Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras e ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Mulheres de coragem


Registro, aqui, as figuras de corajosas advogadas, as primeiras a perorar nos tribunais e a proclamar e exigir a igualdade entre homens e mulheres

Por Miguel Reale Júnior

Na próxima semana comemora-se o Dia Internacional da Mulher, momento de renovar o compromisso com o combate à desigualdade e à discriminação de gênero.

Há pouco mais de um século, tendo por principal objetivo a obtenção do direito político da mulher de votar e de ser votada, Bertha Lutz, zoóloga, fundou a Federação Brasileira para o Progresso Feminino. Essa entidade arregimentou centenas de mulheres e exerceu incisiva liderança na reivindicação sufragista, incluindo a Federação brasileira no movimento internacional. Contou essa batalha com importante colaboração de quatro advogadas: Myrthes Gomes de Campos; Natércia da Cunha Silveira; Elvira Komel; e Almerinda Farias Gama. Myrthes, brilhante oradora, primeira advogada brasileira, sustentou não haver lei proibindo o exercício da advocacia pela mulher. Natércia, gaúcha, e Elvira, mineira, foram as primeiras advogadas de seus Estados natais.

Natércia teve sempre atuação política, aderindo, ainda estudante, em 1923, à Revolução Federativa contra Borges de Medeiros. Formada em 1926, com 21 anos, advogou em Porto Alegre e, depois, no Rio de Janeiro, destacando-se na tribuna do júri. Ouçamos sua voz poderosa: em artigo no O Jornal de 18/7/1927, disse que “recusar à mulher a intervenção nos negócios públicos é violar o próprio princípio republicano; é calcar aos pés os mais nobres sentimentos de justiça e liberdade, que devem ser sempre o apanágio de todos os povos cultos. A única desigualdade admissível será a que se fundar na diversidade das qualidades intelectuais e morais do indivíduo”.

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E assevera a arguta advogada: “Como poderia exigir da mulher em geral que esposasse um ideal político, se propositadamente se tem procurado afastá-la da política, por incapaz? E para o filho, qual a vantagem em ter por mãe uma criatura inferior?”. Diante dessas questões, tira a conclusão: “Existe para a mulher um título eterno e inalienável, que domina e precede a todos – é o de criatura humana; e, como tal, tem ela direito ao mais completo desenvolvimento de todas as suas faculdades intelectuais”.

Por fim, com fina ironia, argumenta: “Não será o exercício dos direitos políticos que virá poluir a sua pureza; não será nos momentos de entusiasmo e de intensa vibração cívica, quando a alma promove nobres expansões de patriotismo, que a mulher se há de lembrar de praticar o mal”.

Natércia diverge de Bertha Lutz ao aderir à campanha em favor da Aliança Liberal em 1930. Sai da Federação para o Progresso Feminino e funda a Aliança Nacional de Mulheres, cujo objetivo era, também, “proporcionar proteção à mulher que trabalhava em todos os ramos de atividades, amparando-a na conquista de sua independência econômica”.

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Em meados de 1931, realiza o I Congresso Feminino Mineiro, em Belo Horizonte, com a advogada Elvira Komel, que preside o congresso, composto por representantes de 51 municípios de Minas. Na companhia de Elvira, Natércia pressionou a comissão elaboradora do Código Eleitoral, obtendo sucesso, pois em segunda versão o código estendeu o direito de voto à mulher, que, no entanto, não era obrigatório. Elvira, tristemente, falece em 1932.

Natércia e Bertha vieram a integrar a comissão de juristas encarregada de elaborar o anteprojeto de Constituição a ser submetido aos constituintes de 1933, no qual se assegurava o voto feminino. A Aliança Nacional de Mulheres estava, contudo, atenta não apenas à obtenção do voto feminino: solicita, por exemplo, à polícia, no carnaval de 1933, proibir homens fantasiados de mulher grávida, debochando de situação a ser respeitada, pedido deferido pelas autoridades (Diário da Noite de 22/2/1933).

Outra mulher destacável na luta sufragista foi Almerinda Farias Gama, alagoana criada no Pará e, depois, aos 30 anos, jornalista, residente no Rio de Janeiro, onde se uniu à Federação com Bertha Lutz. Mas tinha atuação política mais ampla, como presidente do Sindicato de Datilógrafas, em razão do que veio a ser delegada eleitoral classista para a Assembleia Constituinte de 1933. A primeira mulher e mulher preta a votar. Sua visão social a levou a ser fundadora do Partido Socialista Proletário do Brasil.

