Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras e ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Enfrentar a armadilha


Para nos livrar da direita bolsonarista, o governo deve convocar a Nação para cerrar fileira em torno de um projeto de crescimento com equilíbrio fiscal

Por Miguel Reale Júnior

Imensa pobreza de espírito domina o ambiente nacional. Questões irrelevantes apresentam-se como preocupações centrais da cena política. Não surge para discussão um projeto de país, com a indicação de pontos cardiais a serem enfrentados e das medidas necessárias.

A ausência de líderes condutores das agremiações políticas torna ainda mais angustiante o sistema de governo presidencialista, caracterizado pela entrega de benesses para obtenção de maioria congressual.

Desde Fernando Collor o País vive crises, que redundaram em impeachments ou na instauração de processos criminais, relativos às práticas de corrupção adotadas para assegurar governabilidade, como retratam os episódios do mensalão e do petrolão.

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O sistema político não cultiva a lealdade, a adoção conjunta de plano de governo compartilhado pelo Executivo e Legislativo, ambos empenhados na execução de programa administrativo. Prevalece contínua barganha a cada votação, em pescaria no varejo.

Dificultada a compra de apoio político por via de corrupção em dinheiro, dada a intimidação decorrente dos processos criminais, instalou-se outro modo de cooptação, já considerado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) inconstitucional: as emendas do relator-geral do Orçamento, ora substituídas pela emenda Pix (ver Estadão, 30/6, A8).

Conforme lei cujo projeto foi enviado ao Congresso por Jair Bolsonaro, o relator-geral do Orçamento decide sobre liberação de verba solicitada pelos deputados e senadores, sem que fique registrado o solicitante, havendo apenas a especificação do valor a ser transferido para determinado município.

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Por via do orçamento secreto, compraram tratores, construíram estradas beneficiando redutos eleitorais de aliados que restavam ocultos, com suspeita de superfaturamentos. Para o STF, ao julgar as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 850, 851, esse tipo de emendas, que alcançou quase R$ 20 bilhões em 2023, viola os princípios constitucionais da transparência e da moralidade, por não terem identificação do proponente e clareza sobre o destinatário. Na emenda Pix se identifica o solicitante; no entanto, direcionam valores aos municípios sem vinculação a qualquer finalidade, estando na mira do Tribunal de Contas da União (TCU) controlar o destino do dinheiro (https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/orcamento-secreto/).

Assim, o Orçamento, enquanto fixação de metas e prioridades a serem obtidas mediante planejamento estratégico, com respeito ao equilíbrio fiscal, vai para o espaço, promovendo-se a aplicação de recursos de forma obscura, desarticulada, apenas para benefício de interesses deste ou daquele parlamentar.

Além de o Orçamento virar um emaranhado de gastos desconexos, há a triste constatação de ser uma forma admitida de corrupção do Legislativo. O governo, sem mensalão, sem petrolão, sem orçamento secreto, ainda conta com a emenda Pix para formar maioria, além de buscar governabilidade na entrega de ministérios a membros dos diversos partidos, que no plano das ideias nada significam, sendo apenas um aglomerado de agentes políticos. Assim, não é por terem deputado de seu partido à frente de ministério que os deputados apoiam a pauta do Executivo.

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No quadro atual não se pacificou o País nem se reuniu a classe política e a sociedade civil em torno de um projeto de nação. O governo está à deriva, sujeito ao poder dos presidentes do Legislativo. Em especial, o presidente da Câmara dos Deputados, que põe em votação, em regime de urgência, questões de somenos para o destino do Brasil, apenas para colocar o presidente nas cordas.

Por exemplo, Arthur Lira provoca a Nação mandando ao plenário projeto que qualifica o aborto após 22 semanas, mesmo quando a gravidez é fruto de estupro, como homicídio; vota projeto que dificulta a saída temporária na execução penal, quebrando com uma política bem-sucedida de aproximação do preso à vida social; recupera projeto de 2015 que proíbe a colaboração premiada se o réu estiver preso, impedindo o uso dessa medida como importante instrumento no enfrentamento ao crime organizado.

