala-se muito em sustentabilidade, mas não se sabe bem do que se está a falar. A crise profunda e o uso abusivo da fizeram com que muitos digam que a sustentabilidade é um sonho numa noite de otimismo exagerado. A hora, agora, é de resistir e recuperar. O fato é que não há políticas voltadas para proteger cidades e ecossistemas. O País está exposto, desguarnecido.

O capitalismo avassalador, o consumismo, os deslocamentos constantes, a poluição, a queima indiscriminada de carbono, o desmatamento abusivo, a destruição da diversidade no reino vegetal e animal, a pesca predatória, a fúria com que se constroem arranha-céus nas cidades formam um bólido tóxico de efeito destrutivo. Demonstram a incapacidade de se estabelecer uma relação minimamente harmoniosa com a natureza.

Muitos ecologistas, meteorologistas, urbanistas e ambientalistas acreditam que ainda há tempo para a adoção de medidas cautelares e de recuperação do que já se perdeu. Havendo vontade política, mobilização e engajamento coletivo é possível mudar a rota e abrir caminho para formas de vida menos agressivas. No curto prazo, porém, as sirenes soam estridentes: preparemo-nos para novos desastres ambientais, que tenderão a ser cada vez mais graves. Eles virão não só porque continuamos a emitir gases de efeito estufa, como também porque estamos pagando o preço por termos emitidos toneladas deles ao longo das últimas décadas.

Pensar em cidades resilientes não pode ser um capricho intelectual. É tema estratégico, que merece atenção de todos. Políticas urbanas podem ser preventivas, preparar as cidades para o que virá e cuidar do que já se tem. Calçadas esburacadas e impermeáveis são tão perigosas quanto habitações irregulares nas encostas de morros ou em áreas que circundam rios e lagos. Ocorre o mesmo com as falhas na avaliação do impacto ambiental de obras tidas como “imprescindíveis”.

Aglomerações urbanas resilientes têm políticas adequadas para respeitar o modo de ser de cada natureza e monitorar a desorganização ecológica, antecipando enchentes, secas, temperaturas elevadas. A perda de biodiversidade vegetal e animal, o esgotamento de recursos naturais não renováveis, a poluição da água, do ar, dos solos são fatos que conspiram contra a reprodução da vida no planeta.

Cidades resilientes procuram soluções criativas para mitigar acidentes ambientais. Muitas vezes trata-se somente de empregar boas e velhas práticas (paralelepípedos, calçadas permeáveis, diques). Valorizando-se os saberes comunitários, respeitando-se traçados originários e incrementando a vegetação nativa, por exemplo, pode-se alcançar melhores condições de vida, moradia, lazer.

Boas políticas urbanas também incluem capacidade de resposta e estratégias de reconstrução, de acolhimento dos desabrigados, de remontagem dos equipamentos públicos destruídos. Algo está sendo feito no day after da tragédia que assola o Sul, mas muitas providências já poderiam ter sido tomadas e não foram. O Brasil está atrasado, não temos políticas e diretrizes nem para atenuar os efeitos do desequilíbrio ecológico nem para nos adaptarmos a ele. O País está voltado para o crescimento econômico a qualquer preço, sem transição energética. Não vai dar certo.

Que as vidas desperdiçadas, o sofrimento e os prejuízos materiais e imateriais trazidos pelas chuvas de maio ao menos nos ajudem a levar a sério os riscos climáticos e ambientais. Ou nos adaptamos ao que está em mudança acelerada, ou corremos o risco de uma escalada incontornável de tragédias.

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