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Apesar de formada em Direito, Almerinda continuou jornalista, assessorando a Federação. Acolheu, em nome da entidade, o justo reclamo das garçonetes (A Noite, de 19/8/1933) relativo à exigência das mulheres que, trabalhando em bares e restaurantes, não obtinham inscrição no sindicato dos garçons, por não prever o estatuto a participação feminina.

Sua larga atuação justificou dar seu nome ao corredor que une o salão verde da Câmara dos Deputados ao plenário.

Registro as figuras dessas corajosas advogadas, as primeiras a perorar nos tribunais e as primeiras a proclamar e exigir a igualdade entre homens e mulheres, que o obscurantismo machista procurou sempre impedir, e deve ser definitivamente calado com a frase de Natércia no seu artigo de 1927: “Sentimentos de justiça, patriotismo e humanidade fazem mister assegurar à mulher parte franca e ativa no governo de sua Pátria”.

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ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

Na próxima semana comemora-se o Dia Internacional da Mulher, momento de renovar o compromisso com o combate à desigualdade e à discriminação de gênero.

Há pouco mais de um século, tendo por principal objetivo a obtenção do direito político da mulher de votar e de ser votada, Bertha Lutz, zoóloga, fundou a Federação Brasileira para o Progresso Feminino. Essa entidade arregimentou centenas de mulheres e exerceu incisiva liderança na reivindicação sufragista, incluindo a Federação brasileira no movimento internacional. Contou essa batalha com importante colaboração de quatro advogadas: Myrthes Gomes de Campos; Natércia da Cunha Silveira; Elvira Komel; e Almerinda Farias Gama. Myrthes, brilhante oradora, primeira advogada brasileira, sustentou não haver lei proibindo o exercício da advocacia pela mulher. Natércia, gaúcha, e Elvira, mineira, foram as primeiras advogadas de seus Estados natais.

Natércia teve sempre atuação política, aderindo, ainda estudante, em 1923, à Revolução Federativa contra Borges de Medeiros. Formada em 1926, com 21 anos, advogou em Porto Alegre e, depois, no Rio de Janeiro, destacando-se na tribuna do júri. Ouçamos sua voz poderosa: em artigo no O Jornal de 18/7/1927, disse que “recusar à mulher a intervenção nos negócios públicos é violar o próprio princípio republicano; é calcar aos pés os mais nobres sentimentos de justiça e liberdade, que devem ser sempre o apanágio de todos os povos cultos. A única desigualdade admissível será a que se fundar na diversidade das qualidades intelectuais e morais do indivíduo”.

E assevera a arguta advogada: “Como poderia exigir da mulher em geral que esposasse um ideal político, se propositadamente se tem procurado afastá-la da política, por incapaz? E para o filho, qual a vantagem em ter por mãe uma criatura inferior?”. Diante dessas questões, tira a conclusão: “Existe para a mulher um título eterno e inalienável, que domina e precede a todos – é o de criatura humana; e, como tal, tem ela direito ao mais completo desenvolvimento de todas as suas faculdades intelectuais”.

Por fim, com fina ironia, argumenta: “Não será o exercício dos direitos políticos que virá poluir a sua pureza; não será nos momentos de entusiasmo e de intensa vibração cívica, quando a alma promove nobres expansões de patriotismo, que a mulher se há de lembrar de praticar o mal”.

Natércia diverge de Bertha Lutz ao aderir à campanha em favor da Aliança Liberal em 1930. Sai da Federação para o Progresso Feminino e funda a Aliança Nacional de Mulheres, cujo objetivo era, também, “proporcionar proteção à mulher que trabalhava em todos os ramos de atividades, amparando-a na conquista de sua independência econômica”.

Em meados de 1931, realiza o I Congresso Feminino Mineiro, em Belo Horizonte, com a advogada Elvira Komel, que preside o congresso, composto por representantes de 51 municípios de Minas. Na companhia de Elvira, Natércia pressionou a comissão elaboradora do Código Eleitoral, obtendo sucesso, pois em segunda versão o código estendeu o direito de voto à mulher, que, no entanto, não era obrigatório. Elvira, tristemente, falece em 1932.