Pouco importa o significado da medida prevista, como no caso do aborto de mulher ou menina vítima de estupro, pois os farisaicos proponentes ignoram que se justifica desde 1940 o aborto da mulher com gravidez decorrente de estupro para preservar a maternidade. Na hipótese de gravidez fruto de estupro, dois sentimentos antagônicos assaltam a mulher, que terá de viver o amor de mãe no filho de quem a violentou, cuja lembrança estará sempre presente na figura da criança que gera. No sorriso do bebê, o rosto do estuprador.

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Mas isso não importa a Lira e aos seus obedientes sequazes. Relevante é colocar o governo contra a parede, que precisa enfrentar a armadilha do presidencialismo somado ao sistema eleitoral proporcional com multiplicidade de partidos. O governo, para nos livrar da direita bolsonarista, deve, em tarefa difícil, mas inadiável, convocar a Nação para cerrar fileira em torno de um projeto de crescimento com equilíbrio fiscal, visando a sair do atual imobilismo, driblando a contínua extorsão do Parlamento.

*

ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

Imensa pobreza de espírito domina o ambiente nacional. Questões irrelevantes apresentam-se como preocupações centrais da cena política. Não surge para discussão um projeto de país, com a indicação de pontos cardiais a serem enfrentados e das medidas necessárias.

A ausência de líderes condutores das agremiações políticas torna ainda mais angustiante o sistema de governo presidencialista, caracterizado pela entrega de benesses para obtenção de maioria congressual.

Desde Fernando Collor o País vive crises, que redundaram em impeachments ou na instauração de processos criminais, relativos às práticas de corrupção adotadas para assegurar governabilidade, como retratam os episódios do mensalão e do petrolão.

O sistema político não cultiva a lealdade, a adoção conjunta de plano de governo compartilhado pelo Executivo e Legislativo, ambos empenhados na execução de programa administrativo. Prevalece contínua barganha a cada votação, em pescaria no varejo.

Dificultada a compra de apoio político por via de corrupção em dinheiro, dada a intimidação decorrente dos processos criminais, instalou-se outro modo de cooptação, já considerado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) inconstitucional: as emendas do relator-geral do Orçamento, ora substituídas pela emenda Pix (ver Estadão, 30/6, A8).

Conforme lei cujo projeto foi enviado ao Congresso por Jair Bolsonaro, o relator-geral do Orçamento decide sobre liberação de verba solicitada pelos deputados e senadores, sem que fique registrado o solicitante, havendo apenas a especificação do valor a ser transferido para determinado município.

Por via do orçamento secreto, compraram tratores, construíram estradas beneficiando redutos eleitorais de aliados que restavam ocultos, com suspeita de superfaturamentos. Para o STF, ao julgar as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 850, 851, esse tipo de emendas, que alcançou quase R$ 20 bilhões em 2023, viola os princípios constitucionais da transparência e da moralidade, por não terem identificação do proponente e clareza sobre o destinatário. Na emenda Pix se identifica o solicitante; no entanto, direcionam valores aos municípios sem vinculação a qualquer finalidade, estando na mira do Tribunal de Contas da União (TCU) controlar o destino do dinheiro (https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/orcamento-secreto/).

Assim, o Orçamento, enquanto fixação de metas e prioridades a serem obtidas mediante planejamento estratégico, com respeito ao equilíbrio fiscal, vai para o espaço, promovendo-se a aplicação de recursos de forma obscura, desarticulada, apenas para benefício de interesses deste ou daquele parlamentar.

Além de o Orçamento virar um emaranhado de gastos desconexos, há a triste constatação de ser uma forma admitida de corrupção do Legislativo. O governo, sem mensalão, sem petrolão, sem orçamento secreto, ainda conta com a emenda Pix para formar maioria, além de buscar governabilidade na entrega de ministérios a membros dos diversos partidos, que no plano das ideias nada significam, sendo apenas um aglomerado de agentes políticos. Assim, não é por terem deputado de seu partido à frente de ministério que os deputados apoiam a pauta do Executivo.

