Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras e ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|'Fake news' nas eleições


Cabe ao Congresso Nacional, no combate à pirataria informativa, derrubar o veto presidencial ao artigo 359-O da lei que altera o Código Penal.

Por Miguel Reale Júnior

Em discurso de posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Edson Fachin foi enfático na defesa da lisura do processo eleitoral, cuja integridade cabe ser repetidamente proclamada, com total respeito ao escore das urnas.

Destaca o presidente do TSE o perigo das armadilhas da pirataria informativa que se vale do uso de robôs e de contas falsas para disparos em massa, levando a uma distorção sistemática da verdade.

Quais instrumentos legais estão previstos na legislação ou em vias de serem estatuídos para prevenir e reprimir atos ilícitos provocadores de acusações falsas a adversários ou que atingem a própria higidez do processo eleitoral?

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Desde sua edição, em 1965, o Código Eleitoral consagrava o direito de resposta em face de declarações ofensivas à honra de candidato na propaganda eleitoral. Esse direito foi estendido, pela Lei n.º 9.504/97, também para o caso de afirmação sabidamente inverídica.

Ampliou-se o direito de resposta, em 2009, ao veiculado pela internet. A Resolução do TSE n.º 23.610/19 (art. 38, § 1.º) proíbe afirmações violadoras das regras eleitorais ou ofensas a direitos de participantes do processo eleitoral. Essa vedação compreende a repressão a menções sabidamente inverídicas, em vista das quais fica autorizada, além do direito de resposta, a remoção da matéria por ordem judicial.

Por sua vez, o Marco Civil da Internet (Lei n.º 12.965/14), no art. 19, apenas prevê a determinação judicial liminar de indisponibilidade de conteúdo verossimilmente ofensivo à honra ou a direito da personalidade, sendo de interesse da coletividade sua remoção. A desobediência à ordem judicial resulta em responsabilidade civil. Todavia, cada plataforma tem termo de uso sobre conteúdo aceito ou não em sua rede.

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O presidente da República, cultor das fake news, tentou, por via da Medida Provisória n.º 1.608/21, criar obstáculos à possibilidade de remoção de conteúdo ofensivo ou lesivo ao interesse da coletividade.

A medida provisória foi devolvida pelo presidente do Congresso Nacional, por inconstitucional e por haver projeto, aprovado no Senado, tramitando na Câmara criando mecanismos de autorregulação pelas plataformas, dotadas, portanto, do poder de moderação das publicações.

No plano penal, lei recente alterou o art. 323 do Código Eleitoral. Tornou-se crime “divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado”.

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Tal constitui avanço na luta contra a desinformação, pois a notícia veiculada pode ser reprimida – independentemente de constituir ofensa à honra – se contiver potencialidade para influenciar o eleitorado, deturpando a vontade do eleitor com mentiras sobre partido ou candidato.

Mas, na proteção da democracia, cumpre ir além da preservação de interesse particular de partido ou candidato. É necessário proteger a fidedignidade do processo eleitoral e o respeito ao resultado das eleições.

Para tanto, recente lei, que introduziu no Código Penal capítulo relativo à tutela do Estado Democrático de Direito, trouxe importantes normas incriminadoras de atos atentatórios à higidez das eleições e ao processo de aferição dos resultados.

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Bem se incrimina, no art. 359-N do Código Penal, a perturbação da eleição ou da aferição do resultado mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico.

De outra parte, se a democracia resulta da escolha livre e consciente dos representantes do povo, essa liberdade e essa consciência desaparecem se houver a prevalência da desinformação na formação da vontade do eleitor. Também assim se sabidamente se colocam, de má-fé, dúvidas sobre a correção do método de votação.

Destaco, então, outra norma incriminadora, vetada pelo presidente da República, mas cujo veto se espera seja derrubado pelo Congresso no combate à pirataria informativa nas eleições, pois se deve tutelar a higidez da eleição em face da mentira. Diz a norma imotivadamente vetada: “Art. 359-O. Promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral – Pena: reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa”.

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Bolsonaro, agora em nova fase agressiva às urnas eletrônicas, que se comprometera a respeitar, buscou envolver o Exército na falsa denúncia da insegurança do voto eletrônico. Buscou, à moda Trump, emporcalhar desde já a eleição que pode perder.

Essa conduta compromete o Estado Democrático de Direito, fundado no respeito ao processo eleitoral no seu conjunto, pois o deturpa com campanha de falsidades acerca da insegurança das urnas eletrônicas. Assim, a vigência desta norma penal vetada é essencial na defesa da democracia, ao punir mentiras deste quilate, lesivas à credibilidade da eleição. Cabe ao Congresso derrubar o veto.