Natércia e Bertha vieram a integrar a comissão de juristas encarregada de elaborar o anteprojeto de Constituição a ser submetido aos constituintes de 1933, no qual se assegurava o voto feminino. A Aliança Nacional de Mulheres estava, contudo, atenta não apenas à obtenção do voto feminino: solicita, por exemplo, à polícia, no carnaval de 1933, proibir homens fantasiados de mulher grávida, debochando de situação a ser respeitada, pedido deferido pelas autoridades (Diário da Noite de 22/2/1933).

Outra mulher destacável na luta sufragista foi Almerinda Farias Gama, alagoana criada no Pará e, depois, aos 30 anos, jornalista, residente no Rio de Janeiro, onde se uniu à Federação com Bertha Lutz. Mas tinha atuação política mais ampla, como presidente do Sindicato de Datilógrafas, em razão do que veio a ser delegada eleitoral classista para a Assembleia Constituinte de 1933. A primeira mulher e mulher preta a votar. Sua visão social a levou a ser fundadora do Partido Socialista Proletário do Brasil.

Apesar de formada em Direito, Almerinda continuou jornalista, assessorando a Federação. Acolheu, em nome da entidade, o justo reclamo das garçonetes (A Noite, de 19/8/1933) relativo à exigência das mulheres que, trabalhando em bares e restaurantes, não obtinham inscrição no sindicato dos garçons, por não prever o estatuto a participação feminina.

Sua larga atuação justificou dar seu nome ao corredor que une o salão verde da Câmara dos Deputados ao plenário.

Registro as figuras dessas corajosas advogadas, as primeiras a perorar nos tribunais e as primeiras a proclamar e exigir a igualdade entre homens e mulheres, que o obscurantismo machista procurou sempre impedir, e deve ser definitivamente calado com a frase de Natércia no seu artigo de 1927: “Sentimentos de justiça, patriotismo e humanidade fazem mister assegurar à mulher parte franca e ativa no governo de sua Pátria”.

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ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

Na próxima semana comemora-se o Dia Internacional da Mulher, momento de renovar o compromisso com o combate à desigualdade e à discriminação de gênero.

Há pouco mais de um século, tendo por principal objetivo a obtenção do direito político da mulher de votar e de ser votada, Bertha Lutz, zoóloga, fundou a Federação Brasileira para o Progresso Feminino. Essa entidade arregimentou centenas de mulheres e exerceu incisiva liderança na reivindicação sufragista, incluindo a Federação brasileira no movimento internacional. Contou essa batalha com importante colaboração de quatro advogadas: Myrthes Gomes de Campos; Natércia da Cunha Silveira; Elvira Komel; e Almerinda Farias Gama. Myrthes, brilhante oradora, primeira advogada brasileira, sustentou não haver lei proibindo o exercício da advocacia pela mulher. Natércia, gaúcha, e Elvira, mineira, foram as primeiras advogadas de seus Estados natais.

Natércia teve sempre atuação política, aderindo, ainda estudante, em 1923, à Revolução Federativa contra Borges de Medeiros. Formada em 1926, com 21 anos, advogou em Porto Alegre e, depois, no Rio de Janeiro, destacando-se na tribuna do júri. Ouçamos sua voz poderosa: em artigo no O Jornal de 18/7/1927, disse que “recusar à mulher a intervenção nos negócios públicos é violar o próprio princípio republicano; é calcar aos pés os mais nobres sentimentos de justiça e liberdade, que devem ser sempre o apanágio de todos os povos cultos. A única desigualdade admissível será a que se fundar na diversidade das qualidades intelectuais e morais do indivíduo”.

E assevera a arguta advogada: “Como poderia exigir da mulher em geral que esposasse um ideal político, se propositadamente se tem procurado afastá-la da política, por incapaz? E para o filho, qual a vantagem em ter por mãe uma criatura inferior?”. Diante dessas questões, tira a conclusão: “Existe para a mulher um título eterno e inalienável, que domina e precede a todos – é o de criatura humana; e, como tal, tem ela direito ao mais completo desenvolvimento de todas as suas faculdades intelectuais”.

Por fim, com fina ironia, argumenta: “Não será o exercício dos direitos políticos que virá poluir a sua pureza; não será nos momentos de entusiasmo e de intensa vibração cívica, quando a alma promove nobres expansões de patriotismo, que a mulher se há de lembrar de praticar o mal”.