No quadro atual não se pacificou o País nem se reuniu a classe política e a sociedade civil em torno de um projeto de nação. O governo está à deriva, sujeito ao poder dos presidentes do Legislativo. Em especial, o presidente da Câmara dos Deputados, que põe em votação, em regime de urgência, questões de somenos para o destino do Brasil, apenas para colocar o presidente nas cordas.

Por exemplo, Arthur Lira provoca a Nação mandando ao plenário projeto que qualifica o aborto após 22 semanas, mesmo quando a gravidez é fruto de estupro, como homicídio; vota projeto que dificulta a saída temporária na execução penal, quebrando com uma política bem-sucedida de aproximação do preso à vida social; recupera projeto de 2015 que proíbe a colaboração premiada se o réu estiver preso, impedindo o uso dessa medida como importante instrumento no enfrentamento ao crime organizado.

Pouco importa o significado da medida prevista, como no caso do aborto de mulher ou menina vítima de estupro, pois os farisaicos proponentes ignoram que se justifica desde 1940 o aborto da mulher com gravidez decorrente de estupro para preservar a maternidade. Na hipótese de gravidez fruto de estupro, dois sentimentos antagônicos assaltam a mulher, que terá de viver o amor de mãe no filho de quem a violentou, cuja lembrança estará sempre presente na figura da criança que gera. No sorriso do bebê, o rosto do estuprador.

Mas isso não importa a Lira e aos seus obedientes sequazes. Relevante é colocar o governo contra a parede, que precisa enfrentar a armadilha do presidencialismo somado ao sistema eleitoral proporcional com multiplicidade de partidos. O governo, para nos livrar da direita bolsonarista, deve, em tarefa difícil, mas inadiável, convocar a Nação para cerrar fileira em torno de um projeto de crescimento com equilíbrio fiscal, visando a sair do atual imobilismo, driblando a contínua extorsão do Parlamento.

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ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

Imensa pobreza de espírito domina o ambiente nacional. Questões irrelevantes apresentam-se como preocupações centrais da cena política. Não surge para discussão um projeto de país, com a indicação de pontos cardiais a serem enfrentados e das medidas necessárias.

A ausência de líderes condutores das agremiações políticas torna ainda mais angustiante o sistema de governo presidencialista, caracterizado pela entrega de benesses para obtenção de maioria congressual.

Desde Fernando Collor o País vive crises, que redundaram em impeachments ou na instauração de processos criminais, relativos às práticas de corrupção adotadas para assegurar governabilidade, como retratam os episódios do mensalão e do petrolão.

O sistema político não cultiva a lealdade, a adoção conjunta de plano de governo compartilhado pelo Executivo e Legislativo, ambos empenhados na execução de programa administrativo. Prevalece contínua barganha a cada votação, em pescaria no varejo.

Dificultada a compra de apoio político por via de corrupção em dinheiro, dada a intimidação decorrente dos processos criminais, instalou-se outro modo de cooptação, já considerado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) inconstitucional: as emendas do relator-geral do Orçamento, ora substituídas pela emenda Pix (ver Estadão, 30/6, A8).

Conforme lei cujo projeto foi enviado ao Congresso por Jair Bolsonaro, o relator-geral do Orçamento decide sobre liberação de verba solicitada pelos deputados e senadores, sem que fique registrado o solicitante, havendo apenas a especificação do valor a ser transferido para determinado município.

Por via do orçamento secreto, compraram tratores, construíram estradas beneficiando redutos eleitorais de aliados que restavam ocultos, com suspeita de superfaturamentos. Para o STF, ao julgar as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 850, 851, esse tipo de emendas, que alcançou quase R$ 20 bilhões em 2023, viola os princípios constitucionais da transparência e da moralidade, por não terem identificação do proponente e clareza sobre o destinatário. Na emenda Pix se identifica o solicitante; no entanto, direcionam valores aos municípios sem vinculação a qualquer finalidade, estando na mira do Tribunal de Contas da União (TCU) controlar o destino do dinheiro (https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/orcamento-secreto/).