*

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ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

Em discurso de posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Edson Fachin foi enfático na defesa da lisura do processo eleitoral, cuja integridade cabe ser repetidamente proclamada, com total respeito ao escore das urnas.

Destaca o presidente do TSE o perigo das armadilhas da pirataria informativa que se vale do uso de robôs e de contas falsas para disparos em massa, levando a uma distorção sistemática da verdade.

Quais instrumentos legais estão previstos na legislação ou em vias de serem estatuídos para prevenir e reprimir atos ilícitos provocadores de acusações falsas a adversários ou que atingem a própria higidez do processo eleitoral?

Desde sua edição, em 1965, o Código Eleitoral consagrava o direito de resposta em face de declarações ofensivas à honra de candidato na propaganda eleitoral. Esse direito foi estendido, pela Lei n.º 9.504/97, também para o caso de afirmação sabidamente inverídica.

Ampliou-se o direito de resposta, em 2009, ao veiculado pela internet. A Resolução do TSE n.º 23.610/19 (art. 38, § 1.º) proíbe afirmações violadoras das regras eleitorais ou ofensas a direitos de participantes do processo eleitoral. Essa vedação compreende a repressão a menções sabidamente inverídicas, em vista das quais fica autorizada, além do direito de resposta, a remoção da matéria por ordem judicial.

Por sua vez, o Marco Civil da Internet (Lei n.º 12.965/14), no art. 19, apenas prevê a determinação judicial liminar de indisponibilidade de conteúdo verossimilmente ofensivo à honra ou a direito da personalidade, sendo de interesse da coletividade sua remoção. A desobediência à ordem judicial resulta em responsabilidade civil. Todavia, cada plataforma tem termo de uso sobre conteúdo aceito ou não em sua rede.

O presidente da República, cultor das fake news, tentou, por via da Medida Provisória n.º 1.608/21, criar obstáculos à possibilidade de remoção de conteúdo ofensivo ou lesivo ao interesse da coletividade.

A medida provisória foi devolvida pelo presidente do Congresso Nacional, por inconstitucional e por haver projeto, aprovado no Senado, tramitando na Câmara criando mecanismos de autorregulação pelas plataformas, dotadas, portanto, do poder de moderação das publicações.

No plano penal, lei recente alterou o art. 323 do Código Eleitoral. Tornou-se crime “divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado”.

Tal constitui avanço na luta contra a desinformação, pois a notícia veiculada pode ser reprimida – independentemente de constituir ofensa à honra – se contiver potencialidade para influenciar o eleitorado, deturpando a vontade do eleitor com mentiras sobre partido ou candidato.

Mas, na proteção da democracia, cumpre ir além da preservação de interesse particular de partido ou candidato. É necessário proteger a fidedignidade do processo eleitoral e o respeito ao resultado das eleições.

Para tanto, recente lei, que introduziu no Código Penal capítulo relativo à tutela do Estado Democrático de Direito, trouxe importantes normas incriminadoras de atos atentatórios à higidez das eleições e ao processo de aferição dos resultados.

Bem se incrimina, no art. 359-N do Código Penal, a perturbação da eleição ou da aferição do resultado mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico.

De outra parte, se a democracia resulta da escolha livre e consciente dos representantes do povo, essa liberdade e essa consciência desaparecem se houver a prevalência da desinformação na formação da vontade do eleitor. Também assim se sabidamente se colocam, de má-fé, dúvidas sobre a correção do método de votação.

Destaco, então, outra norma incriminadora, vetada pelo presidente da República, mas cujo veto se espera seja derrubado pelo Congresso no combate à pirataria informativa nas eleições, pois se deve tutelar a higidez da eleição em face da mentira. Diz a norma imotivadamente vetada: “Art. 359-O. Promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral – Pena: reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa”.

Bolsonaro, agora em nova fase agressiva às urnas eletrônicas, que se comprometera a respeitar, buscou envolver o Exército na falsa denúncia da insegurança do voto eletrônico. Buscou, à moda Trump, emporcalhar desde já a eleição que pode perder.

Essa conduta compromete o Estado Democrático de Direito, fundado no respeito ao processo eleitoral no seu conjunto, pois o deturpa com campanha de falsidades acerca da insegurança das urnas eletrônicas. Assim, a vigência desta norma penal vetada é essencial na defesa da democracia, ao punir mentiras deste quilate, lesivas à credibilidade da eleição. Cabe ao Congresso derrubar o veto.