Natércia diverge de Bertha Lutz ao aderir à campanha em favor da Aliança Liberal em 1930. Sai da Federação para o Progresso Feminino e funda a Aliança Nacional de Mulheres, cujo objetivo era, também, “proporcionar proteção à mulher que trabalhava em todos os ramos de atividades, amparando-a na conquista de sua independência econômica”.

Em meados de 1931, realiza o I Congresso Feminino Mineiro, em Belo Horizonte, com a advogada Elvira Komel, que preside o congresso, composto por representantes de 51 municípios de Minas. Na companhia de Elvira, Natércia pressionou a comissão elaboradora do Código Eleitoral, obtendo sucesso, pois em segunda versão o código estendeu o direito de voto à mulher, que, no entanto, não era obrigatório. Elvira, tristemente, falece em 1932.

Natércia e Bertha vieram a integrar a comissão de juristas encarregada de elaborar o anteprojeto de Constituição a ser submetido aos constituintes de 1933, no qual se assegurava o voto feminino. A Aliança Nacional de Mulheres estava, contudo, atenta não apenas à obtenção do voto feminino: solicita, por exemplo, à polícia, no carnaval de 1933, proibir homens fantasiados de mulher grávida, debochando de situação a ser respeitada, pedido deferido pelas autoridades (Diário da Noite de 22/2/1933).

Outra mulher destacável na luta sufragista foi Almerinda Farias Gama, alagoana criada no Pará e, depois, aos 30 anos, jornalista, residente no Rio de Janeiro, onde se uniu à Federação com Bertha Lutz. Mas tinha atuação política mais ampla, como presidente do Sindicato de Datilógrafas, em razão do que veio a ser delegada eleitoral classista para a Assembleia Constituinte de 1933. A primeira mulher e mulher preta a votar. Sua visão social a levou a ser fundadora do Partido Socialista Proletário do Brasil.

Apesar de formada em Direito, Almerinda continuou jornalista, assessorando a Federação. Acolheu, em nome da entidade, o justo reclamo das garçonetes (A Noite, de 19/8/1933) relativo à exigência das mulheres que, trabalhando em bares e restaurantes, não obtinham inscrição no sindicato dos garçons, por não prever o estatuto a participação feminina.

Sua larga atuação justificou dar seu nome ao corredor que une o salão verde da Câmara dos Deputados ao plenário.

Registro as figuras dessas corajosas advogadas, as primeiras a perorar nos tribunais e as primeiras a proclamar e exigir a igualdade entre homens e mulheres, que o obscurantismo machista procurou sempre impedir, e deve ser definitivamente calado com a frase de Natércia no seu artigo de 1927: “Sentimentos de justiça, patriotismo e humanidade fazem mister assegurar à mulher parte franca e ativa no governo de sua Pátria”.

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ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

Na próxima semana comemora-se o Dia Internacional da Mulher, momento de renovar o compromisso com o combate à desigualdade e à discriminação de gênero.

Há pouco mais de um século, tendo por principal objetivo a obtenção do direito político da mulher de votar e de ser votada, Bertha Lutz, zoóloga, fundou a Federação Brasileira para o Progresso Feminino. Essa entidade arregimentou centenas de mulheres e exerceu incisiva liderança na reivindicação sufragista, incluindo a Federação brasileira no movimento internacional. Contou essa batalha com importante colaboração de quatro advogadas: Myrthes Gomes de Campos; Natércia da Cunha Silveira; Elvira Komel; e Almerinda Farias Gama. Myrthes, brilhante oradora, primeira advogada brasileira, sustentou não haver lei proibindo o exercício da advocacia pela mulher. Natércia, gaúcha, e Elvira, mineira, foram as primeiras advogadas de seus Estados natais.

Natércia teve sempre atuação política, aderindo, ainda estudante, em 1923, à Revolução Federativa contra Borges de Medeiros. Formada em 1926, com 21 anos, advogou em Porto Alegre e, depois, no Rio de Janeiro, destacando-se na tribuna do júri. Ouçamos sua voz poderosa: em artigo no O Jornal de 18/7/1927, disse que “recusar à mulher a intervenção nos negócios públicos é violar o próprio princípio republicano; é calcar aos pés os mais nobres sentimentos de justiça e liberdade, que devem ser sempre o apanágio de todos os povos cultos. A única desigualdade admissível será a que se fundar na diversidade das qualidades intelectuais e morais do indivíduo”.