Assim, o Orçamento, enquanto fixação de metas e prioridades a serem obtidas mediante planejamento estratégico, com respeito ao equilíbrio fiscal, vai para o espaço, promovendo-se a aplicação de recursos de forma obscura, desarticulada, apenas para benefício de interesses deste ou daquele parlamentar.

Além de o Orçamento virar um emaranhado de gastos desconexos, há a triste constatação de ser uma forma admitida de corrupção do Legislativo. O governo, sem mensalão, sem petrolão, sem orçamento secreto, ainda conta com a emenda Pix para formar maioria, além de buscar governabilidade na entrega de ministérios a membros dos diversos partidos, que no plano das ideias nada significam, sendo apenas um aglomerado de agentes políticos. Assim, não é por terem deputado de seu partido à frente de ministério que os deputados apoiam a pauta do Executivo.

No quadro atual não se pacificou o País nem se reuniu a classe política e a sociedade civil em torno de um projeto de nação. O governo está à deriva, sujeito ao poder dos presidentes do Legislativo. Em especial, o presidente da Câmara dos Deputados, que põe em votação, em regime de urgência, questões de somenos para o destino do Brasil, apenas para colocar o presidente nas cordas.

Por exemplo, Arthur Lira provoca a Nação mandando ao plenário projeto que qualifica o aborto após 22 semanas, mesmo quando a gravidez é fruto de estupro, como homicídio; vota projeto que dificulta a saída temporária na execução penal, quebrando com uma política bem-sucedida de aproximação do preso à vida social; recupera projeto de 2015 que proíbe a colaboração premiada se o réu estiver preso, impedindo o uso dessa medida como importante instrumento no enfrentamento ao crime organizado.

Pouco importa o significado da medida prevista, como no caso do aborto de mulher ou menina vítima de estupro, pois os farisaicos proponentes ignoram que se justifica desde 1940 o aborto da mulher com gravidez decorrente de estupro para preservar a maternidade. Na hipótese de gravidez fruto de estupro, dois sentimentos antagônicos assaltam a mulher, que terá de viver o amor de mãe no filho de quem a violentou, cuja lembrança estará sempre presente na figura da criança que gera. No sorriso do bebê, o rosto do estuprador.

Mas isso não importa a Lira e aos seus obedientes sequazes. Relevante é colocar o governo contra a parede, que precisa enfrentar a armadilha do presidencialismo somado ao sistema eleitoral proporcional com multiplicidade de partidos. O governo, para nos livrar da direita bolsonarista, deve, em tarefa difícil, mas inadiável, convocar a Nação para cerrar fileira em torno de um projeto de crescimento com equilíbrio fiscal, visando a sair do atual imobilismo, driblando a contínua extorsão do Parlamento.

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ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

Imensa pobreza de espírito domina o ambiente nacional. Questões irrelevantes apresentam-se como preocupações centrais da cena política. Não surge para discussão um projeto de país, com a indicação de pontos cardiais a serem enfrentados e das medidas necessárias.

A ausência de líderes condutores das agremiações políticas torna ainda mais angustiante o sistema de governo presidencialista, caracterizado pela entrega de benesses para obtenção de maioria congressual.

Desde Fernando Collor o País vive crises, que redundaram em impeachments ou na instauração de processos criminais, relativos às práticas de corrupção adotadas para assegurar governabilidade, como retratam os episódios do mensalão e do petrolão.

O sistema político não cultiva a lealdade, a adoção conjunta de plano de governo compartilhado pelo Executivo e Legislativo, ambos empenhados na execução de programa administrativo. Prevalece contínua barganha a cada votação, em pescaria no varejo.