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ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

Em discurso de posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Edson Fachin foi enfático na defesa da lisura do processo eleitoral, cuja integridade cabe ser repetidamente proclamada, com total respeito ao escore das urnas.

Destaca o presidente do TSE o perigo das armadilhas da pirataria informativa que se vale do uso de robôs e de contas falsas para disparos em massa, levando a uma distorção sistemática da verdade.

Quais instrumentos legais estão previstos na legislação ou em vias de serem estatuídos para prevenir e reprimir atos ilícitos provocadores de acusações falsas a adversários ou que atingem a própria higidez do processo eleitoral?

Desde sua edição, em 1965, o Código Eleitoral consagrava o direito de resposta em face de declarações ofensivas à honra de candidato na propaganda eleitoral. Esse direito foi estendido, pela Lei n.º 9.504/97, também para o caso de afirmação sabidamente inverídica.

Ampliou-se o direito de resposta, em 2009, ao veiculado pela internet. A Resolução do TSE n.º 23.610/19 (art. 38, § 1.º) proíbe afirmações violadoras das regras eleitorais ou ofensas a direitos de participantes do processo eleitoral. Essa vedação compreende a repressão a menções sabidamente inverídicas, em vista das quais fica autorizada, além do direito de resposta, a remoção da matéria por ordem judicial.

Por sua vez, o Marco Civil da Internet (Lei n.º 12.965/14), no art. 19, apenas prevê a determinação judicial liminar de indisponibilidade de conteúdo verossimilmente ofensivo à honra ou a direito da personalidade, sendo de interesse da coletividade sua remoção. A desobediência à ordem judicial resulta em responsabilidade civil. Todavia, cada plataforma tem termo de uso sobre conteúdo aceito ou não em sua rede.

O presidente da República, cultor das fake news, tentou, por via da Medida Provisória n.º 1.608/21, criar obstáculos à possibilidade de remoção de conteúdo ofensivo ou lesivo ao interesse da coletividade.

A medida provisória foi devolvida pelo presidente do Congresso Nacional, por inconstitucional e por haver projeto, aprovado no Senado, tramitando na Câmara criando mecanismos de autorregulação pelas plataformas, dotadas, portanto, do poder de moderação das publicações.

No plano penal, lei recente alterou o art. 323 do Código Eleitoral. Tornou-se crime “divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado”.

Tal constitui avanço na luta contra a desinformação, pois a notícia veiculada pode ser reprimida – independentemente de constituir ofensa à honra – se contiver potencialidade para influenciar o eleitorado, deturpando a vontade do eleitor com mentiras sobre partido ou candidato.

Mas, na proteção da democracia, cumpre ir além da preservação de interesse particular de partido ou candidato. É necessário proteger a fidedignidade do processo eleitoral e o respeito ao resultado das eleições.

Para tanto, recente lei, que introduziu no Código Penal capítulo relativo à tutela do Estado Democrático de Direito, trouxe importantes normas incriminadoras de atos atentatórios à higidez das eleições e ao processo de aferição dos resultados.

Bem se incrimina, no art. 359-N do Código Penal, a perturbação da eleição ou da aferição do resultado mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico.

De outra parte, se a democracia resulta da escolha livre e consciente dos representantes do povo, essa liberdade e essa consciência desaparecem se houver a prevalência da desinformação na formação da vontade do eleitor. Também assim se sabidamente se colocam, de má-fé, dúvidas sobre a correção do método de votação.

Destaco, então, outra norma incriminadora, vetada pelo presidente da República, mas cujo veto se espera seja derrubado pelo Congresso no combate à pirataria informativa nas eleições, pois se deve tutelar a higidez da eleição em face da mentira. Diz a norma imotivadamente vetada: “Art. 359-O. Promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral – Pena: reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa”.

Bolsonaro, agora em nova fase agressiva às urnas eletrônicas, que se comprometera a respeitar, buscou envolver o Exército na falsa denúncia da insegurança do voto eletrônico. Buscou, à moda Trump, emporcalhar desde já a eleição que pode perder.

Essa conduta compromete o Estado Democrático de Direito, fundado no respeito ao processo eleitoral no seu conjunto, pois o deturpa com campanha de falsidades acerca da insegurança das urnas eletrônicas. Assim, a vigência desta norma penal vetada é essencial na defesa da democracia, ao punir mentiras deste quilate, lesivas à credibilidade da eleição. Cabe ao Congresso derrubar o veto.

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ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

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