E assevera a arguta advogada: “Como poderia exigir da mulher em geral que esposasse um ideal político, se propositadamente se tem procurado afastá-la da política, por incapaz? E para o filho, qual a vantagem em ter por mãe uma criatura inferior?”. Diante dessas questões, tira a conclusão: “Existe para a mulher um título eterno e inalienável, que domina e precede a todos – é o de criatura humana; e, como tal, tem ela direito ao mais completo desenvolvimento de todas as suas faculdades intelectuais”.

Por fim, com fina ironia, argumenta: “Não será o exercício dos direitos políticos que virá poluir a sua pureza; não será nos momentos de entusiasmo e de intensa vibração cívica, quando a alma promove nobres expansões de patriotismo, que a mulher se há de lembrar de praticar o mal”.

Natércia diverge de Bertha Lutz ao aderir à campanha em favor da Aliança Liberal em 1930. Sai da Federação para o Progresso Feminino e funda a Aliança Nacional de Mulheres, cujo objetivo era, também, “proporcionar proteção à mulher que trabalhava em todos os ramos de atividades, amparando-a na conquista de sua independência econômica”.

Em meados de 1931, realiza o I Congresso Feminino Mineiro, em Belo Horizonte, com a advogada Elvira Komel, que preside o congresso, composto por representantes de 51 municípios de Minas. Na companhia de Elvira, Natércia pressionou a comissão elaboradora do Código Eleitoral, obtendo sucesso, pois em segunda versão o código estendeu o direito de voto à mulher, que, no entanto, não era obrigatório. Elvira, tristemente, falece em 1932.

Natércia e Bertha vieram a integrar a comissão de juristas encarregada de elaborar o anteprojeto de Constituição a ser submetido aos constituintes de 1933, no qual se assegurava o voto feminino. A Aliança Nacional de Mulheres estava, contudo, atenta não apenas à obtenção do voto feminino: solicita, por exemplo, à polícia, no carnaval de 1933, proibir homens fantasiados de mulher grávida, debochando de situação a ser respeitada, pedido deferido pelas autoridades (Diário da Noite de 22/2/1933).

Outra mulher destacável na luta sufragista foi Almerinda Farias Gama, alagoana criada no Pará e, depois, aos 30 anos, jornalista, residente no Rio de Janeiro, onde se uniu à Federação com Bertha Lutz. Mas tinha atuação política mais ampla, como presidente do Sindicato de Datilógrafas, em razão do que veio a ser delegada eleitoral classista para a Assembleia Constituinte de 1933. A primeira mulher e mulher preta a votar. Sua visão social a levou a ser fundadora do Partido Socialista Proletário do Brasil.

Apesar de formada em Direito, Almerinda continuou jornalista, assessorando a Federação. Acolheu, em nome da entidade, o justo reclamo das garçonetes (A Noite, de 19/8/1933) relativo à exigência das mulheres que, trabalhando em bares e restaurantes, não obtinham inscrição no sindicato dos garçons, por não prever o estatuto a participação feminina.

Sua larga atuação justificou dar seu nome ao corredor que une o salão verde da Câmara dos Deputados ao plenário.

Registro as figuras dessas corajosas advogadas, as primeiras a perorar nos tribunais e as primeiras a proclamar e exigir a igualdade entre homens e mulheres, que o obscurantismo machista procurou sempre impedir, e deve ser definitivamente calado com a frase de Natércia no seu artigo de 1927: “Sentimentos de justiça, patriotismo e humanidade fazem mister assegurar à mulher parte franca e ativa no governo de sua Pátria”.

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Na próxima semana comemora-se o Dia Internacional da Mulher, momento de renovar o compromisso com o combate à desigualdade e à discriminação de gênero.

Há pouco mais de um século, tendo por principal objetivo a obtenção do direito político da mulher de votar e de ser votada, Bertha Lutz, zoóloga, fundou a Federação Brasileira para o Progresso Feminino. Essa entidade arregimentou centenas de mulheres e exerceu incisiva liderança na reivindicação sufragista, incluindo a Federação brasileira no movimento internacional. Contou essa batalha com importante colaboração de quatro advogadas: Myrthes Gomes de Campos; Natércia da Cunha Silveira; Elvira Komel; e Almerinda Farias Gama. Myrthes, brilhante oradora, primeira advogada brasileira, sustentou não haver lei proibindo o exercício da advocacia pela mulher. Natércia, gaúcha, e Elvira, mineira, foram as primeiras advogadas de seus Estados natais.