Dificultada a compra de apoio político por via de corrupção em dinheiro, dada a intimidação decorrente dos processos criminais, instalou-se outro modo de cooptação, já considerado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) inconstitucional: as emendas do relator-geral do Orçamento, ora substituídas pela emenda Pix (ver Estadão, 30/6, A8).

Conforme lei cujo projeto foi enviado ao Congresso por Jair Bolsonaro, o relator-geral do Orçamento decide sobre liberação de verba solicitada pelos deputados e senadores, sem que fique registrado o solicitante, havendo apenas a especificação do valor a ser transferido para determinado município.

Por via do orçamento secreto, compraram tratores, construíram estradas beneficiando redutos eleitorais de aliados que restavam ocultos, com suspeita de superfaturamentos. Para o STF, ao julgar as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 850, 851, esse tipo de emendas, que alcançou quase R$ 20 bilhões em 2023, viola os princípios constitucionais da transparência e da moralidade, por não terem identificação do proponente e clareza sobre o destinatário. Na emenda Pix se identifica o solicitante; no entanto, direcionam valores aos municípios sem vinculação a qualquer finalidade, estando na mira do Tribunal de Contas da União (TCU) controlar o destino do dinheiro (https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/orcamento-secreto/).

Assim, o Orçamento, enquanto fixação de metas e prioridades a serem obtidas mediante planejamento estratégico, com respeito ao equilíbrio fiscal, vai para o espaço, promovendo-se a aplicação de recursos de forma obscura, desarticulada, apenas para benefício de interesses deste ou daquele parlamentar.

Além de o Orçamento virar um emaranhado de gastos desconexos, há a triste constatação de ser uma forma admitida de corrupção do Legislativo. O governo, sem mensalão, sem petrolão, sem orçamento secreto, ainda conta com a emenda Pix para formar maioria, além de buscar governabilidade na entrega de ministérios a membros dos diversos partidos, que no plano das ideias nada significam, sendo apenas um aglomerado de agentes políticos. Assim, não é por terem deputado de seu partido à frente de ministério que os deputados apoiam a pauta do Executivo.

No quadro atual não se pacificou o País nem se reuniu a classe política e a sociedade civil em torno de um projeto de nação. O governo está à deriva, sujeito ao poder dos presidentes do Legislativo. Em especial, o presidente da Câmara dos Deputados, que põe em votação, em regime de urgência, questões de somenos para o destino do Brasil, apenas para colocar o presidente nas cordas.

Por exemplo, Arthur Lira provoca a Nação mandando ao plenário projeto que qualifica o aborto após 22 semanas, mesmo quando a gravidez é fruto de estupro, como homicídio; vota projeto que dificulta a saída temporária na execução penal, quebrando com uma política bem-sucedida de aproximação do preso à vida social; recupera projeto de 2015 que proíbe a colaboração premiada se o réu estiver preso, impedindo o uso dessa medida como importante instrumento no enfrentamento ao crime organizado.

Pouco importa o significado da medida prevista, como no caso do aborto de mulher ou menina vítima de estupro, pois os farisaicos proponentes ignoram que se justifica desde 1940 o aborto da mulher com gravidez decorrente de estupro para preservar a maternidade. Na hipótese de gravidez fruto de estupro, dois sentimentos antagônicos assaltam a mulher, que terá de viver o amor de mãe no filho de quem a violentou, cuja lembrança estará sempre presente na figura da criança que gera. No sorriso do bebê, o rosto do estuprador.

Mas isso não importa a Lira e aos seus obedientes sequazes. Relevante é colocar o governo contra a parede, que precisa enfrentar a armadilha do presidencialismo somado ao sistema eleitoral proporcional com multiplicidade de partidos. O governo, para nos livrar da direita bolsonarista, deve, em tarefa difícil, mas inadiável, convocar a Nação para cerrar fileira em torno de um projeto de crescimento com equilíbrio fiscal, visando a sair do atual imobilismo, driblando a contínua extorsão do Parlamento.

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ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

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