Natércia teve sempre atuação política, aderindo, ainda estudante, em 1923, à Revolução Federativa contra Borges de Medeiros. Formada em 1926, com 21 anos, advogou em Porto Alegre e, depois, no Rio de Janeiro, destacando-se na tribuna do júri. Ouçamos sua voz poderosa: em artigo no O Jornal de 18/7/1927, disse que “recusar à mulher a intervenção nos negócios públicos é violar o próprio princípio republicano; é calcar aos pés os mais nobres sentimentos de justiça e liberdade, que devem ser sempre o apanágio de todos os povos cultos. A única desigualdade admissível será a que se fundar na diversidade das qualidades intelectuais e morais do indivíduo”.

E assevera a arguta advogada: “Como poderia exigir da mulher em geral que esposasse um ideal político, se propositadamente se tem procurado afastá-la da política, por incapaz? E para o filho, qual a vantagem em ter por mãe uma criatura inferior?”. Diante dessas questões, tira a conclusão: “Existe para a mulher um título eterno e inalienável, que domina e precede a todos – é o de criatura humana; e, como tal, tem ela direito ao mais completo desenvolvimento de todas as suas faculdades intelectuais”.

Por fim, com fina ironia, argumenta: “Não será o exercício dos direitos políticos que virá poluir a sua pureza; não será nos momentos de entusiasmo e de intensa vibração cívica, quando a alma promove nobres expansões de patriotismo, que a mulher se há de lembrar de praticar o mal”.

Natércia diverge de Bertha Lutz ao aderir à campanha em favor da Aliança Liberal em 1930. Sai da Federação para o Progresso Feminino e funda a Aliança Nacional de Mulheres, cujo objetivo era, também, “proporcionar proteção à mulher que trabalhava em todos os ramos de atividades, amparando-a na conquista de sua independência econômica”.

Em meados de 1931, realiza o I Congresso Feminino Mineiro, em Belo Horizonte, com a advogada Elvira Komel, que preside o congresso, composto por representantes de 51 municípios de Minas. Na companhia de Elvira, Natércia pressionou a comissão elaboradora do Código Eleitoral, obtendo sucesso, pois em segunda versão o código estendeu o direito de voto à mulher, que, no entanto, não era obrigatório. Elvira, tristemente, falece em 1932.

Natércia e Bertha vieram a integrar a comissão de juristas encarregada de elaborar o anteprojeto de Constituição a ser submetido aos constituintes de 1933, no qual se assegurava o voto feminino. A Aliança Nacional de Mulheres estava, contudo, atenta não apenas à obtenção do voto feminino: solicita, por exemplo, à polícia, no carnaval de 1933, proibir homens fantasiados de mulher grávida, debochando de situação a ser respeitada, pedido deferido pelas autoridades (Diário da Noite de 22/2/1933).

Outra mulher destacável na luta sufragista foi Almerinda Farias Gama, alagoana criada no Pará e, depois, aos 30 anos, jornalista, residente no Rio de Janeiro, onde se uniu à Federação com Bertha Lutz. Mas tinha atuação política mais ampla, como presidente do Sindicato de Datilógrafas, em razão do que veio a ser delegada eleitoral classista para a Assembleia Constituinte de 1933. A primeira mulher e mulher preta a votar. Sua visão social a levou a ser fundadora do Partido Socialista Proletário do Brasil.

Apesar de formada em Direito, Almerinda continuou jornalista, assessorando a Federação. Acolheu, em nome da entidade, o justo reclamo das garçonetes (A Noite, de 19/8/1933) relativo à exigência das mulheres que, trabalhando em bares e restaurantes, não obtinham inscrição no sindicato dos garçons, por não prever o estatuto a participação feminina.

Sua larga atuação justificou dar seu nome ao corredor que une o salão verde da Câmara dos Deputados ao plenário.

Registro as figuras dessas corajosas advogadas, as primeiras a perorar nos tribunais e as primeiras a proclamar e exigir a igualdade entre homens e mulheres, que o obscurantismo machista procurou sempre impedir, e deve ser definitivamente calado com a frase de Natércia no seu artigo de 1927: “Sentimentos de justiça, patriotismo e humanidade fazem mister assegurar à mulher parte franca e ativa no governo de sua Pátria”.

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